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Educação Ambiental e Processos Grupais: Um encontro de valor(es).

Patrícia Silveira da Silva Trazzi
Universidade Federal do Espírito Santo- UFES

Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGE

Financiamento: CAPES

*Artigo publicado nos anais do VI Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste: Política, conhecimento e cidadania, UERJ, Rio de Janeiro, 3 a 6 de maio de 2004.

Introdução

Um dos objetivos da prática da educação ambiental no ensino formal e informal é promover processos de conscientização que estimulem novas percepções de mundo e dos problemas decorrentes da degradação ambiental, buscando formas de integrar o ser humano ao meio em que vive. Esses objetivos só se tornam possíveis porque a educação ambiental é uma educação processual, democrática, política, cidadã, solidária, e que busca promover o respeito ao outro, a diferentes culturas e nações e que procura resgatar valores éticos, estéticos e humanistas (VIEZZER; OVALLES, 1994).

Acontece que, em mais de vinte anos de existência, a educação ambiental tem passado por sérias críticas por parte dos mais diferentes segmentos das comunidades nacional e internacional. Tratada, em muitos casos como modismo, essa modalidade de educação é criticada pela falta de resultados concretos em sua prática e por sua fragilidade metodológica, pois não se sabe ainda quais são os meios mais eficazes para sua implementação (LAYRARGUES, 2000).

Nas Universidades, por exemplo, existem inúmeras dificuldades na sua implementação apesar de a Lei nº 9.795/99 que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental. Segundo esta Lei, a educação ambiental deve ser desenvolvida no ensino superior público e privado de forma interdisciplinar, contínua, permanente e que deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas (DIAS, 2001).

Esta dificuldade é decorrente, em grande parte, da própria estrutura universitária que é departamentizada, disciplinar e resistente a mudanças, sendo o assunto em questão ainda tratado de forma muito reducionista, fragmentada e descontextualizada. Neste sentido, sua inserção no ensino superior torna-se um desafio pelo fato de ser uma proposta interdisciplinar de educação socioambiental (TRISTÃO, 1997).

A fim de contribuir para a implementação da educação ambiental no ensino superior, este estudo utiliza a metodologia denominada “processos grupais de aprendizagem”, baseada na Abordagem Centrada na Pessoa, criada pelo psicólogo e pesquisador Carl Rogers. Esta metodologia foi aplicada durante um curso de extensão oferecido a um grupo alunos dos cursos de licenciatura da Universidade Federal do Espírito Santo- UFES.

A criação da Abordagem Centrada na Pessoa foi fruto das experiências de Rogers como psicólogo e pesquisador nos Estados Unidos da América e se constitui como uma tendência ligada a fenomenologia e ao existencialismo.

O objetivo dessa abordagem é o de facilitar a criação de um clima de liberdade em que as pessoas à medida em que vão se sentindo livres possam vivenciar suas experiências e como conseqüência possam se autodirecionar em busca de uma aprendizagem significativa. A aprendizagem significativa é uma aprendizagem plena de sentidos que envolve o entrelaçamento do afetivo e do cognitivo.

Desta maneira, esta pesquisa de caráter qualitativo e exploratório, de inspiração fenomenológica, teve como objetivo criar as condições para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa e coletiva em educação ambiental a partir da metodologia dos processos grupais de aprendizagem.

Os caminhos da pesquisa e as estratégias metodológicas: a vivência de um processo grupal

A pesquisa foi realizada com um grupo de vinte e cinco alunos de seis cursos de licenciatura (Ciências Biológicas, Geografia, Pedagogia, Artes Visuais, Educação Física, História) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) a partir da oferta de um curso de extensão. O programa do curso não constava de um conteúdo programático pronto sendo este construído de maneira coletiva com o grupo da pesquisa. Tendo como base uma metodologia essencialmente não diretiva[1], centrada no grupo, processual e participativa, não havia método pronto e acabado.

Tendo em primeiro lugar o compromisso ético e a pertinência temática, a maioria dos encontros foi gravado com a autorização dos participantes sendo que nenhum componente do grupo teve sua identidade revelada, e isso foi garantido através da assinatura do protocolo humano (Resolução 196/96 do Comissão Nacional de ética em Pesquisa (CONEP) que legisla sobre a responsabilidade do pesquisador em relação aos sujeitos humanos.

Além das gravações dos encontros utilizei como recursos para coleta de dados a observação, e registro no diário de campo em que anotei todas as minhas observações e reflexões encontro após encontro.

Inicialmente, apresentei a proposta de pesquisa aos participantes e pedi autorização para realizá-la com o grupo.

Proposta da pesquisa:

1-A aprendizagem seria feita em grupo de forma coletiva. 2-Não haveria um líder, chefe ou professor que teria o poder decisório no grupo. 3-O clima de liberdade foi ressaltado. Os participante seriam responsáveis por sua aprendizagem no grupo. 4-Não haveria lista de presença. 5-Não haveria nota, a avaliação seria conjunta. 6-Não haveria leituras obrigatórias, somente sugestões de bibliografias e outras sugeridas pelos participantes. 7-Haveria bibliografias disponíveis em uma pasta na xerox que estaria aberta a contribuição de todos os membros do grupo. 8- O meu papel seria facilitar a aprendizagem do grupo, tendo me colocado a disposição do grupo para atendimentos individuais acerca de seus interesses. 9-O meu interesse na aprendizagem grupal de estar trazendo materiais que possam facilitá-la.

Após as transcrições de cerca de vinte fitas gravadas durante os encontros, seguiu-se a sistematização, a interpretação e a análise dos dados obtidos.

Para explorar a riqueza deste material com profundidade, utilizo as versões de sentido (AMATUZZI, 2001) que é um instrumento eficaz e de fácil uso no acompanhamento reflexivo de trabalhos com grupos e outras atividades educativas.

A partir da análise e sistematização do material transcrito e das observações relatadas no diário de campo foi feito primeiramente a análise e sistematização das fases do processo grupal vivido que se basearam nas versões de sentido realizadas ao longo da pesquisa. Para definir as fases, tive como base as fases descritas por Rogers (1997); Rogers (1978); Wood (1994), Amatuzzi (2001) e Moscovici (1978). Pensando nas fases do processo grupal criei uma metáfora na qual comparo o grupo da pesquisa a um grupo de pessoas que decidem sair para velejar em um barquinho. Elas não sabem para onde irão e o que poderá lhes acontecer durante o percurso.

Os resultados

Os resultados desta pesquisa apontam para a possibilidade da utilização da metodologia dos processos grupais nos cursos de licenciatura incrementando a formação do educador. Com relação ao processo do grupo de pesquisa, observamos o suceder de seis fases que assim denominei:

I- Estou disposto a entrar neste barco?; II – O embarque e o início de nossa viagem: os primeiros desafios; III- Nuvens carregadas encobrem o céu: o início de uma tempestade; IV- Depois da tempestade: o sol, o calor e o encontro de um rumo; V- Terra à vista! e VI- O fim de nossa viagem e o balanço das aprendizagens: a despedida do processo grupal.

No processo grupal, gradativamente, o grupo caminha em um continum, que não é linear, no sentido de assumir as rédeas do seu processo de aprendizagem tornando-se mais ativo, participativo e responsável. Ainda dentro desse processo, facilitado pelo movimento das fases emerge as dimensões educativa e significativa da educação ambiental.

A DIMENSÃO EDUCATIVA

A dimensão educativa da educação ambiental foi a primeira a emergir durante o processo grupal. Isso está relacionado, de certa forma, com a idéia da concepção da educação ambiental conservacionista. Nessa concepção, a educação ambiental se liga à tendência de que ela seria um tipo de orientação, instrução, ensinamentos de conteúdos ecológicos, do funcionamento dos ecossistemas e de como conservar, preservar o meio ambiente. Além disso, esta dimensão educativa se relaciona também com o fato de a educação ambiental ser a promotora de uma conscientização e de uma sensibilização das pessoas sobre os problemas ambientais, modificando seus comportamentos e atitudes.

Isso pode ser verificado a partir deste depoimento:

Daniel: Eu vejo a educação ambiental como uma orientação de que o homem, como sendo um transformador do meio ambiente, mantenha-o preservado, conservado para não só as gerações futuras, mas para respeitar o próximo. Não só respeitar o meio natural, mas uma maior fraternidade das pessoas umas com as outras.

Daniel associa a educação ambiental a um tipo de conhecimento voltado para a conscientização e a preservação. Assim, inicialmente, a educação ambiental foi associada à idéia de uma educação para a conservação e preservação do meio ambiente para as futuras gerações e também a um maior respeito entre as pessoas e entre as pessoas e a natureza.

A idéia inicial de a educação ambiental associada a orientações para a preservação e conservação do meio ambiente é derivada da concepção preservacionista e conservacionista do meio ambiente. Na concepção preservacionista, a natureza tem valor intrínseco e deve por isso se manter intocada pelo ser humano. Essa concepção foi formada no início do século XX, nos Estados Unidos da América, e ainda é muito forte nos dias atuais, tendo contribuído para fortalecer o mito da natureza intocada na qual é adepta da criação de parques e reservas que mantenham intacta a vida natural (DIEGUES, 1996). Já a concepção conservacionista da educação ambiental, oriunda da década de 70, no Brasil, diz respeito a uma corrente comportamentalista da educação ambiental que a associa à idéia de que, se dominássemos os conteúdos ecológicos, automaticamente iríamos adquirir atitudes e comportamentos ideais para o meio ambiente.

O vocabulário expresso por meio do discurso da conservação e preservação para as futuras gerações já está associado a concepção da educação ambiental denominada “Economia ecológica” que está ligada ao pensamento econômico derivado dos escritos dos anos 70 e que culminou com a elaboração do documento “Nosso Futuro Comum”, que foi a base da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano realizada no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. Essa conferência marca o tema do desenvolvimento sustentável como um desenvolvimento que alia a ecologia e a economia de modo que se alcance um desenvolvimento que atenda às necessidades das gerações atuais sem comprometer as gerações futuras.

Assim, o tema do desenvolvimento sustentável também esteve presente na construção do conceito de educação ambiental, como mostra o depoimento:

César: Eu não gosto de pensar a educação ambiental como um conceito fechado. Mesmo que você não saiba, você associa direto o conceito de educação ambiental com a noção de desenvolvimento sustentável. No fundo, você quer transmitir para seus alunos ou qualquer outra pessoa a idéia de que tem que mudar a maneira como o homem está interagindo no meio vivo hoje.

A associação do desenvolvimento sustentável com a educação ambiental é de fundamental importância, pois traz para o debate a questão do modelo insustentável de desenvolvimento que vivemos, focalizando a necessidade de se mudar a maneira como estamos interagindo com o meio ambiente em prol do paradigma da sustentabilidade que propõe a associação entre justiça social, qualidade de vida e equilíbrio ambiental e também a necessidade de desenvolvimento como tendo uma capacidade de suporte (JACOBI, 2001).

A questão do respeito ao outro é uma idéia mais recente dentro do discurso ambiental e que se desenvolveu mais após Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, com a elaboração de documentos, como a Agenda 21, do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade, que se realizou, em 1997, em Thessaloniki, na Grécia. Esses documentos enfatizam a questão do respeito a todas as formas de vida e também aos seres humanos entre si.

A dimensão educativa, conforme acima, caracteriza-se por um predomínio do conteúdo ou da informação que o grupo/indivíduo tentou assimilar e utilizar como forma de relação com o meio ambiente.

Dentro desta dimensão educativa da educação ambiental também se enquadram as dimensões social, política, ética, estética e a dimensão do “eu”. Observo uma gradação entre elas que leva ao estabelecimento da dimensão significativa da educação ambiental. Não quero dizer com isso que essas dimensões ocorreram de forma linear no grupo de aprendizagem, isso não aconteceu assim, pois o processo é caracterizado por um movimento constante entre as dimensões.

A dimensão social

A dimensão social relaciona-se com a forma com que o indivíduo é visto pela Psicologia, uma visão da sociedade capitalista, na qual a identidade é algo não processual, mas individual, ou seja, é um perfil construído pelos ideais do liberalismo. Assim, a noção de coletivo é ainda parcial nessa dimensão, fragmentada, estanque. O indivíduo se vê fora do meio ambiente, distante.

Essa dimensão é aberta no grupo a partir da fala de uma participante, quando esta diz:

Ana: A palavra conscientização só veio com toda uma proposta de Paulo Freire. Ele fala que conscientizar seria um abrir os olhos, um despertar, tirar a névoa da sua frente. Seria uma forma de libertação. Paulo Freire trabalha muito mais no coletivo do que no individual. [...] Nós, aqui no grupo, temos uma identidade. Alguma coisa nos trouxe aqui. Nós podemos estar discutindo, nos conscientizando, agora, eu sozinha não sei se teria como conscientizar alguém, entende? (grifo meu).

Nesse sentido, Ana revela para o grupo de onde veio a idéia de conscientização aqui no Brasil e, ao mesmo tempo, diz que ela deve ser desenvolvida no coletivo e que o grupo era um excelente espaço para propiciar uma conscientização, discutindo idéias, promovendo reflexões e que ela sozinha não teria a pretensão de conscientizar ninguém.

No entanto, a noção de coletivo anunciada é ainda parcial, é um sentido individual, no qual cada um faz a sua parte. O social aqui ainda tem uma visão estanque, assim como a identidade é ainda vista como não processual, mas fixa.

Então, como pensar em uma dimensão verdadeiramente social, se o projeto social que temos é baseado em relações competitivas, individualistas, fixas, ou seja, não processuais, de fora para dentro, que negam o outro na convivência?

César discute a questão da sensibilização como estando muito ligada à da emoção:

César: A respeito de uma palestra que você falou, esse cara trabalha muito com a questão do emocional, da sensibilização. Nós não somos só razão, também somos emoção. As pessoas gostam, mas eu acho que pára por aí. Já na outra palestra o cara falou sobre legislação ambiental, foi mais técnico, foi legal porque eu conheci e percebi que aquilo era um instrumento para o meu trabalho.

Nesse depoimento, fica evidente para ele a necessidade de se aliar o emocional e o racional em busca de ações, pois, em sua opinião, as ações de educação ambiental voltadas somente para os aspectos emocionais, da sensibilização, não são suficientes para promover mudanças de atitudes e comportamentos nas pessoas. Para ele, é necessário também o uso do racional, técnico para as ações de educação ambiental como instrumento de trabalho.

Nesse momento, Joana coloca a questão da continuidade do trabalho em educação ambiental como algo em processo, algo contínuo. E César concorda com ela reafirmando a necessidade de se aliar razão, conhecimentos técnicos (conscientização) e emoção (sensibilização), como mostra o diálogo:

Joana: Tem que ter continuidade do trabalho. Não existe fórmula mágica para isso!

César: Exatamente! Então eu acho que devam existir palestras que sensibilizem e ao mesmo tempo tire a venda dos olhos, porque não adianta só sensibilizar as pessoas e deixar elas tapadas, no mesmo caminho. Na palestra da sensibilização eu pensei: muito bonito! Mas para que eu vou usar isso?

No entanto, o paradigma hegemônico, representado pela sociedade moderna e suas relações de poder, manipula o “espaço emoção” dizendo o que é emoção. A fala de César não expressa o que é emoção para ele, mas revela o que é emoção para esse paradigma, ou seja, a subjetividade como uma construção social de fora para dentro.

Na prática de educação ambiental, a sensibilização, ligada à emoção, não parte de dentro das pessoas, mas de fora para dentro e isso pode ser constatado em palestras de sensibilização ou em aulas de campo, quando se diz: “[...] vamos sentir ambiente, sentir a natureza”. Somos nós que estamos sentindo ou a ideologia representada por esse pensamento dominante está nos dizendo o que sentir?

Nesse ponto, o depoimento de Gina expressa uma compreensão do “homem” como destruidor da natureza, quando diz:

Gina: Toda vez que se usa esse termo, o homem, o outro, a gente está só olhando, a gente está olhando o processo, é o homem que está fazendo, é o homem que está destruindo e em momento algum nós estamos fazendo, nós, né? E a gente vê o meio ambiente dessa forma também, é como se não tivesse a gente.

A compreensão do “homem” como dominador e manipulador da natureza, como sendo nós mesmos, é percebida da mesma forma em relação ao meio ambiente, como se estivéssemos fora dele. Um meio ambiente exterior e, por isso, assistimos à sua deteriorização também de fora, como espectadores, como se não participássemos dela.

E isso está também ligado à dimensão política da educação ambiental, quando nos pegamos colocando sempre a culpa dos problemas ambientais no outro, seja esse outro o governo, uma empresa e até mesmo o/a nosso/a vizinho/a e nunca em nós como cidadãos/ã também responsáveis por cuidar, zelar e participar da gestão do meio ambiente.

A dimensão política

Tendo como base esse princípio que a educação ambiental é um ato político, extraí das discussões do grupo a incorporação da dimensão política na educação ambiental, as dificuldades, conflitos, resistências e possibilidades que moveram o grupo nesse assunto.

O caráter político da educação ambiental é expresso em depoimento:

César: Sabe qual o primeiro ato de educação ambiental que você deve ensinar para um aluno? A primeira coisa que ele deve aprender é saber votar. É o primeiro passo para conseguir mudar alguma coisa.

Mas, como ensinar alguém a votar? Será que podemos ensinar alguém a votar? O que esse depoimento indica é que se quer uma educação ambiental que ensine valores. Mas valores não podem ser ensinados, eles podem, sim, ser aprendidos na convivência, nas relações entre as pessoas. Por isso, a educação ambiental deve estimular a criação de espaços de aprendizagem permanentes nos quais as pessoas possam se reunir em grupos para discutir e compartilhar esses valores.

Nesse sentido, Ana chama a atenção do grupo dizendo que a participação política deve ser realizada por grupos organizados:

Ana: Nós temos que aprender a ter participação política por grupos organizados. Essa forma de participação é que é difícil. Nós falamos isso, mas não temos um compromisso sério com ela.

Nessa direção, a educação ambiental se configura como uma educação política, ao promover a participação e a responsabilidade dos atores envolvidos em ações em prol de uma sustentabilidade humana, social e ambiental.

Afinal, não são somente as leis feitas pelos políticos que dão conta de reverter as causas da degradação ambiental. Nós, como cidadãos, temos o papel de fiscalizar e cumprir as leis feitas até porque existe uma distância entre o que diz a lei e o ato ou a ação de cumprimento desta.

Muitas vezes a lei se perde em discussões que envolvem, por exemplo, o nosso próprio entendimento acerca dos nossos direitos e deveres. A análise do que é de responsabilidade do público e do coletivo em relação ao nosso meio ambiente natural e construído foi mencionada no grupo:

Ana: Quem é esse ser humano que, quando usa o banheiro, deixa o banheiro sujo e não pensa que é público? Que compartilha a universidade pública, ele não pensa que é pública porque é de todos, é do coletivo?

Assim, se vemos os lugares públicos como não sendo nossos, nós, automaticamente, não nos sentiremos responsáveis por cuidar deles. Se a universidade é pública, não somos nós responsáveis por cuidar dela? Se o banheiro é público, não somos nós responsáveis por zelar por ele? Qual a noção de público e de coletivo que temos? Se não somos responsáveis, quem o é? O governo? O outro? Quem?

E essa discussão do público e do coletivo reflete-se nas ações ambientais, quando colocamos a culpa dos problemas sempre no outro, no governo e nunca em nós mesmos. O que se quer, o que se deseja, é uma parceria entre governos e sociedade em que as pessoas se sintam responsáveis por zelar pelo nosso meio ambiente público e coletivo, fazendo parte de nosso patrimônio e não como o patrimônio do “outro”.

Vivemos atualmente em uma lógica moderna baseada no capitalismo que dissemina determinados valores aos seres humanos, como o individualismo e o consumismo, e que cria uma sensação de que podemos viver sós, sermos totalmente independentes.

A fala a seguir expressa bem isso e pode ser caracterizada como uma fala de transição das dimensões social e política em direção a uma dimensão estética e ética da educação ambiental:

Alex: O individualismo, o consumismo, etc são valores que massacram a gente. As pessoas são assim. É muito isso. Mas, na realidade somos nós que somos assim. Se nós não nos transformarmos aqui dentro ( aponta para o coração).

O depoimento indica uma necessidade de transformação interior na pessoa, uma espécie de revisão de seus valores, uma revisão ética e estética que desencadeie uma nova forma de se relacionar com o mundo e nós mesmos.

A dimensão estética

A dimensão estética é uma das dimensões que está mais presente nos depoimentos e se revela principalmente a partir da concepção preservacionista do meio ambiente. Essa concepção de valorização do mundo natural selvagem provocou um sentimento estético e moral de idealização da natureza como uma reserva de bem, beleza e verdade (CARVALHO, 2000).Esse sentido estético e moral foi muito positivo para o desencadeamento de um debate sobre os padrões de vida nas cidades e apropriação utilitária dos recursos naturais.

No entanto, esse sentimento estético, do belo, do intocado, do bem, do prazer, apesar de positivo, ainda é um sentimento de fora para dentro, imposto pela sociedade moderna. Passos e Sato (2002, p. 17) nos dizem que a “[...] a sociedade moderna vive a estética totalizadamente e separada de outras dimensões da existência – como poucas viveram antes”.

Acredito que esse sentimento preservacionista, vindo de fora para dentro acabou por produzir algumas visões reduzidas sobre a questão ambiental. Uma delas é que meio ambiente é sinônimo de natureza. Esse valor estético do “mito da natureza intocada” se traduziu nas imagens criadas em nosso imaginário, na qual vemos o meio ambiente na forma de natureza, uma natureza que está fora de nós, como indica o depoimento:

Pedro: Eu acho que o que acontece com a gente em relação ao meio ambiente é meio automático, é uma questão de imagem. O que é meio ambiente? Na hora, eu duvido que alguém aqui não pensou senso comum, meio ambiente é natureza: árvore, peixe, cavalo, rio, entendeu? é a imagem que temos (grifo meu).

Assim, ocorre uma manipulação do nosso pensar, do nosso sentir, das nossas emoções provocando discursos que não são nossos, que não sentimos realmente. Por isso, muitas vezes agimos de forma diferente daquilo que dizemos.

Passos e Sato (2002, p. 16) consideram que a estética é abordada, em nossa sociedade, a partir de dois paradigmas antinômicos: “[...] um que privilegia o mundo como natureza ativa relegando ao sujeito um papel meramente contemplativo; o outro que distingue o sujeito como agente interventor e criador da cultura, deixando à natureza a condição de objeto passivo”.

Essas duas possibilidades conectam-se, a meu ver, diretamente com duas das concepções da dimensão ética que passo a discutir a seguir: a primeira, a ética biocêntrica, na qual a natureza possui valor intrínseco; e a segunda a ética antropocêntrica, que exalta o ser humano colocando a natureza em segundo plano, como objeto.

A dimensão ética

A dimensão ética da educação ambiental se relaciona diretamente com os tipos de ética que nos cercam na atualidade e na interpretação da melhor maneira de se tratar a natureza.

A ecologia profunda, por exemplo, é uma teoria que faz duras críticas ao antropocentrismo (ética antropocêntrica), porque este exalta as qualidades do ser humano em detrimento da natureza, atribuindo-lhe um valor exclusivamente instrumental nas mãos do ser humano. A ecologia profunda defende a tese inversa e exalta a natureza, reduzindo o humano a um simples elemento entre todos os outros habitantes do universo. Seu ponto de partida é o valor intrínseco da natureza e o estabelecimento de uma nova ética do meio ambiente a respeito da ligação pessoa/planeta. Assim, a ecologia profunda representa o ponto de partida para uma transformação do ser humano em mudar seu comportamento em face à natureza e à desconstrução das éticas modernas que exaltam o sujeito e desprezam a natureza (LANDIM, 2001).

Para além da ecologia profunda, não podemos esquecer que, juntamente com esse valor intrínseco da natureza, é preciso incorporar o amar e o respeitar (MATURANA, 1998) como uma extensão da ética, elementos indispensáveis à luta pela existência de toda a comunidade da vida. Uma ética na qual o ser humano está incluído como parte da natureza e não como seu dominador. Uma ética que valorize cada ser e todo o conjunto de modo a estabelecer uma convivência do respeito e do amor entre todos os seres vivos do planeta.

Assim, é preciso incorporar uma nova ética que se situa entre a ética antropocêntrica e a ética biocêntrica defendida pela ecologia profunda. Afinal, o ser humano é o único ser da natureza dotado de autoconsciência (MAY, 1979), portanto não pode ser simplesmente e totalmente compreendido como todos os outros seres vivos devido à sua complexidade. A autoconsciência é uma característica singular dos seres humanos, que possuem a capacidade de ver-se do exterior, de se rever e rever seus atos e comportamentos, podendo, assim, modificar suas atitudes.

Tendo como base as discussões no grupo de aprendizagem, podemos captar, a partir das falas, como essas éticas se apresentaram no grupo.

A ética antropocêntrica se manifestou no grupo a partir de falas como estas:

Joana: Não tem como isolar a ação do ser humano enquanto ser superior que domina a natureza!

Hellen: A educação ambiental seria ensinamentos de como utilizar os recursos naturais de forma racional para que eles não venham a faltar depois.

Nesses depoimentos, pode-se ver a expressão de valores utilitaristas do meio ambiente a partir da dominação do ser humano pela natureza. A natureza revela-se, então, como um recurso, um objeto a ser dominado e explorado de forma racional.

Já os depoimentos a seguir estão relacionados com o estabelecimento de uma ética baseada na ecologia profunda, na qual o ser humano é tratado como mais um ser vivo presente na natureza:

Rafaela: Não dá para você dizer que a natureza vive só. O homem é um animal como um macaco, como um pássaro que faz parte de uma cadeia alimentar.

Já o depoimento abaixo extrapola a ética proferida pela ecologia profunda e incorpora a questão do respeito como elemento fundamental para o desenvolvimento de uma ética das relações fundadas no amor e no respeito:

Joana: Para mim, a educação ambiental passa por respeito o meio ambiente, e ao outro. Temos que respeitar as diferenças.

Nesse ponto, Daniel se posiciona e fala:

Daniel: Se existem problemas, eles devem ser resolvidos e eles podem ser resolvidos por nós. Eu sei que é difícil ir contra o capitalismo, contra os interesses dominantes.

Ao se expressar, Daniel mostra uma mobilização do seu “eu” em estar chamando o grupo para fazer algo em prol do outro, uma dimensão do “eu” que indica um poder pessoal que existe dentro de cada um, que o move e o anima.

A dimensão do eu

A dimensão do “eu” se situa na fronteira entre a dimensão social, baseada no individualismo, que se encontra na ponta da dimensão educativa e a dimensão significativa, baseada nas relações, no coletivo, no movimento, na fluidez.

Não pretendo discutir sobre um “eu” psicológico, o self, mas um “eu” que surge nas relações imediatas com o outro. Um “eu” que surge no sentimento de mobilização pessoal num movimento de mudança interior, como se evidencia nos seguintes depoimentos:

Ana:Se a gente não pensar na possibilidade de uma mudança de futuro, então se hoje a atitude que a gente colocou aqui foram concepções, visões que a gente foi internalizando de uma forma ou de outra. Isso pode mudar? A visão que temos do homem pode mudar?

Joana: É, cada um pode dar mísera parte [...]. Por exemplo: o copo descartável. Eu decidi que não vou usar. Eu não vou impor isso a ninguém. Não que vá resolver os problemas, mas já é alguma coisa.

Todos esses depoimentos evidenciam um tipo de disposição, de mobilização pessoal para a mudança. Mesmo que essa mobilização ainda seja parcial, muitas vezes individual, ela se manifesta num movimento, num desejo de mudanças em busca de ações concretas para a resolução de problemas.

Isso é um indicativo de uma nova fase, de uma nova maneira de se ver e ver o outro. Uma mobilização interior, que desencadeia a aprendizagem significativa.

A DIMENSÃO SIGNIFICATIVA

A dimensão significativa diz respeito às aprendizagens significativas produzidas no contexto investigado. A aprendizagem significativa é uma aprendizagem plena de sentido para a pessoa. Uma aprendizagem que se constitui na união entre o cognitivo e o afetivo, na convivência livre entre os/as participantes, à medida que estes/as se sentem respeitados/as e aceitos/as como pessoa. E essa união promove no indivíduo mudanças no seu “eu” na busca de seus objetivos de vida e revisão de seus comportamentos e atitudes. Ocorre uma mudança na percepção de si e do mundo que facilita a emersão da pessoa plena.

A dimensão humana

Nessa dimensão, as pessoas se vêem como humanos, e não como indivíduo, mas como pertencendo a uma teia de relações na qual o seu “eu” interior percebe que precisa do outro, como mostra o depoimento:

Marcos: Eu achei que foi bom. Eu cresci muito. Eu acho que estes momentos não podem acabar no dia tal, quando acabar o curso. Seria interessante se a gente pudesse estar se encontrando depois que terminar para discutir mais. Meu objetivo é estar aprendendo um pouco mais sobre educação ambiental por ter decidido ser um educador.

Ocorre para ele, uma ressignificação do que é ser educador. E isso tudo tem a ver com o fato de “ter decidido ser um educador”, de querer estar aprofundando seus estudos nessa área.

Rogers (1972) nos diz que, quando o aluno escolhe suas próprias direções e decide quanto ao curso de ação a seguir, sua aprendizagem significativa aumenta ao máximo pelo fato de estar participando responsavelmente de seu processo.

Além disso, a aprendizagem significativa verifica-se quando o estudante percebe que o assunto do estudo se relaciona com seus próprios objetivos de vida, com aquilo que ele deseja para si.

Rogers (1972, p. 154) diz que a aprendizagem significativa está relacionada também com a rapidez com a pessoa aprende. “Quando uma pessoa tem algum objetivo a alcançar e vê que dispõe de um material relevante à obtenção do que quer, a aprendizagem se faz com grande rapidez”. E isso pode ser evidenciado neste depoimento:

Ana: [...] eu acho que tudo foi tão rápido, a gente aprendeu tudo tão rápido, a gente usou o tempo de forma tão produtiva que eu acho até que sobrou tempo.

A aprendizagem significativa promove na pessoa uma nova percepção do tempo, pois libera tempo mudando a relação da pessoa com o mundo, tornando-a mais próxima. E isso acontece com grande rapidez, porque a pessoa passa a confiar mais nela e nos seus objetivos.

As percepções com relação à educação ambiental também mudaram, como mostra o seguinte depoimento:

Marcos: Eu vi que não existe fórmula pronta para se fazer educação ambiental. Existem ingredientes e o modo de fazer cada um faz, porque as pessoas são diferentes. Dependendo do lugar que você for fazer, vai ser diferente.

Nesse depoimento, o aluno demostra forte compreensão sobre a metodologia da educação ambiental, como algo em constante mutação, que contém princípios “ingredientes” e que, para sua efetivação, é necessária certa dose de criatividade “o modo de fazer cada um faz”. Além disso, reforça que “As pessoas são diferentes” e, como decorrência disso, a educação ambiental vai ser feita de maneira diferente, de acordo com o lugar, ou seja, de acordo com cada cultura.

Assim sendo, esse aluno rompe com a estrutura cristalizada de que as ações em educação ambiental devam ser feitas todas de maneira igual, homogênea, para com todos os tipos de pessoas. E esse aluno compreende que o/a professor/a deve incorporar diferentes saberes docentes para estar lidando com diferentes pessoas.

Essa dimensão humana, na qual nos vemos como pessoas e que temos a capacidade de nos vermos do exterior e mudar nossos comportamentos nos faz querer partilhar isso com o outro, trocar experiências significativas e nos abrir ao nosso experenciar e ao experenciar do outro, trocando e aprendendo significativamente.

A dimensão da partilha[2]

Na dimensão da partilha, as pessoas compartilham suas experiências, vivências e aprendizagem em grupo. É um momento de partilhar suas aprendizagens na convivência em grupo e de observar como o grupo as ajudou na promoção de ações em outros ambientes sociais e como isso repercutiu em suas vidas:

Silvia: Eu cheguei aqui desacreditada da educação ambiental e vi que é possível fazer. Eu, como professora, posso dizer isso. Eu fui dar uma aula sobre o que é meio ambiente para meus alunos. Eu comecei a conversar com eles, a ouvir eles. De repente a gente construiu juntos o conceito. Não fui eu que dei a aula! Foi ali, na prática, na hora.

Rogers (1972, p. 157) diz que “[...] é por meio de atos que se adquire a aprendizagem mais significativa”. Ele nos fala que um dos meios mais eficazes de promover a aprendizagem é quando o estudante se encontra em confronto experiencial direto com problemas práticos.

O depoimento a seguir reforça a aprendizagem auto-iniciada:

Joana: As coisas que eu aprendi aqui estão acontecendo na minha vida. É espontâneo. Ninguém me falou o que fazer, ou me deu algo para ler ou me mandou fazer. As coisas estão acontecendo automaticamente e eu nem tenho noção direito.

A aprendizagem auto-iniciada, ou seja, aquela que envolve toda a pessoa, é a mais durável e impregnante, segundo Rogers. É uma aprendizagem que deixa a pessoa se envolver, totalmente, por si mesma. Ela sabe que está fazendo sua própria aprendizagem e tem liberdade para decidir sobre o que quer.

Outro depoimento que evidencia a dimensão da partilha é este:

Joana: Quando chega um professor com uma proposta diferente, uma proposta de feedback,, a primeira coisa que o aluno faz é criticar. Ele não chega nem a pensar: ‘Será que isso vai ser bom para mim?. Se a gente não acostumar a procurar novos horizontes, o modelo educacional vai continuar o mesmo.

Nesse depoimento, a estudante questiona o grupo sobre o tipo de professor e de modelo educacional que queremos para nós, quando diz: “[...] quando chega um professor com uma proposta diferente a primeira coisa que o aluno faz é criticar. Ele não chega nem a pensar: será que isso vai ser bom para mim? Dessa forma, a aluna partilha com o grupo a importância de se estar aberto a novos horizontes, a novos modelos, não baseados em verdades preestabelecidas, mas na busca por ressignificar suas práticas educativas num movimento inovador e estimulante. E é esse movimento inovador e estimulante que compõe a dimensão da fluidez.

A dimensão da fluidez

A dimensão da fluidez é caracterizada por um movimento profundo na pessoa. É quando ocorre uma ressignificação mais profunda no seu modo de ser. O depoimento abaixo revela um movimento de fluidez:

Alex: Às vezes eu fico pensando se eu mudei ou não. Às vezes eu ainda me pego jogando papel no chão. E quando vejo… Sei lá! É esquisito!

O depoimento mostra que, para esse aluno, o seu comportamento já não está mais congruente com sua nova ética. Quando ele se pega jogando lixo no chão, é como se o seu sistema de alarme disparasse, avisando que esse comportamento está contrário ao que ele acredita agora, ou seja, ocorreu no seu interior uma ressignificação de sua antiga ética.

Rogers (1972) nos diz que a autocrítica e a auto-apreciação são aprendizagens e, quando a pessoa se sente livre para expressar seus sentimento, isso indica que ela se aceita e, ao se aceitar, ela repensa seus comportamentos pensando em mudanças.

A educação ambiental foi percebida como uma educação para a vida, uma educação permanente, na qual a pessoa, pelo seu exemplo de vida, vai estar contribuindo para que as outras pessoas possam aprender com ela na convivência, como mostra o depoimento:

Joana: Não devemos pensar em fazer educação ambiental só na sala de aula, mas também na vida. No seu exemplo de vida, você vai estar contribuindo mais. A educação ambiental deve acontecer espontaneamente. Tem que fazer a pessoa desabrochar.

Assim, a aluna evidencia seu movimento de fluidez, ao demostrar para o grupo que ela está agindo de maneira congruente com seu ideal de vida.

A dimensão da fluidez também pode ser vista a partir do diálogo abaixo:

Gisele: Eu não anotei nada aqui, mas eu sei o que eu aprendi, eu não sei mensurar.

Cintia: É porque a gente construiu. A gente tá acostumado a receber pronto e agora é diferente. A gente construiu junto esse conhecimento São pequenos detalhes que a gente pode estar passando: atitudes, valores como união, respeito, etc.

Nesses depoimentos, Gisele nos diz que, apesar de não ter anotado nada, ela aprendeu com o grupo conteúdos que ela não sabe mensurar, medir e, com base nisso, Cíntia fornece a ela um feedback dizendo que a dificuldade em medir o que se aprendeu se deve ao fato de que os conhecimentos adquiridos foram uma construção do grupo de aprendizagem e que talvez não consigamos dizer de imediato quais são eles, porque estamos muito acostumados a recebê-los prontos. Demostra, assim, o que ela própria aprendeu: valores que foram aprendidos a partir da vivência em grupo, por exemplo, o respeito e a união.

Para concluir as dimensões, pergunto: o que é ser educado ambientalmente? O que o grupo de aprendizagem considera como uma educação ambiental?

Alex: Esta questão da educação ambiental é subjetiva, pois temos que ver como ela está sendo construída. O nosso papel é pelo menos se enquadrar e se colocar em xeque, porque o tempo todo a gente discutiu sobre a razão, a emoção, a diversidade, a ação, a sensibilização, a conscientização. Como pode uma pessoa sensibilizar a consciência da outra? É preciso a ação, porque senão o esforço se perde e se vai. E eu saio daqui e faço tudo diferente lá fora. A gente tem que primeiro se educar para depois fazer algo para alguém.

O depoimento evidencia que o que se quer é uma educação que promova uma nova visão em relação ao meio ambiente, uma visão diferente da que se tem atualmente, uma educação transformadora, como diz Alex:

Alex. Eu acredito na educação enquanto transformação.

O que se pede é uma transformação. Mas, que tipo de transformação? Uma transformação ressignificada dos valores da educação ambiental. E essa ressignificação pode ser feita em um processo grupal, pois este promove o humano, a pessoa, a fluidez, como afirmaram Joana e Alex:

Joana: A educação ambiental é um processo que vai sendo aplicado e vai envolver tudo que a gente falou aí: conservação, preservação, sensibilização, conscientização, diversidade, respeito e etc. Ela vai provocar na pessoa uma mudança de atitude, no modo de pensar. Ela não é uma coisa imediata.

Alex: Eu acho que não tem como ensinar educação ambiental. Não é assim. É uma transformação na pessoa.

Assim, o processo perpassa a dimensão significativa como algo em movimento, como uma transformação na qual a educação ambiental é vista como processo permanente e não imediato, não podendo ser algo ensinado, mas vivenciado, que implica uma mudança no modo de pensar e se relacionar com o mundo.

Nessa dimensão, as mudanças são percebidas como mais duradouras na pessoa, como indicam as falas:

Alex: Acredito que todas as pessoas que conheci aqui vão levar uma recordação pessoal de cada um, por todas as nossas vidas, né?

Pedro: O grupo abriu portas, novas formas de pensar e se relacionar com o outro. E isso é importante não só para a educação ambiental mas para tudo nesta vida.

Érica: O grupo trouxe para mim toda uma perspectiva de mudança, além de me fazer enxergar o quanto eu posso contribuir para um mundo um pouquinho melhor, parece ‘piegas’ mas é o que eu estou sentindo agora.

O processo grupal foi percebido como tendo sido uma experiência valiosa e significativa para o grupo de aprendizagem, como algo que os participantes levaram para suas vidas na forma de uma nova maneira de pensar e se relacionar com o outro, importante não só para a prática da educação ambiental mas para tudo na vida.

Os relatos indicam uma modificação no ser pessoa dos participantes, uma disposição para mudanças em suas práticas cotidianas e ressignificação de suas vidas.

Ao estimular a participação dos educandos, num clima de liberdade, os processos grupais valorizam o saber do aluno, fazendo-o sentir mais respeitado. Gradativamente, o aluno vai se deslocando de uma posição de passividade e vai se orientando para uma situação de atividade, participação e responsabilidade com seu processo de aprendizagem. Vivenciando esse processo, estes aprendizes se tornam potenciais educadores ambientais, disseminando os princípios e práticas da educação ambiental num movimento essencial para o desenvolvimento de uma sustentabilidade pessoal, social e ambiental.

Referências Bibliográficas

AMATUZZI, M.M. Por uma psicologia humana. Campina, SP: Alínea, 2001.

BRUNDTLAND,G.H. et al. Nosso futuro comum: comissão mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas,  1991.

COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA. Cadernos de ética em pesquisa. Ano I. Número 1. 1998.

CARVALHO, I A questão ambiental e a emergência de um campo de ação político-pedagógica. In: LOUREIRO, C.F.B.; LAYRARGUES, P.P.; CASTRO,R.S. (Org.). Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2000. p. 53-65.

DIAS, G.F. Educação ambiental: princípios e práticas. 7 ed. São Paulo: Gaia, 2001.

DIEGUES, A .C. O mito da natureza intocada. In: VIOLA, E.; FERREIRA, L.C. (Org.). Incertezas da sustentabilidade na globalização. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996.

EDUCAÇÃO PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL: UMA VISÃO TRANSDISCIPLINAR PARA AÇÕES COMPARTILHADAS. Conferência internacional sobre meio ambiente e sociedade: educação e conscientização pública para a sustentabilidade. UNESCO – Brasília: ED. IBAMA, 1999.

LAYRARGUES,P.P. Educação para a gestão ambiental: a cidadania no enfrentamento político

dos conflitos socioambientais. In: LOUREIRO;C.F.B.;LAYRARGUES,P.P.;CASTRO, R.S. (Orgs) Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2000.

KINGET, G. M. O método não-diretivo. In: ROGERS, C.R. & KINGET, G.M. (Orgs). Psicoterapia & relações humanas: terapia e prática da terapia não-diretiva. 2 ed. Belo Horizonte, MG: Interlivros, 1977.V. 1.

JACOBI, P. Meio ambiente e educação para a cidadania: o que está em jogo nas grandes cidades? In: SANTOS, J.E.; SATO, M. A contribuição da educação ambiental: a esperança de Pandora. Ed. Rima, 2001. p. 423-437.

LANDIM, M.L.P.F. Ética e natureza: no pensamento de Bergson. Rio de Janeiro: UAPÊ, 2001.

[1] Kinget (1977) escreveu sobre o método não diretivo criado por Rogers. Segundo ela, no início dos seus trabalhos Rogers denominou seu método de não diretivo, posteriormente o chamou de Abordagem Centrada na Pessoa. Rogers percebeu que as pessoas estavam utilizando seu método simplesmente como um método, não se envolviam e não eram autênticos com seus pacientes ou alunos. O método não diretivo não deve ser confundido como um laissez faire, ou seja, uma postura de indiferença do facilitador/a com relação ao grupo de aprendizagem, mas sim como uma abstração de juízos de valor do facilitador/a em relação as pessoas do grupo. Não a ausência da função de julgar (…) a abstenção de que aqui se trata é relativa à qualidade- verdadeira ou falsa, boa ou má, louvável ou condenável, realista ou ilusória daquilo que a pessoa narra.

[2] A palavra partilha utilizada aqui não se relaciona com a concepção religiosa da palavra na qual essa é muito utilizada, mas como uma idéia de compartilhar experiências significativas vividas em determinado contexto.

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