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As contribuições de Carl Rogers e Paulo Freire para a educação: o caso de um pré-vestibular comunitário

Fernanda Fochi Nogueira Insfrán

* Artigo integrante da Dissertação de Mestrado “Bem Estar Subjetivo e Locus de Controle em Estudantes de um Pré-Vestibular Comunitário: Contribuições da Psicologia Humanista e da Pedagogia Progressista”. Defendida em Dezembro de 2004 no Instituto de Psicologia da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ.

Introdução

Investigando os problemas da educação brasileira, desenvolvi alguns estudos sobre fracasso escolar, indicadores educacionais e sociais, formação dos docentes e motivação docente e discente (Insfrán, 2001, 2003). A vasta literatura pesquisada, não me trouxe respostas conclusivas e definitivas sobre “os culpados” da atual situação educacional brasileira, porém para alguns autores como Patto (1999) e Lelis (1989), o problema crônico da educação brasileira está assentado na insuficiência de verbas e, principalmente, na sua malversação.

Assim, buscando uma forma de contribuir com a melhoria da qualidade do ensino brasileiro, venho desenvolvendo um trabalho inovador em educação comunitária. Junto a uma equipe de vinte e cinco voluntários, entre professores, coordenadores e colaboradores, está sendo desenvolvido um curso pré-vestibular comunitário na cidade de Araruama, Estado do Rio de Janeiro. O projeto inicial para o curso foi desenvolvido em novembro de 2002, quando começamos a organizá-lo. As atividades do curso só iniciaram-se em março de 2003, e nesse intervalo de tempo, convocamos professores voluntários, buscamos um espaço emprestado e organizamos o cronograma de execução das atividades.

O objetivo imediato deste curso é aprovar seus participantes – todos estudantes oriundos de escolas públicas da região – nos exames vestibulares das universidades públicas do Estado. Como objetivo mediato, tentamos desenvolver uma aprendizagem mais crítica e reflexiva, através da conscientização e responsabilização dos alunos enquanto sujeitos do processo de ensino-aprendizagem (Rogers, 1972, 1985; Freire, 2000). Daí a inovação anunciada, pois as práticas desenvolvidas promovem melhora da auto-estima dos alunos e, conseqüentemente, maior perseverança na busca dos objetivos, levando-os à autonomia no saber, nunca antes estimulada pelas abordagens tradicionais e tecnicistas, dominantes no ensino público brasileiro.

A partir desse trabalho, foi desenvolvido o presente artigo, que é baseado na pesquisa realizada durante o mestrado da autora, que buscou verificar a eficácia do curso comunitário em alcançar esses objetivos mediatos e imediatos, citados anteriormente. Para isso, a pesquisa baseou-se em conceitos da psicologia positiva, principalmente a Teoria do Bem-Estar Subjetivo (Diener, 1984; Pereira, 1997), e no constructo internalidade/externalidade de Locus de Controle (Dela Coleta, 1987; Romero-Garcia, 1985), para corroborar as seguintes hipóteses:

a.      Existe correlação positiva entre internalidade de Locus de Controle e rendimento escolar, como foi demonstrado por alguns estudos, como, por exemplo, Battle e Rotter, 1963 3; Crandall et al., 1962 3; Romero-García, 1980 [1].

b.      Os alunos que demonstrarem maior internalidade serão aqueles que alcançarão a meta de aprovação no vestibular e, conseqüentemente, a auto-avaliação do Bem-Estar Subjetivo e qualidade de vida destes será melhor.

Dessa forma, a pesquisa foi desenvolvida em três fases: na primeira e terceira fases, os participantes – todos alunos do pré-vestibular comunitário – responderam a questionários e escalas de satisfação e felicidade (SWB e PANAS)[2] e de Locus de Controle de Levenson (adaptada por Dela Coleta, 1987). A segunda fase correspondeu a todo o trabalho realizado durante os dez meses de atuação do curso em 2003, já que foram consideradas como intervenção, todas as atividades desenvolvidas no Pólo Educacional e Cultural Comunitário de Araruama (PECCA). Assim, a primeira e terceira fases serviram como avaliação diagnóstica e de resultado, respectivamente, sobre o trabalho que foi desenvolvido no período de 10/03/2003 a 5/12/2003, com os alunos do PECCA.

É importante ressaltar que, neste artigo, será apresentada apenas a segunda fase da pesquisa, ou seja, toda a prática da equipe de professores e coordenadores do pré-vestibular, que estava fundamentada, principalmente, na psicologia humanista de Rogers (1972, 1985), aliada a conceitos da pedagogia progressista libertadora de Paulo Freire (2000).

1. Algumas Tendências Pedagógicas

Neste capítulo será discutido, brevemente, as contribuições de Carl Rogers (1972; 1985) e Paulo Freire (2000) para a educação, contrapondo-as à tendência pedagógica tecnicista, baseada na psicologia behaviorista, que ainda hoje é utilizada como prática de ensino em todos os níveis de escolarização.

1.1 Liberal Tecnicista X  Liberal Não-Diretiva

Luckesi (1994) mostra que a pedagogia liberal tecnicista tem como principal objetivo preparar recursos humanos para o mercado de trabalho. Ainda segundo Luckesi (1994), inspirada na psicologia behaviorista de Skinner e em autores como Gagné, Bloon e Mager, a pedagogia tecnicista atua no aperfeiçoamento da ordem social vigente, articulando-se com o sistema produtivo. É conteúdo útil à aprendizagem apenas o redutível ao conhecimento observável e mensurável. Elimina-se a subjetividade.

Os métodos empregados vão da instrução programada e moldes sistêmicos, ao controle das condições ambientais que assegurarão a transmissão/ recepção de informações. A relação professor-aluno é técnica, onde o aluno é responsivo e condicionado. A aprendizagem é vista como mudança de comportamento, no mecanismo de estímulo e resposta behaviorista. Utiliza-se de punição, reforço e condicionamento. A avaliação é via provas escritas, que verificam o que o aluno aprendeu do conteúdo passado.

No Brasil, esta tendência foi utilizada nas escolas públicas brasileiras a partir do final da década de 1960. Segundo Luckesi (1994), serviu a objetivos políticos durante a ditadura militar brasileira.

A pedagogia liberal não-diretiva tem como principal expoente, o psicólogo norte-americano Carl Rogers. Além de desenvolver a vergente humanista da psicologia, com a terapia centrada na pessoa, Rogers criou conceitos sobre a autonomia na educação, que vemos nos livros “Liberdade para Aprender” (1972) e “Liberdade para Aprender em nossa década” (1985).

Segundo Rogers (1985), “(…) O único homem instruído é aquele que aprendeu como aprender, como se adaptar à mudança; o que se deu conta de que nenhum conhecimento é garantido, mas que apenas o processo de procurar o conhecimento fornece base para a segurança” (p.65).

Assim, Rogers (1985) recomenda mudar o foco do ensino para a facilitação da aprendizagem, ou seja, não se preocupar tanto com as coisas que o aluno deve aprender ou com aquilo que vai se ensinado, mas sim com o como, porque e quando aprendem os alunos, como se vive e se sente a aprendizagem, e quais as suas conseqüências sobre a vida do aluno.

Dessa forma, um sistema baseado no ensino centrado no aluno, numa abordagem não-diretiva, Rogers fala de aprendizagem como algo experiencial, que ocorre na experiência vivenciada, envolvendo emoções. A essa aprendizagem, Rogers dá o nome de aprendizagem significativa, pois é auto-iniciada, avaliada pelo aprendiz e sua essência é a significação. Ele a diferencia da aprendizagem teórica[3], onde o aprendiz é instruído a fazer ou assimilar algo sem maior compreensão (Rogers, 1972).

Daí o sentido da expressão não-diretiva, pois o papel do professor é o de facilitador, não havendo intervenção, porque esta é inibidora da aprendizagem. O professor deve ajudar o aluno a se organizar, visando facilitar aos alunos os meios de buscarem o conhecimento por si mesmos.

Neste sentido, Rogers (1985, p.125-132) mostra o que um professor que se propõe a ser facilitador da aprendizagem significativa deverá considerar:

-         liberdade para a curiosidade do aluno, permitindo que este se remeta a novas direções ditadas pelos seus próprios interesses e abrindo tudo ao questionamento e à exploração;

-         como qualidades que facilitam a aprendizagem, talvez a mais básica seja a atitude de autenticidade do facilitador. O professor sendo ele mesmo com os alunos, tendo uma atitude honesta e real quanto ao que sente e pensa em relação àquilo que é produzido pelos alunos, a probabilidade de obter sucesso é maior;

-         que o facilitador deve ter apreço, aceitação e confiança com relação ao aluno, suas opiniões e seus sentimentos. Isso faz com que o aluno sinta-se importante, um indivíduo diferenciado e não apenas mais um; e

-         a compreensão empática, que significa colocar-se na posição do aluno para compreender suas reações frente àquilo que lhe é apresentado no processo de aprendizagem.

Como métodos de trabalho, indicados por Rogers (1985, p.155-168), temos alguns abaixo:

-         trabalhar problemas significativos para os alunos;

-         colocar a disposição do aluno, os recursos relevantes a suas necessidades de aprendizagem: livros, artigos, revistas, espaço físico para trabalhar, laboratório, vídeos, músicas, mapas, palestras, pesquisas etc;

-         fazer contratos com os estudantes, nos quais estes estabeleçam seus objetivos e seus planos. Isto os ajuda a estabelecer metas que orientem o caminho a percorrer, e são úteis para solucionar dúvidas, reduzindo a insegurança do aluno;

-         inserção e envolvimento dos alunos com a vida e os problemas da comunidade;

-         incentivo à troca de experiência entre pares, onde eles possam se alternar no papel de facilitar a aprendizagem do outro. Permitir que os alunos escolham se querem trabalhar por sua conta, de forma auto-dirigida, ou pelo método convencional;

-         incentivar atividades de pesquisa, dando aos alunos orientações sobre métodos e técnicas de investigação;

-         eventualmente a instrução programada pode ser utilizada como ferramenta para aquisição de informações tais como: operar microscópio, introdução à estatística etc.;

-         os grupos de encontro (T-Group) se constituem em um recurso que, se bem utilizado, serve para reduzir defesas e ambições que dificultam a comunicação e a expressão entre os alunos; e

-         utilizar a auto-avaliação, que se constitui em um dos meios para tornar a aprendizagem auto-iniciada também uma aprendizagem responsável. O facilitador e os alunos chegam a um acordo sobre as maneiras de cada um se avaliar, incluindo critérios a serem seguidos, percepção de pontos fortes e fracos etc.

Infelizmente, no Brasil, sabe-se que poucas escolas particulares adotam esta tendência. Os mais influenciados foram os psicólogos e orientadores educacionais, segundo Luckesi (1994).

1.2  Paulo Freire e a pedagogia libertadora

A “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire (a 1a. edição publicada em 1970), nasce em meio aos duros anos de ditadura militar brasileira, durante a qual o próprio autor foi preso e exilado. Um dos primeiros a desenvolver técnicas de alfabetização de adultos, seu nome tem prestígio internacional na pedagogia.

Paulo Freire foi o primeiro a aplicar as palavras conscientização e conscientizar no campo da pedagogia. Segundo Freire, havia um “medo da liberdade”, medo de que a conscientização das massas, as levassem a um “fanatismo destrutivo” ou a uma “sensação de desmoronamento total do mundo em que estavam esses homens” (Freire, 2000). Para ele, a conscientização possibilita ao sujeito inserir-se no processo histórico, inscrevendo-o na busca de sua afirmação. E é a partir dessa conscientização que se daria a educação realmente libertadora, pois “a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais (…) que são componentes reais de uma situação de opressão” (Freire, 2000, p.24).

Assim, Freire desenvolveu uma pedagogia anti-autoritarismo, de atuação não-formal, onde aluno e professor devem atuar num sentido de mudança da realidade social. Uma educação crítica e problematizadora, que trabalha com “temas geradores” da prática dos alunos e conteúdos advindos dos próprios alunos.

Freire vai criticar as pedagogias tradicional e tecnicista, usando a expressão “educação bancária”, na qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos. Nesta concepção de educação, a criticidade dos educandos é desestimulada e estes se tornam sujeitos passivos na aprendizagem, o que satisfaz, segundo Freire, os interesses dos opressores.

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação (…) não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo. (…) Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa (Freire, 2000, p.67 e 70).

Segundo Luckesi (1994), a pedagogia libertadora exerceu influência nos movimentos populares e sindicais no Brasil e ainda influencia muitos professores, tanto na rede pública quanto privada, mas principalmente na educação de jovens e adultos (EJA). Daí o motivo pelo qual, a concepção de Freire exerça tanta influência sobre o trabalho desenvolvido no PECCA, com adolescentes e adultos, conforme será relatado em capitulo posterior.

1.3 E por que não adotamos Rogers e Freire em nossas Escolas?

Em seu livro “Liberdade para Aprender”, de 1972, Rogers questiona por que a aprendizagem significativa não é adotada pela educação em substituição ao sistema “auto-frustrador de ensino”. Segundo ele, é porque não se conhecem alternativas exeqüíveis. Mesmo escolas e segmentos que pretendem tornar o ensino baseado na aprendizagem significativa, se vêem “presos” aos métodos de avaliação tradicionais.

Se os estudantes não forem treinados a lidar com métodos tradicionais, terão dificuldades em serem aprovados em vestibulares e concursos, que ainda utilizam os métodos da avaliação somativa. Portanto, não podemos pensar em mudar o sistema de aprendizagem sem mudar os métodos de avaliação e seleção do sistema como um todo.

Percebemos nitidamente, como conseqüência da aprendizagem significativa, auto-iniciada e experiencial, uma formação de aprendizes autoconfiantes. Rogers (1972) mostra, através de três exemplos em três níveis de ensino diferentes, como essa experiência se dá. A experiência relatada por Rogers (1972), de uma professora que desenvolveu a aprendizagem significativa com uma turma de 6a. série se assemelha com a do PECCA, já que o maior problema enfrentado foi o da disciplina, pois os alunos não sabiam como se comportar no ambiente de liberdade estabelecido pela professora. O mesmo ocorreu no PECCA em 2003, conforme será relatado no próximo tópico e no capítulo de resultados.

Já no caso da pedagogia libertadora, o “medo da liberdade”, conforme atesta Freire (2000), medo de que a conscientização leve à anarquia e à desordem, ainda se coloca como empecilho ao desenvolvimento dessa pedagogia problematizadora, e hoje ela está restrita a projetos de educação não-formais.

2. Caso PECCA: Desenvolvendo Autonomia no Saber

2.1 Breve Histórico do PECCA

O principal projeto do PECCA (Pólo Educacional e Cultural Comunitário de Araruama) é o Pré-Vestibular Comunitário, mas desde 2004 temos desenvolvido oficinas de idiomas na ONG, que se constituiu juridicamente em outubro de 2004.

Formado hoje por 25 voluntários, entre professores e colaboradores, a idéia do pré-vestibular surgiu em novembro de 2002, quando se iniciou a formação do grupo de voluntários que levariam a frente o projeto. Nosso objetivo era montar um pólo de educação e cultura na cidade de Araruama, para atender a população de baixa renda oriunda das escolas públicas estaduais e municipais da cidade e de municípios vizinhos. Procuramos as entidades públicas executivas a nível municipal e estadual e tivemos apoio negado, sob a justificativa de não haver necessidade de tal serviço na cidade. Não conseguimos sequer um espaço emprestado para a realização das atividades do projeto.

Mas não nos intimidamos com isso, e em janeiro de 2003, nossa equipe já contava com dez professores voluntários e quatro coordenadores, sendo que dez eram professores licenciados (incluindo três dos coordenadores) e quatro eram estudantes universitários.

Começamos a procurar um local para iniciarmos as atividades, sem atrasar o cronograma de aulas que havíamos preparado e para não frustrar os quase 130 inscritos, que seriam selecionados para 80 vagas “virtuais”, já que ainda não tínhamos um espaço. Conseguimos espaço emprestado numa escola infantil da cidade, onde iniciamos nossas atividades, em março de 2003. Neste momento, já tínhamos uma equipe mais completa, com professores para lecionar todas as oito disciplinas pedidas nos exames vestibulares.

Inicialmente, por não termos nenhum tipo de financiamento e nem sequer local fixo para realizar as atividades, optamos por desenvolver apenas o pré-vestibular comunitário. Trabalhávamos em condições precárias no espaço cedido da escola infantil, pois até mesmo as carteiras utilizadas eram para crianças e a iluminação muito fraca para um curso noturno. Em abril de 2003, conseguimos um convênio com a Primeira Igreja Batista de Araruama (PIBA), que nos cedeu três salas de aula para uso de nossas instalações. Recebemos doação de carteiras de um colégio particular da cidade, e de livros de colaboradores. Abrimos mais vinte vagas e chamamos mais alunos da lista de espera, chegando a ter cem alunos matriculados. O entra-e-sai era constante durante os primeiros meses e a evasão ao final do ano foi bastante expressiva, tendo continuado o curso com freqüência irregular – escolhendo as aulas que freqüentariam – apenas quinze alunos, em novembro de 2003.

Até dezembro de 2004, continuamos nas instalações da PIBA, mas nosso contrato venceu e não conseguimos renovação. Em 2005, retomamos as atividades do pré-vestibular em duas salas alugadas, com capacidade para 40 alunos cada. Além disso, oferecemos oficinas de idiomas (inglês e alemão). Porém, neste ano, tivemos que cobrar mensalidade dos alunos – 10% do salário mínimo – para custear os gastos das salas alugadas.

Contrariando o discurso das autoridades públicas, a demanda por cursos como o nosso é grande, já que não existia nenhum outro na cidade de Araruama, nem particular, em 2003. Porém, apesar de todos os anos termos uma grande procura no início do ano, temos também, sempre, uma alta evasão. Conforme veremos no resultado das entrevistas realizadas com os alunos, a base fraca que estes trazem da escola é um dos principais componentes dessa evasão.

2.2  Métodos Pedagógicos baseados em Rogers e Freire

Algumas das estratégicas propostas por estes dois autores, entre outros, foram utilizadas pela equipe de professores do PECCA, com algumas adaptações ao contexto de pré-vestibular comunitário, mas sempre visando desenvolver a autonomia e responsabilização dos alunos no processo ensino-aprendizagem, através da aprendizagem significativa, desenvolvendo o senso crítico e reflexivo.

Conforme visto anteriormente, o método não-diretivo de pedagogia, proposto por Rogers (1972;1985) deixa o aprendiz livre para desenvolver uma aprendizagem significativa sobre o conteúdo que quiser, ou seja, estará livre para se dedicar àquilo que realmente for de seu interesse. No nosso contexto, não é possível desenvolver um método assim, por isso foi proposto o método semi-diretivo, que não utiliza as contribuições de Rogers na íntegra, por ser necessário capacitar o público alvo para avaliações somativas, como os vestibulares e concursos públicos. Logo, estes alunos não poderiam dedicar-se somente ao que lhes é significativo, tendo que apreender todo o conteúdo programático dos exames.

A seguir, uma síntese das atividades desenvolvidas pelo curso pré-vestibular do PECCA, nos períodos letivos de 2003 a 2005, de acordo com as respectivas finalidades destes:

-         Contrato de trabalho entre o curso e os alunos, onde foi exposto os objetivos do curso e qual a responsabilidade dos alunos no processo. Assim, durante a seleção para os anos letivos respectivos, foram feitas reuniões entre a coordenadora e os candidatos à vaga no curso, para que fossem apresentadas essas informações e discutido com eles o papel de cada um no aprendizado que iriam realizar no curso, durante o ano. Explicamos a necessidade de respeitar o regimento interno, para o bom funcionamento do curso e melhor aproveitamento deles. Este foi o primeiro momento em que discutimos a idéia de que os alunos são os sujeitos do conhecimento, que depende do esforço e perseverança de cada um, atingir o objetivo desejado (Rogers, 1985);

-         Foi verificado na avaliação diagnóstica de conhecimentos gerais, realizada durante a seleção de alunos para os respectivos anos letivos de 2003, 2004 e 2005, que os alunos iniciariam o curso, alienados do mundo, por desconhecerem seus direitos e deveres e todo o contexto em que estão inseridos, ou seja, desconhecem os problemas brasileiros e os da própria comunidade. Para reduzir esta alienação, foi realizado um trabalho de conscientização do papel de cada um enquanto cidadão, através de debates, exposição de assuntos sócio-político-econômico-culturais nos chamados Círculos de Leituras. Nesta atividade, trabalhamos assuntos atuais retirados de jornais e revistas e debatemos em sala, visando desenvolver o senso crítico dos alunos (Freire, 2000);

-         Disponibilizamos todo tipo de informação para os alunos, desde livros, artigos, revistas, vídeos, músicas, até palestras sobre profissões e orientação profissional. Assim, além de estarem escolhendo aquilo que mais lhes estimula a estudar, os alunos estariam facilitando a aprendizagem significativa, conforme método proposto por Rogers (1985);

-         Como incentivo à troca de experiências entre pares, desenvolvemos o programa de monitorias, onde o aluno escolhe a matéria que tem maior interesse e passa a receber orientação do professor para acompanhar os colegas na resolução de problemas referentes a tal matéria (Freire, 2000);

-         A instrução programada foi utilizada como ferramenta em alguns conteúdos das matérias de ciências exatas, conforme Rogers (1985) diz ser necessário;

-         Trabalhamos dinâmicas de grupo com objetivo de desenvolver a percepção social do grupo – através da Janela Johari (Fritzen, 1978), a auto-estima e motivação individual (Biaggio, 1977 apud Rodrigues, 1981) e a internalidade de locus de controle, ou seja, maior perseverança (Romero-Garcia, 1985). Além disso, estimulamos a exposição e criticidade dos alunos até mesmo durante aulas expositivas;

-         Oficina de redação, com a utilização de técnicas de dinâmica de grupo com o objetivo de discutir temas do contexto do grupo e após debates sobre os temas, estimular os alunos a escrever, como forma de praticar a redação deles;

-         Realizamos um Ciclo de Palestras sobre Profissões, para o qual convocamos profissionais e estudantes das áreas de interesse dos alunos e também de áreas desconhecidas ou “pouco famosas”. Esta atividade, de grande interesse dos alunos, teve como objetivo informá-los sobre o curso, as possibilidades de pós-graduação na área e em áreas afins, o contexto acadêmico, o mercado de trabalho, as dificuldades e facilidades e o cotidiano da profissão apresentada. Iniciou-se, aí, o processo de desmistificação de alguns cursos e descoberta de outros, que seria fundamental para o trabalho realizado posteriormente, na orientação profissional (Bock, 2002); e

-         Após o ciclo de palestras sobre profissões, iniciamos o trabalho de orientação profissional (OP) no PECCA, em agosto de 2003. A coordenação do projeto ficou sob responsabilidade do psicólogo Fábio Nogueira Pereira. Tínhamos como objetivo, nesta atividade, estimular nos alunos uma escolha consciente e responsável, para que eles aprendessem a pesar todos os fatores preponderantes na escolha e, dessa forma, fizessem a escolha acertada, sabendo que esta não precisaria ser a definitiva (Bock, 2002; Pereira, 2003).

3. Resultados Observados

Depois de três anos de funcionamento do curso e alguns resultados de sucesso _ que serão tratados ainda neste capítulo, são relevantes duas constatações que fizemos:

i)        O ensino médio público, que forma os nossos alunos, é de baixa qualidade, de acordo com avaliação diagnóstica feita no início letivo dos três anos. Os ex-alunos que cursaram o pré-vestibular em 2003 e voltaram ao curso em 2004, foram os que melhores resultados tiveram na avaliação diagnóstica de 2004, o mesmo acontecendo de 2004 para 2005; e

ii)       Alguns alunos têm grande dificuldade de adaptar-se ao método semi-diretivo[4], pois estão acostumados ao ensino mecânico, ao condicionamento e ao reforço, da educação tecnicista ou tradicionalista a que foram submetidos. Quando se percebem num contexto educativo livre, onde são estimulados a participar e expor suas idéias, num primeiro momento sentem-se confusos e despreparados, sem saber como lidar com isso. Conforme relato dos próprios alunos, muitos abandonaram o curso por não entenderem seus objetivos, pois esperavam um modelo conteudista ao qual já estavam habituados.

Todavia, percebemos isso a tempo de modificar determinadas práticas e enfoques. Hoje, trabalhamos num contexto mais direcionado, no início do curso, cobrando mais disciplina e conscientizando-os sobre a responsabilidade deles na própria aprendizagem. Aos poucos e no seu tempo, o aluno vai desenvolvendo sua autonomia e se tornando livre para fazer suas escolhas.

3.1 Avaliação dos alunos sobre o PECCA e sobre si mesmos

A partir deste tópico, iniciamos a análise da entrevista realizada na terceira fase da pesquisa. As perguntas tratavam de questões relacionadas à vida do participante e ao curso. As respostas foram analisadas pelo método de análise de conteúdo, e categorias importantes foram criadas, com respostas em relação à auto-realização e contribuições do curso para a vida deles.

Foram entrevistados[5] 28 ex-alunos do PECCA que cursaram o pré-vestibular no ano letivo de 2003, sendo que estes foram divididos em três grupos, a saber:

1)                       Grupo I: 12 ex-alunos aprovados nos vestibulares públicos e particulares e em concursos públicos;

2)                       Grupo II: três alunos que cursaram o PECCA em 2003 e voltaram a freqüentar o curso em 2004;

3)                       Grupo III: 13 alunos que evadiram do curso antes do término em 5/12/2003.

Quando questionados sobre “como imagina o seu futuro?”, 15 participantes (53,6% de 28) deram pelo menos uma resposta relacionada à categoria auto-realização. Verificamos que das 10 categorias criadas, seis se referem a algum tipo de auto-realização: casa própria, dinheiro, trabalho, estabilidade, profissão e auto-realização. As respostas dadas a estas categorias somam 69% do total (49 respostas em 71 dadas pelos 28 entrevistados).

Vale evidenciar que as categorias trabalho e profissão diferem entre si, pois em profissão foram consideradas as respostas que faziam referência à carreira, profissão que necessita de estudo. Já em trabalho, foram consideradas as respostas que não faziam referência a uma profissão ou formação superior.

Abaixo, um exemplo de resposta que contempla seis categorias diferentes:

“Quero estar trabalhando, ser independente, ter uma família, uma casa, uma vida estável, boa. Estar em paz com todos” (Bruna, 23 anos, grupo III).

Agora vemos, na tabela 1, as perspectivas de futuro de 28 entrevistados.

Tabela 1: Respostas dadas à pergunta: “Como você imagina o seu futuro?”

(de acordo com as categorias criadas)

Auto-realização: foram aceitas nessa categoria respostas relacionadas à realização profissional e pessoal, independência, esforço próprio, realização de objetivos e cumprimento de metas. Exemplos: “me imagino realizada, alcançando meus objetivos”; “conquistar as coisas por mim mesma”; “evoluir culturalmente”.

15

Profissão: nesta categoria foram alocadas as respostas que se referem à carreira, ou seja, trabalho qualificado que exige estudo. Exemplos: “formada na faculdade”; “estudando, sempre estudando. Não vou parar, quero crescer profissionalmente”; “fazendo várias pesquisas em História, escrevendo livros, dando aula”; “sendo um gestor empresarial”.

12

Família: fazem parte desta categoria respostas referentes a casamento, filhos e família. Exemplos: “ter filhos”; “estar casado, com família”; “um lar feliz, principalmente para minha filha”.

11

Estabilidade[6]: Exemplos: “buscar uma certa ‘estabilidade’ financeira”; “quero uma vida estável”; “vejo com uma situação estável”.

7

Trabalho: diferente da categoria profissão, esta engloba respostas que não contemplam estudo e formação superior. Exemplos: “emprego decente que não trabalhe sábado, nem domingo, nem feriado; bem remunerado”; “ter bom emprego”.

6

Saúde e bem-estar: Exemplos: “estar bem comigo mesma”; “ter saúde para curtir a vida”; “felicidade, não adianta nada ter isso tudo [dinheiro, família] e ser infeliz”; “estar em paz com todos”.

6

Dinheiro: nesta categoria estão as respostas referentes a dinheiro, conquista de bens e boa situação financeira. Exemplos: “desejo ter”; “bem no aspecto financeiro”; “com renda boa”.

5

Casa própria: Exemplos: “conquistar a minha casa, meu espaço”; “ter uma casa que me dê conforto”; “ter uma casinha com cerca branca, perto do mar”.

4

Relações Interpessoais: Exemplos: “conhecer novas pessoas”; “manter boas relações sociais”; “estar bem com as pessoas e com a família, que é a base de tudo”; “poder ajudar as pessoas”.

4

Atividade de Lazer: “Viajar”

1

Quanto às perguntas relacionadas ao curso, as perguntas abordadas aqui compuseram a entrevista dos três grupos. Porém, para o grupo II, foi perguntado o porquê de terem se matriculado novamente no PECCA.

A primeira pergunta buscava saber o que o entrevistado considerava positivo e negativo no curso, no geral ou em algum aspecto específico. A segunda pergunta se refere ao aprendizado do aluno, buscando saber de que forma e através de que métodos o curso colaborou para a melhora no aprendizado deles. Esta avaliação, além de trazer dados para a pesquisa, é importante para sabermos se a metodologia utilizada no curso surte resultados e agrada ao público alvo e o que é preciso modificar para os próximos anos.

Assim, na tabela 2, temos os resultados da primeira pergunta:

Tabela 2 : Freqüência de Respostas dadas à pergunta: “Cite ao menos dois aspectos do curso que você considera positivos e dois negativos”.

(de acordo com as categorias criadas)

ASPECTOS POSITIVOS

Professores: boa vontade; disposição; empenho; dedicação; interesse. Exemplos: “a colaboração de voluntários”; “vontade gratuita”; “os professores eram dedicados”.

14

O curso ser comunitário: a iniciativa do curso; a ajuda àqueles que não podem pagar; por ser o primeiro de Araruama; por ser sem fins lucrativos. Exemplos: “a iniciativa do curso em si, que foi ótima, pois não tinha”; “a chance que dá para quem está interessado em estudar”.

11

Coordenação: porque teve “coragem e ousadia” de iniciar o curso; empenho; compreensão. Exemplos: “determinação da coordenação”; “sua boa vontade [falando à coordenadora Fernanda], né, que abriu o curso, que não tinha em Araruama”.

7

Incentivo: por parte da coordenação, dos professores e do curso como um todo. Exemplos: “Incentiva todo mundo, principalmente as pessoas com baixa renda, a estudar; que nem tudo está perdido, podendo sim, chegar lá”; “Acho muito bom o incentivo que os professores dão aos alunos nas áreas específicas”.

5

As aulas: quando se referem a alguma aula específica ou a todas. Exemplos: “as aulas de atualidades, achei legal de aprender”; “as aulas eram dinâmicas, nada de ‘lero-lero’”; “eram legais”.

4

Atividades extras: monitorias e palestras. Exemplos: “a monitoria, que foi um passo, para futuras apresentações na faculdade”; “as palestras que traziam pessoas do meio profissional” [lembrou das palestras de Nutrição e do IBGE].

4

Organização/ disciplina: “organização, mesmo tendo bagunça pelos alunos, era organizado”; “disciplina do curso”.

4

Tudo é positivo: “Tudo que contribui para o bem social é positivo, principalmente na área de educação, que considero ser a chave do progresso, de uma nova sociedade”.

2

ASPECTOS NEGATIVOS

Alunos: falta de seriedade, de perseverança; desinteresse; desistência destes desestimula os professores. Exemplos: “falta de perseverança dos alunos, deram logo o braço a torcer, se desestimulando, acovardaram-se diante das dificuldades”; “alunos que desistem e desanimam o próprio professor”.

17

Professores: ausência e escassez; faltas; desistência de alguns; má vontade para explicar; foram desmotivados pelo desinteresse dos alunos. Exemplo: “Os professores que desistiram, que no começo vieram e depois saíram”.

11

Organização e estrutura: falta de um programa de curso; horário desorganizado; cadeiras desconfortáveis; falta de sede própria. Exemplos: “era bom ter o próprio espaço”; “faltou cronograma (programa de curso)”; “Física é importante e foi pouco trabalhado, era muito corrido”.

7

Falta de apoio: poucos voluntários; falta de apoio institucional. Exemplos: “falta de apoio de empresários”; “falta de apoio dos meios competentes (legais) que poderiam dar ajuda maior”; “falta de pessoas voluntárias”.

3

Não tem/ não respondeu

3

Para aspectos positivos, tivemos 51 respostas divididas em oito categorias diferentes. Percebemos uma valorização do curso por ser comunitário e ajudar àqueles que não podem pagar, pois 11 respostas foram enquadradas nessa categoria, o que corresponde a 21,6% (11 de 51 respostas). Além disso, vimos que os entrevistados valorizam os professores do curso, já que 27,5% das respostas (14 de 51) citaram os professores como ponto positivo do curso.

Apesar de terem sido pedidos dois aspectos positivos, 13 alunos disseram apenas um único aspecto ou dois aspectos que se encaixavam na mesma categoria criada. No exemplo abaixo, em que a entrevistada cita dois aspectos da categoria curso comunitário:

“É um curso bom, tentando ajudar as pessoas que não podem pagar, e foi o primeiro em Araruama” (Fátima, 40 anos, grupo III).

Agora, passaremos aos pontos negativos do curso, apontados pelos alunos.

Tivemos 41 respostas divididas em cinco categorias diferentes. Uma parcela dos 28 entrevistados considerou o desinteresse e falta de seriedade dos colegas como principais pontos negativos do curso _ 41,4% das respostas foram dessa categoria. Mas, é importante ressaltar que alguns desses alunos (quatro entrevistados) estabeleceram relação de causalidade entre o desinteresse dos alunos e a desistência dos professores. Vemos isso claramente, nas falas a seguir:

“Prejudicou o curso, a desistência das pessoas que não levaram a sério, o que desestimulou os professores” (Melissa, 19 anos, grupo I).

[É negativo] “o curso começar legal no início e depois os alunos e professores desistirem, começando pelos alunos. Acho que isso desestimula os professores” (Jessica, 22 anos, grupo III).

Notamos, também, que a categoria professores aparece como ponto positivo e como ponto negativo. Positivamente, os alunos citaram a boa vontade dos professores em dar aulas voluntariamente, bem como a dedicação e o empenho. Negativamente, o que mais foi citado sobre os professores, foi a escassez e desistência dos mesmos, para alguns condicionada ao comportamento dos alunos desinteressados. Vejamos abaixo, o que Joana considerou como positivo e negativo:

[Positivo] “O fato dos professores estarem aqui à disposição, sem receber nada, só a gratificação de saber que as pessoas estão aprendendo”. [Negativo] “Falta de interesse dos alunos desmotiva os professores. Os alunos acham que não são capazes, [por isso desistem do curso]” (Joana, 20 anos, grupo I).

3.2  Impressões dos alunos sobre as atividades desenvolvidas

Neste tópico, é interessante observar a fala dos entrevistados em relação a algumas atividades do curso, que foram baseadas em Rogers e Freire.

No caso do Círculo de Leituras e das Oficinas de Redação, estas foram as atividades que mais rapidamente demonstraram resultados. Os alunos se mostram mais interessados em discutir assuntos de conteúdo político e econômico, e já questionam e criticam os assuntos que abordávamos semanalmente nas aulas. Em 2004, os próprios alunos demandaram discussões políticas, já que estávamos em ano eleitoral. Como resultado dessas discussões, fomentamos a Oficina de Redação com variados temas, que foram desenvolvidos nos textos dos alunos.

Abaixo a impressão de alguns entrevistados:

“As conversas com você nas aulas de Círculo de Leituras [falando à coordenadora Fernanda], abriram bastante a cabeça” (Fabiana, 19 anos, grupo I).

“Os círculos de leitura, em que eu coloquei a minha idéia e pela primeira vez alguém colocou uma idéia contrária. Você começa a refletir. Antes, você tem a sua idéia e acha que é só isso, porque não conhece outro ponto de vista. No colégio nunca tinha esse tipo de reflexão” (Renato, 22 anos, grupo II).

“Aprendi alguma coisa. Na parte de atualidades, sobre o Mercosul…” (Fátima, 40 anos, grupo III).

Quanto ao Programa de Monitorias, apesar de poucos alunos terem se interessado, talvez por insegurança em passar seus conhecimentos aos colegas, os três alunos monitores de 2003 foram aprovados em universidades públicas. São eles:

- Joana, monitora de História e aprovada em História na Uerj;

- Leonardo, monitor de Português e aprovado em Letras na Uerj e na UFF;

- Melissa, monitora de Geometria e aprovada em Matemática na Uerj e no CEDERJ.

Em 2004, só tivemos um monitor, que trabalhou exercícios sob a orientação do professor de Física. Vejamos o que ele disse sobre a experiência:

“Pensei que fosse fácil, mas fiquei nervoso. Foi um passo, para futuras apresentações na faculdade”. (Renato, 22 anos, grupo II, aprovado em 2004 para Enfermagem pelo PROUNI).

Treze entrevistados (43,3% do total) consideraram que somente por estar estudando já sentiram melhora no aprendizado. As atividades extra-aula, como Círculo de Leituras e Palestras sobre Profissões, tiveram onze citações, que correspondem a 25,6% do total de 43 respostas a essa pergunta.

Apesar de ter havido poucas palestras em 2003, estas agradaram a alguns.

[O curso] “levou pessoas do Rio para dar palestras”. [Lembrou da palestra do IBGE com riqueza de detalhes] (Júlio, 23 anos, grupo I).

Porém, o que consideramos mais relevante, no geral, para todos os alunos, foi a oportunidade de estarem estudando e tendo contato com informações sobre cursos superiores, o sistema acadêmico, o mercado de trabalho, as carreiras, entre outras informações. Carina vai ainda mais longe e diz que a contribuição foi maior:

“Antes de surgir o curso, eu achava faculdade uma coisa impossível. O curso é que abriu a possibilidade, me deu mais entendimento de ver que era possível fazer uma faculdade. No ensino [médio] que nós temos, não temos preparo para isso” (Carina, 24 anos, grupo III).

3.3 Resultados Concretos de 2003

No primeiro ano de curso, tivemos a satisfação de aprovar quatro alunos em universidades públicas (UERJ, UFF e UENF), um aluno em concurso público, e sete estão cursando universidades particulares. Em 2004, dois alunos foram aprovados no vestibular CEDERJ, um está cursando Direito na UERJ e 15 foram aprovados pelo ENEM/PROUNI e estão cursando universidades particulares com bolsa de estudos. Abaixo, a relação dos 12 aprovados – que foram entrevistados para a pesquisa, que carreiras estão seguindo e o período que cursam na data da presente deste artigo:

-         André: aprovado nos concursos públicos da Prefeitura de Araruama e Arraial do Cabo, RJ. Trabalhou em 2004 como Guarda Municipal em Arraial e continuou estudando no PECCA, até ser aprovado na Escola de Marinheiros, onde está agora.

-         Cláudio: aprovado na Unigranrio (particular) de Silva Jardim, no curso de Exploração do Petróleo. Está no 4º. Período.

-         Fabiana: aprovada no curso de Biologia da Universo (particular) de Niterói. Está no 4º. Período.

-         Gabriel: foi aluno do PECCA somente no 1º. Semestre de 2004. Aprovado em julho de 2004 no vestibular do CEDERJ de Saquarema, (convênio das universidades públicas do Estado, para desenvolver cursos de licenciatura no interior do Rio de Janeiro). Está no 3º. Período de Matemática.

-         Helena: aprovada na Universo de Niterói (particular), no curso de Geografia. Está no 5º. Período.

-         Joana: aprovada em fevereiro de 2003, na Uerj, no curso de História, não foi informada da data de matrícula e perdeu a vaga. Voltou a cursar o PECCA em 2004 e foi aprovada no curso de Economia Doméstica da UFRRJ. Está cursando o 2o período.

-         Júlio: aprovado na Ferlagos (particular) de Cabo Frio, cursa o 4º. Período de Biologia. Faz estágio em Biologia Marinha e dá aulas periódicas no PECCA.

-         Leonardo: aprovado nos vestibulares da Uerj e UFF para o curso de Letras, optou por cursar a Uerj. Está no 4º. Período e é bolsista de Iniciação Científica desde o 2o período. Dá aulas periódicas de Literatura no PECCA.

-         Melissa: aprovada em fevereiro de 2003, na Uerj, no curso de Matemática. Assim como Joana, perdeu a data de matrícula e conseqüentemente, a vaga. Voltou ao PECCA em 2004, e tentou vestibular para o CEDERJ de Saquarema, sendo aprovada no curso de Matemática. Cursa o 3º. Período.

-         Paulo: aprovado no vestibular da Estácio de Sá (particular) de Cabo Frio, para o curso de Administração de Empresas. Está no 5º. Período.

-         Sofia: aprovada no Unigranrio (particular) de Silva Jardim, no curso de Exploração do Petróleo. Está no 4º. Período.

-         Vitor: aprovado na Universo (particular) de Niterói. Está cursando o 4º. Período de Direito.

4. Considerações Finais

No que concerne ao conjunto dos objetivos empíricos, os resultados verificados mostraram que o curso atingiu seus objetivos imediatos de conseguir, em seu primeiro ano de funcionamento, aprovação de mais de 10% de seus alunos em universidades e concursos públicos e em universidades particulares.

Quanto aos objetivos mediatos, de desenvolver uma aprendizagem mais crítica e reflexiva, seguindo influências teóricas de Rogers (1972, 1985) e Freire (2000), os resultados são lentos, mas já percebemos que assuntos que os alunos jamais haviam discutido ou questionado, como política e economia, estão se tornando significativos para eles. Agora, eles passaram a perceber o quanto esses assuntos “chatos e complicados” influem na vida de cada um de nós. Somente extinguindo a alienação predominante entre os jovens, de todas as classes, conseguiremos efetivamente realizar alguma mudança social, individual e coletiva (Campos, 1996).

Assim, concluímos que a educação tecnicista/ tradicionalista a que foram sujeitos os alunos do curso, não os fez desenvolver autonomia e responsabilidade com o saber. Isto prejudicou o desenvolvimento das atividades que demandavam maior comprometimento e participação ativa deles. Dessa forma, percebemos que a passagem da dinâmica de escola _ tecnicista condicionante, para a dinâmica de um curso que necessita do engajamento de seus participantes, deve acontecer lentamente e de forma adaptada.

Percebemos, ainda, que não podemos utilizar todos os ensinamentos de Rogers (1985) como gostaríamos. Infelizmente, o sistema de ensino vigente nos obriga a trabalhar nos moldes tradicionais, principalmente porque os concursos públicos e vestibulares para os quais preparamos nossos alunos, utilizam avaliações somativas nos seus processos seletivos.

Dessa forma, não podemos nos furtar de trabalhar todos os conteúdos de ensino médio, inclusive aqueles que não são nada significativos para o aluno a priori. A diferença está na forma de passar esses conteúdos: nas matérias de ciências exatas, a equipe trabalha todos os conteúdos mostrando ao aluno, o quanto aquilo que ele está aprendendo vai ser importante para o resto de sua vida.

Mas, acreditamos que este trabalho coloca em primeiro plano discussões sobre o saber-fazer do professor na escola. Além disso, é necessário repensar a questão da dimensão do espaço e do tempo da escola. “A sala de aula deve deixar de ser o lugar das carteiras enfileiradas para se tornar um local em que professor e alunos podem realizar um trabalho diversificado em relação a conhecimento e interesse. O papel do professor deixa de ser o de “entregador” de informação para ser o de facilitador do processo de aprendizagem”(Valente e Almeida, 1997).

Seguindo esta perspectiva, o aluno deixa de ser passivo, de ser o receptáculo das informações, para ser ativo aprendiz, construtor do seu conhecimento. Portanto, a ênfase da educação deixa de ser a memorização da informação transmitida pelo professor, e passa a ser a construção do conhecimento, realizada pelo aluno de maneira significativa sendo o professor o facilitador desse processo de construção (Rogers, 1985; Valente e Almeida, 1997).

Muitos autores concordam com esta idéia, mas mudar o paradigma educacional atual, não é um trabalho fácil. Existem muitos obstáculos à implantação de uma pedagogia problematizadora. Como o próprio Freire (2000) diz, não é de interesse dos opressores que as massas se conscientizem, pois perceberão assim as injustiças e mazelas a que estão sujeitas na desigual sociedade capitalista.

Portanto, acreditamos que desenvolvendo a autonomia do saber (Rogers, 1972), podemos chegar à pedagogia problematizadora (Freire, 2000). Somente um sujeito responsável pela sua aprendizagem e perseverante quanto a suas metas, é capaz de se tornar crítico e reflexivo sobre o contexto em que vive e atuar na modificação deste meio.

Acreditamos que aqueles que passam pelo curso, certamente saem modificados, mesmo que não percebam isto num primeiro momento. Tornam-se mais reflexivos e passam a desenvolver uma liberdade responsável dentro e fora da sala de aula, sentindo que fazem parte do mundo. Os costumes e vícios arraigados trazidos da escola pública, finalmente vão se desfazendo.

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[1] Apud Rodrigues, 1981.

[2] Lawrence e Liang, SWB (Subject Well Being), 1988; Watson, Clark e Tellegen, PANAS (Positive Afect and Negative Afect Scales), 1988.

[3] Entende-se por aprendizagem teórica, aquela onde o aluno não vivencia e significa, na prática, aquele conhecimento que está aprendendo. Por isso Rogers (1972) usa o termo “teórica”, pois é uma aprendizagem que se limita à teoria.

[4] Termo cunhado pela autora, para se referir ao método usado pelo PECCA, que surgiu de uma adaptação do método não-diretivo de Rogers e da educação direcionada tradicionalista (ou “bancária”, segundo Paulo Freire).

[5] Os nomes são fictícios para preservar o anonimato dos participantes, que autorizaram a utilização destes dados.

[6] As respostas relacionadas a “vida estável” e “estabilidade financeira” não entram na categoria dinheiro, porque estas respostas não configuram ambição, por isso foram alocadas na categoria estabilidade.

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