Entrevista Natalie Rogers
Entrevista concedida por Natalie Rogers em 2003 na Revista Electrónica de Investigación Educativa, Vol. 5, No. 2 e gentilmente concedida para a tradução e publicação no site.
AS ARTES EXPRESSIVAS CENTRADAS NA PESSOA: UM CAMINHO ALTERNATIVO NO ACONSELHAMENTO E NA EDUCAÇÃO
Tradução: Daniel Fujisaka, São Paulo, 2007.
Revisão: Ana Paula Fujisaka, São Paulo, 2007.
Resumo:
Nesta entrevista a Dra. Natalie Rogers aborda a forma em que a arte e a expressão servem ao crescimento pessoal e grupal na Terapia Expressiva Centrada na Pessoa. Aliada ao legado de seu pai Carl Rogers, criador da Abordagem Centrada na Pessoa, ela descreve como entrelaçou sua experiência como terapeuta e mulher, dando mais espaço para o intuitivo, criativo, emocional e à fascinante exploração da experiência humana. Comenta como, apoiada na plástica, dança, pintura, música, entre outras artes, criou um modelo que propicia a expressão autêntica e o autoconhecimento da pessoa. Desenha o perfil de um facilitador que com especial cuidado cria um clima não para julgar a pessoa, seu trabalho e suas experiências ou os resultados, mas ao contrário, é empático e aceita a pessoa e sua experiência. Finalmente, discute as aplicações deste modelo no âmbito educativo tradicional, assim como os assuntos chaves da aprendizagem.
Palavras chaves: Humanismo, educação, psicoterapia
A Dra. Natalie Rogers é autora dos livros: The creative connection: Expressive arts as healing, (1993) e do Emerging woman. A decade of midlife transitions (1980), assim como de vários artigos publicados em revistas profissionais e de circulação não especializada, todos traduzidos a vários idiomas. Ela é pioneira na terapia de arte expressiva e realiza treinamentos na Europa, Rússia, América Latina, Japão e Estados Unidos. A Dra. Rogers é formada na área e tem trabalhado como psicoterapeuta. Sua missão pessoal é facilitar a cura planetária e pessoal, incorporando as artes expressivas no trabalho intercultural para a resolução de conflitos. Natalie fundou e faz parte do quadro de docentes do Instituto para Terapia Expressiva Centrada na Pessoa de Santa Rosa, Califórnia, Estados Unidos. Ela atua como professora adjunta do Califórnia Institute of Integral Studies e o Institute of Transpersonal Psychology. É docente adjunta do Saybrook Graduate School. Ela é artista, mãe e avó.
Laura Guardiana (LG): Doutora Rogers, você tem dedicado seu tempo, energia e conhecimento pessoal e profissional para o desenvolvimento da terapia expressiva centrada na pessoa. Poderia descrever em que consiste?
Natalie Rogers (NR): A filosofia centrada na pessoa foi desenvolvida pelo meu pai, Carl Rogers. Esta filosofia incorpora a crença de que cada indivíduo é valioso e digno e tem capacidade para auto dirigir-se. Existe uma confiança no ímpeto humano de que este se orienta na direção do crescimento. Cada indivíduo possui uma habilidade inerente para encontrar as respostas precisas e corretas quando se nutre de um ambiente de escuta empática, cuidado não possessivo e um contexto de uma genuína e congruente abertura e honestidade.
O termo “artes expressivas” significa a utilização de várias formas de arte para expressar os sentimentos internos através de um meio externo que facilite o crescimento e a cura. Encorajamos a expressão pessoal sem prestar atenção ao valor comercial ou à qualidade do produto. As artes do movimento, o visual, o sonoro e a redação criativa são linguagens da alma e do espírito que podem ser aproveitadas para explorar o campo das emoções humanas e permitem desenvolver um sentido positivo do self.
A combinação das “artes expressivas” com o abordagem centrada na pessoa é uma avanço natural. Em um enquadre terapêutico, as artes expressivas são o meio para aproximar-se do medo, da vergonha, da culpa e do nojo, inconscientes e não expressados, que freqüentemente nos prendem a um padrão de silêncio. A expressão criativa, quando aceita e compreendida, pode ajudar o participante a enfrentar estes sentimentos obscuros e tornar-se uma ponte para a alegria, a sensualidade, o amor e a compaixão.
O terapeuta da arte expressiva centrada na pessoa explica ao cliente que, além da fala, existem outras atividades que podem facilitar a terapia. Em algumas situações, uma vez que o cliente já tenha explorado suas emoções e pensamentos a nível verbal, pode-se utilizar a cor ou o movimento para alcançar maior profundidade na autocompreensão. Estas expressões também são parte de uma poderosa linguagem que se estabelece entre o cliente e o terapeuta. A arte se torna uma parte natural do processo terapêutico. Em outras situações, os clientes podem até querer começar com arte e, depois, ao ver sua própria criação, decidam falar de suas experiências. Utilizar as artes expressivas é uma forma muito eficaz para ajudar o cliente a identificar-se com seus sentimentos.
Com respeito ao clima de segurança da atmosfera centrada na pessoa, as pessoas que tendem a ser predominantemente racionais e verbais têm a oportunidade de permitir que aflorem seus sentimentos de maneira benigna e construtiva.
Por exemplo, quando o cliente perde um ente querido, a luta é tão dolorosa que não há palavras para expressá-la. No entanto, a cor, argila, uma colagem, o movimento e o som contribuem para expressar essa luta de maneira não verbal e é extremamente benéfico. O participante é capaz de liberar fisicamente parte dessa dor e, por sua vez, alcança um pouco de insight pessoal. No meu livro, La conexión creativa: las artes expressivas como meio de cura, dou um exemplo disto na “La espina de arenque Gail”.
Freqüentemente, a raiva é profundamente reprimida. No entanto, ao utilizar o movimento e o som em uma sala terapêutica acolhedora e desprovida de ameaças, floresce a tristeza existente por detrás da raiva. Expressar a raiva através da cor e da forma também ajuda o cliente a transformá-la em uma energia útil e criativa. Quando a gente guarda a raiva, cedo ou tarde ela volta como um vulcão em erupção. Considero que essa é uma das razões de tanta violência em nosso mundo. As crianças necessitam de um ambiente onde os pais e as escolas podem dizer: “Posso compreender e aceitar todos seus sentimentos, mas deve aprender a controlar seu comportamento”. Os sentimentos de raiva são normais, aceitáveis e está tudo bem, mas não é permissível descarregar esses sentimentos sobre os outros ou sobre si mesmo.
LG: Dra. Rogers, teria a gentileza de descrever o processo e postulados por meios dos quais sua aproximação difere da de seu pai? De que maneira(s) considera que sua perspectiva enriquece o trabalho de seu pai?
NR: Minha imagem é a de uma grande árvore. As crenças de Carl, sua investigação profunda, suas habilidades mais intensas, são as raízes da minha árvore. O tronco da árvore é como uma mulher que contempla a vida de uma perspectiva mente/corpo distinta. Os ramos são as artes de expressão centradas na pessoa: uma integração da emoção e espírito mente/corpo. Os ramos se entendem para abraçar a sombra e a luz, o feminino e o masculino, a lógica e a intuição, o verbal e não verbal e todos os modos como expressamos nosso interior por meio de uma forma externa. Meu crescimento contínuo e vitalidade vêm das minhas raízes.
Estudei e trabalhei com meu pai durante muitos anos. Não aprendi sua filosofia em um livro, cresci com ela, é parte do que sou. Em 1974, depois de ter me divorciado e mudado para a Califórnia, sugeri que trabalhássemos juntos. Convocamos uma equipe de seis pessoas para criar o que chamamos de As Oficinas da Abordagem Centrada na Pessoa.
Durante sete verões oferecemos oficinas intensivas residenciais em ambientes universitários nos Estados Unidos, México e Inglaterra. Como era típico dos grupos de encontro de Carl, havia uma grande medida de escuta empática às histórias de vida de dor e trauma das pessoas. Com certeza, isto resultava em aprofundamento para todos os membros da equipe; contudo, sou uma pessoa muito cenestésica, artística e intuitiva e encontrava-me de uma maneira que não podia manter-me quieta todos os dias e noites, escutando tanta emoção. Dessa maneira, sugeri que tivéssemos um espaço onde pudéssemos trabalhar essas mesmas temáticas pessoais, mas aproveitando o movimento, o som, a arte e o psicodrama para expressar-se. Aqueles eram tempos muito experimentais. Outros membros da equipe trabalharam comigo facilitando estas sessões experimentais. Através da experimentação aprendemos que estas formas de arte são tremendamente transformadoras, e esta prática mostrou que cada pessoa do grupo podia estar trabalhando em seus próprios assuntos. Surge algo muito mágico na ressonância coletiva de um grupo de pessoas, quando cada uma delas mobiliza suas temáticas pessoais através da cor, da plástica ou da colagem. Eu o chamo de “espaço sagrado da criatividade”. Concentrar-se intensamente enquanto se cria a partir do coração, promove um campo energético que cura em profundidade. Deste modo, falamos de nosso trabalho. Portanto, o processo criativo por si mesmo tem qualidades de cura.
A partir deste trabalho, desenvolvi minhas próprias teorias e projetos. O aproveitamento das artes expressivas para melhorar e aprofundar a psicoterapia verbal é um avanço natural. Cada vez mais compreendemos a necessidade de agrupar os processos que integram todos os aspectos do self: corpo, mente, emoções e espírito. Falando de maneira simples, não podemos integrar o self sem envolver todos seus aspectos. Não nos tornamos criativos ao pensarmos sobre a criatividade, despertamos nossa criatividade ao nos envolvermos no processo criativo em si.
Utilizando as raízes de meu preparo psicológico, fiz também alguns descobrimentos. Através da minha experiência pessoal (e depois ao ver o processo com clientes), encontrei um sentimento de tristeza ou raiva enquanto dançava na presença de testemunhas empáticas e desprovidas de juízos, meus sentimentos e percepções se moviam dramaticamente. E quando desenhava as imagens depois de mover-me, a arte se tornava espontânea, expressiva e reveladora. Se continuava na arte com a redação livre, me aprofundava mais em sentimentos e pensamentos protegidos. Percebi que uma forma de arte expressiva estimula e nutre outra forma de arte, dotando com novo significado e profundidade as verdades pessoais que freqüentemente não nos são reveladas. É quando, portanto, ocorre a cura interna, que denomino de Processo de Conexão Criativa.MR Utilizar várias artes expressivas em seqüência enaltece e intensifica a viagem ao nosso interior.
Para conseguir que as pessoas se envolvam no processo criativo, para “puxar o tapete de seus pés”, o facilitador oferece a oportunidade de utilizar os materiais de arte. Dar sugestões ou experiências estruturadas em um processo grupal é muito diferente da maneira como Carl dirigia seus grupos. Entretanto, creio que existem muitas maneiras de centrar-se na pessoa. Nem todos temos que fazê-lo como Carl; aliás, ele sempre disse que desejava que as pessoas utilizassem o que havia aprendido para ir mais adiante.
Como Carl, sou contra o modelo médico de terapia e terapia da arte. Quando os clientes ou participantes dos grupos compartilham sua arte, a meta do facilitador consiste em compreender melhor o mundo de tal indivíduo e não analisar ou interpretar sua arte. Em minha opinião, analisar a arte facilmente pode sufocar o impulso criativo que brota do indivíduo. Dizer à pessoa o que é sua arte ou o que está sentindo ao vê-la, freqüentemente desanima o indivíduo a revelar-se de maneira mais profunda. A intenção do terapeuta da arte centrado na pessoa é animar o indivíduo a explorar por si mesmo o sentido de sua arte.
LG: De que maneira você considera que o fato de ser mulher colabora para sua perspectiva da relação entre arte e expressão no processo de aprendizagem?
NR: Na maioria das culturas, e claramente nos Estados Unidos, as mulheres são intuitivas, não lineares; somos conscientes de nossas emoções e expressamos nossos mais profundos sentimentos. Nossa cultura tem ensinado aos homens a reprimir seus sentimentos, a sobressair-se na lógica, tecnologia, ciência e a utilizar o poder para dominar. As mulheres têm sentido a humilhação e a degradação de serem cidadãs de segunda classe. Como se sabe, durante muitos anos nos Estados Unidos não podíamos votar, não podíamos ter propriedades e éramos criadas para servir aos nossos companheiros masculinos. As mulheres de todo o mundo sentiram esta larga história de repressão e abuso. Apesar de ter nascido em uma família amorosa de profissionais brancos de classe média, esperava-se de mim que atuasse no papel de uma mulher tradicional – muito diferente das expectativas que se tinha para meu irmão. Porém, certamente vejo o mundo de uma maneira diferente. Uma missão em minha vida é devolver o poder a mulher através do processo criativo. A expressão criativa representa uma solução natural para a mulher. Nos reunimos para pintar e jogar, para dançar e criar rituais que nos fortaleçam. Sempre estou em busca de maneiras que estimulem e criem justiça e igualdade no mundo.
Em minhas viagens, na medida em que levo o trabalho da conexão criativa a Rússia, Europa, Japão e América Latina, percebo que os homens desses países estão mais dispostos a aderir à expressão leve e criativa do que os homens dos Estados Unidos. Gosto de contar com a energia masculina em minhas oficinas, o Ying e Yang necessitam entrelaçar-se, que seja com um semelhante ou entre si. No entanto, vejo as decisões que se tomam no mundo, principalmente pelo homem branco, e fico perturbada e enojada com as políticas agressivas que predominam. As artes são atropeladas e marginalizadas, o que é trágico porque a arte é uma forma vital de comunicação. Provém da nossa essência interior. Fala através das culturas. É pessoal e universal.
LG: De que maneira você vislumbra que os princípios da terapia expressiva centrada na pessoa enriquecem o processo educativo e a aprendizagem nas escolas?
NR: Estudantes de todas as idades se beneficiam com um programa de artes expressivas centradas na pessoa. Os benefícios terapêuticos são evidentes, ainda que a terapia não esteja inserida dentro do programa. As artes expressivas representam um meio fácil e conhecido pelo qual as crianças menores se expressam. Utilizadas dessa maneira, as artes são verdadeiras maneiras de brincar. As crianças menores freqüentemente não contam com vocabulários ou com habilidades sociais suficientes para serem escutados. Desenhar a raiva e o aborrecimento, por exemplo, proporciona-lhes uma forma singular e eficaz de comunicação. A inserção de uma atmosfera centrada na pessoa é vantajosa para as crianças menores em idade escolar. Imagine um jovem iniciante na arte que lhe seja permitido explorar seu talento natural sem a pressão de fazer a arte da “maneira mais correta”.
Os autores contemporâneos assinalaram que, conforme os adolescentes e pré-adolescentes passam pela escola (pelo menos nos Estados Unidos), eles se tornam resistentes, possivelmente até contendo-se inconscientemente a qualquer expressão externa pessoal e espontânea. Temem a desaprovação do “público imaginário” assim como a censura de seus companheiros de classe, e a possibilidade que não se “encaixarem”. A arte expressiva centrada na pessoa funciona bem nestas condições de auto-estima. O movimento é uma excelente forma de suavizar rapidamente as inibições. Em um cenário escolar, por exemplo, para uma lição sobre o sistema solar destinou-se o estudo de cada planeta a um estudante. Posteriormente, pediu-se a cada aluno que compartilhasse a aula a seus companheiros. Os estudantes desenharam fantasias que representavam seus planetas, colocaram patins e em conjunto rodearam o sol para explicar as particularidades de seu planeta.
Quando os estudantes percebem que não haverá julgamento nem instruções, gradualmente começam a criar a partir de um sentido interior do self e se liberam das restrições auto-impostas. Uma parte importante da garantia do programa é que não seja obrigatório para todos; trata-se de uma escolha voluntária em resposta a um convite genuinamente caloroso e acolhedor.
Quando os estudantes ingressam na universidade, geralmente já amam a idéia de intercalar ocasionalmente uma sessão mais descontraída, pessoalmente mais significativa, de artes expressivas para quebrar a atenção silenciosa de um formato de aula tradicional. Certamente as ciências sociais e do comportamento funcionam especialmente bem com esta aproximação inovadora. Contudo, outros tipos de cursos acadêmicos podem encontrar as maneiras de incorporar a aprendizagem experiencial de vez em quando. Por exemplo, encontrar metáforas simpáticas para os problemas matemáticos, representar um momento da história através do movimento e do som, ou apresentar um projeto de ciências através de símbolos e desenhos não verbais. Quando a imaginação conta com a liberdade para se expressar, a mente inteligente também se libera de acordo como que os acadêmicos de hoje em dia denominam de “o fluxo”.
LG: Freqüentemente acontece que a educação formal está divorciada dos modelos alternativos de aprendizagem. Muitos programas alternativos se multiplicam e funcionam em uma ilha claramente cindida da educação convencional. Qual tem sido sua experiência utilizando a metodologia resultante destas técnicas, quais são suas percepções em relação ao ensino, e em que contextos?
NR: Pessoalmente, sempre segui o “caminho alternativo” em minha própria educação e docência. Meus pais nos enviaram a escolas “progressivas” onde éramos incentivados a sermos criativos, a pensar por nós mesmos, a questionar a autoridade e a dizer o que pensávamos. Nunca recebi avaliação alguma, senão quando cheguei na universidade. Estes antecedentes me deram o valor para ser diferente em relação às minhas crenças, à maneira de exercer a psicoterapia e ensinar nas instituições. Fiquei aleijada (ou me despediram) em ambientes de trabalho repressivos. Em meus anos de iniciante como terapeuta comecei a utilizar os métodos de arte e consciência corporal, mesmo quando trabalhava no Hospital Público de Saúde Mental, numa clínica de orientação e num hospital psiquiátrico. Se envolvia os meus supervisores ou chefe a participar do processo que estava aplicando, e se obtinha resultados efetivos (e de fato os eram), eles me escutavam e autorizavam a seguir com meus métodos. Entretanto, em uma ocasião, trabalhando como terapeuta infantil em uma instituição para crianças emocionalmente perturbadas, e desenvolvendo um trabalho excelente com pais de família, professores e crianças, foi contratado um novo diretor que se sentiu ameaçado com a minha popularidade. Queria limitar-me a trabalhar com algumas poucas crianças. Disse-lhe que não estava disposta “a fazer menos do que sou capaz de fazer”. Despediu-me.
Em 1984, desenvolvi na Califórnia um programa de treinamento intensivo, o Instituto de Terapia Expressiva Centrada na Pessoa (www.pceti.org). Desta maneira sigo aprendendo à medida que facilito grupos que estão abertos à experimentação. Somos pioneiros neste campo e agora descobrimos que existem instituições acadêmicas alternativas oferecendo programas de artes expressivas. Ainda que haja resistência do meio acadêmico dominante, se os estudantes desejam este tipo de trabalho e estão dispostos a pagar para assistir aos programas que são oferecidos, a academia ao final irá colocar na pauta.
Também ensino artes expressivas a estudantes de pós-graduação em treinamento para serem terapeutas. Isto é muito gratificante. Isto é muito gratificante. Todas estas instituições: o Institute of Integral Studies, Institute of Transpersonal Psychology, Institute of Imaginal Studies e o Saybrook Graduate School, são pioneiras na psicologia humanista e transpessoal. Penso que a melhor maneira dos estudantes aprenderem é experimentando a cura pessoal enquanto exploram as artes expressivas centradas na pessoa em profundidade.
Meus estudantes e participantes dos grupos estão incorporando a experiência na esfera convencional. Empregam as artes expressivas para trabalhar com conflitos no ambiente escolar, com pessoas da terceira idade, em programas de restauração da justiça, em programas de abuso de drogas, em hospícios, em programas de mediação e solução de conflitos, e empresariais.
LG: As maiorias das escolas oferecem arte ou outros meios de expressão em seu currículo. O que caracteriza e distingue a aproximação convencional da arte centrada na pessoa?
NR: É provável que a diferença mais importante consista no uso da empatia e aceitação, assim como a negação em dirigir-se a outra pessoa. Primeiro, a maioria das pessoas acertadamente entende que a escuta empática é uma tentativa sincera de compreender a pessoa, particularmente no que se refere à sua experiência interna. Entretanto, além disso, existe um entendimento mais profundo que demanda uma autêntica conexão com o espírito do momento. Mais que dizer a si mesmo: “Ah, entendi, isto é um conflito e compreendo o processo do conflito”, quem acompanha deseja compreender tão intimamente quanto possível os sentimentos singulares e precisos que se movem através desta pessoa neste momento. Assim, surgem mais que simples conflitos porque nenhuma pessoa é unidimensional em suas expressões emotivas. Desta maneira, o facilitador centrado na pessoa trata de não dar nunca rótulos diagnósticos. A pessoa explora completamente seus sentimentos e chega a sua própria definição.
Outra diferença está na aceitação. Geralmente, as pessoas vêem a aceitação como uma maneira de estar de acordo ou como uma forma de aprovação. Por exemplo, dizer a uma criança que você gostou do trabalho dela ou escrever uma nota “ótimo” na margem da folha ou do desenho implica uma forma benigna de aceitação. Mas no ambiente centrado na pessoa a aceitação significa algo diferente. De fato, se se aceita da maneira anteriormente descrita existe a possibilidade de que na próxima vez não obtenha a mesma eficiência de aceitação. Aprovar implica, em si mesmo, ser objeto de desaprovação e isto assusta a criança e as pessoas de todas as idades. Neste caso, a aceitação significa: “Você é livre para fazer o que deseja com estes materiais (dentro dos limites sociais, claro) e com este momento. Farei o meu melhor para te acompanhar aonde quer que você vá nesta experiência”.
Finalmente, surge a pergunta da diretividade. Quem está imerso na filosofia centrada na pessoa não interpreta nem analisa o outro, nem o aconselha, rotula ou diagnostica. Por um lado, os rótulos e diagnósticos mantém o que escuta preso nas suas próprias percepções e por fim não lhe permite uma verdadeira exploração não tendenciosa. Por outro lado, as pessoas têm um sentido intuitivo que avisa quando o outro se dirige com idéias preconcebidas ou está tentando dominá-las. Podem chegar a depender do critério de seu facilitador ao grau de tornarem-se dependentes dele, ou podem perder a confiança ao sentirem-se não vistos e não respeitados.
Assim, às crianças de um programa de arte expressiva centrada na pessoa não se diz que são “bons” artistas, nem que devem “terminar” seu projeto. Podem explorar sua experiência no privado ou quando desejam ser observados. Os observadores, ou quem os escuta, dão demonstram querer compreender o significado mais profundo para o artista: como interpreta os símbolos, quais sentimentos evocam. Em um certo momento, os observadores podem comunicar o que lhes é movido a partir do trabalho da pessoa, não como avaliam o trabalho, mas como o vivem em seus próprios níveis de profundidade.
Penso que esta aproximação é muito diferente ao que geralmente ocorre nas aulas onde o clima é tão acelerado e orientado a resultados.
LG: Que tipo de perspectiva e treinamento seria necessário para que um docente convencional incorporasse os princípios da terapia expressiva centrada na pessoa em suas atividades cotidianas em aula?
NR: A melhor sugestão é que o docente viva as artes expressivas de primeira mão em um programa de treinamento centrado na pessoa ao invés de ler ou estudar as técnicas exclusivamente, já que o docente aprenderá ao experimentar as artes expressivas. Isto propicia que o docente veja o mundo através dos olhos do aprendiz. Há uma linha muito tênue entre ser docente e terapeuta. Os bons educadores oferecem aceitação, escuta empática e um ambiente de segurança para aprender. Isto permite que o estudante aprenda e cresça de maneira positiva; entretanto, os educadores não são terapeutas per se. Os bons educadores estabelecem e vão ganhando a confiança dos estudantes. O educador necessita conhecer a diferença que existe entre uma perturbação situacional e dificuldades emocionais menores, e uma perturbação emocional aguda, de tal maneira que possa encaminhar esse estudante a um orientador ou terapeuta. Os educadores que criam um ambiente centrado na pessoa, ao aceitarem todos os sentimentos e amenizarem o comportamento destrutivo, favorecem um ambiente que impede o estudante de desenvolver uma perturbação mais profunda. O estudante atravessa o túnel escuro da emoção até a luz positiva. Gostaria de fazer referência aos seus leitores à terceira edição do livro Freddom to learn (Liberdade e criatividade na educação) de Carl Rogers e Jerome Freiberg (1994).
O mais importante de tudo não tem haver com o treinamento, mas com a atitude. O educador necessita saber como não “obstaculizar o caminho” e confiar que a pessoa pode encontrar seu próprio caminho e ser mais forte e feliz por alcançar a liberdade para fazê-lo. A habilidade do educador para acompanhar, mais que conduzir, será determinante para encontrar o caminho.
Biografia relacionada com a temática do artigo:
Rogers, C. On becoming a person: A therapist’s view of psycotherapy. Boston: Houghton Mifflin, 1965.
Comentário: publicado também em 1965 com uma nova introdução de Peter Kramer.
Rogers, C e Freiber, H. J. Freedom to learn (3a. ed.) New York: Merill, 1994.
Rogers, C e Russell, D.E. Carl Rogers the quiet revolutionary: An oral history. Roseville, CA: Penmarin Books, 1980.
Rogers, N. Emerging woman: A decade of midlife transition. Santa Rosa, CA: Personal Press, 1980.
Rogers, N. The creative connection: Expressive arts as healing. Paolo Alto, CA: Science & Behavior Books, 1993.
Rogers, N. Carl Rogers: A daughter’s tribute [CD-ROM]. Mindgarden Media. Informação disponível no: http://www.mindgardenmedia.com/cr.html
Comentário: Um CD-ROM que contém extratos de capítulos de 16 livros de Carl Rogers com 200 fotos e tomadas de vídeo de assessoria psicológica.