Entrevista Henriette Morato

Entrevista concedida por Henriette Morato*  em 1999 a alunos de Psicologia da Universidade Metodista (São Bernardo do Campo/SP).

Aconselhamento Psicológico

Por: Aretha do Carmo, Marlene Delábio, Thaís Cristina Conde, Valéria Calipo e Viviane Zanuto.

GRUPO: Fale-nos um pouco de você.

HENRIETTE: Eu dou aulas de Aconselhamento Psicológico na Universidade de São Paulo, que é uma disciplina separada. É uma disciplina que não está junto com a Clínica, com dois semestres obrigatórios e um optativo, ou seja, Aconselhamento Psicológico I e II, e o Aconselhamento Centrado no Cliente. O obrigatório é no oitavo e no nono semestre e o  optativo no décimo. Sou também professora da pós graduação também na USP, na área de Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano, dentro da linha de pesquisa de saúde e desenvolvimento, relações, instituições e personalidade.

GRUPO: O que é Aconselhamento Centrado na Pessoa?

HENRIETTE: Primeiro tenho que dizer o que é aconselhamento, porque centrado na pessoa já é outra coisa. No meu ponto de vista, o Aconselhamento Psicológico, é  a expressão mais direta e específica do que é o trabalho do psicólogo, principalmente nos dias de hoje. Isso começou a aparecer por volta dos anos 40, depois da guerra, no sentido de poder ajudar os veteranos de guerra que estavam voltando. Surgiu também numa junção entre orientação e aconselhamento, estava também voltado para a área escolar, um trabalho que não era bem de orientação profissional, mas de orientação vocacional, mais voltado para conversar, ver os problemas. Também a questão da reabilitação, em função dos veteranos de guerra e aí aos poucos ele foi se firmando, tanto que existe hoje associações de conselheiros ( esse termo é péssimo, não?, não tem nada a ver) no mundo inteiro, no Brasil não, mas tem nos Estados Unidos, na Europa, na Argentina.

GRUPO: Essa Associação são pessoas que trabalham na A.C.P. ?

HENRIETTE: Não necessariamente, mas trabalham no campo do Aconselhamento Psicológico, enquanto um campo de atuação, o Centrado na Pessoa, é uma das formas, que você pode ter dentro de várias abordagens, pode ter na abordagem psicanalítica, numa abordagem comportamental, numa abordagem mais cognitiva racional, tem várias áreas. O Aconselhamento Centrado na Pessoa é uma derivada de tudo isso como uma possibilidade, como várias outras, com uma certa visão e compreensão dos fenômenos e não enquanto uma prática. Por isso é bom distinguir aconselhamento enquanto uma prática profissional específica do psicólogo e o Aconselhamento Centrado na Pessoa enquanto uma maneira de ver e compreender os fenômenos que são tratados ou vistos através desta prática que é aconselhamento. Então uma coisa não tem nada a ver com a outra. Porque é que se junta? É porque, para Rogers, quando ele começou a trabalhar, ele começou quase sendo um conselheiro. Naquela época, se trabalhava com testes, com diagnósticos, etc. e o trabalho do psicólogo era visto mais como um trabalho complementar ao trabalho do médico. Conforme ele foi desenvolvendo o trabalho dele e percebendo que naquele momento do encontro, enquanto ele fazia diagnóstico, podiam acontecer algumas coisas, ele começa o que seria a terapia centrada na pessoa, que naquele momento chamou de não diretiva.

GRUPO: Nesta mesma época ele cita também a sua decepção com o seu trabalho com o “jovem piromaníaco”, um caso que ele achou que embora tenha aplicado a técnica corretamente, após a alta, o rapaz volta a agir como antes.

HENRIETTE: Esse caso que ele relata e que mostra que não é o trabalho meramente técnico de aplicação escrita, mas tinham outras coisas envolvidas, e aí durante muito tempo, ele começou a falar indiscriminadamente de aconselhamento e de terapia, então era aconselhamento centrado na pessoa e terapia, porque para ele as duas coisas tinham se originado daquele momento, daquele trabalho específico, que ele achava que era próprio, aí que ele começou a ver que tinha uma especificidade o trabalho do psicólogo, na prática do aconselhamento, e que esse trabalho podia se desenvolver a ponto de terminar num trabalho psicoterápico de mais longo prazo. Porém ele começa a usar os termos indiscriminadamente e aí de repente, fica que aconselhamento é só rogeriano, ou só centrado na pessoa, por causa dessa ligação. Mas, ele mantém o campo do aconselhamento psicológico muito claro e quando vai para a Universidade de Chicago, ele cria um Centro de Aconselhamento Psicológico que faz também a psicoterapia, quer dizer, entra via uma consulta psicológica e aí pode vir acabar resultando neste processo de terapia, mas não necessariamente, e isso que a gente conserva aqui dentro do serviço do SAP é essa visão que a gente tem de aconselhamento. Centrado na pessoa está ligado com as mudanças que houveram, primeiro não era centrado na pessoa, primeiro era não diretivo porque implicava numa orientação não direta em cima do cliente, e sim acompanhar o movimento do que o cliente dizia, daí ele achar que isso tinha a ver com uma atitude não diretiva do profissional. Por isso se chamou não diretiva. Depois passou a ser centrado no cliente, e ele mudou essa palavra propositalmente porque ele não via a pessoa à frente dele como um “paciente”.

GRUPO: Porque isso tinha  a ver a linha médica?

HENRIETTE: Não só a visão médica mas é também com o sentido de ser passivo, no sentido de receber, uma certa passividade no sentido de receber alguma coisa, no sentido de não ser proativo no trabalho, quer dizer, é o outro que conduz o trabalho, é o profissional que conduz o “paciente”. Então ele muda o termo exatamente por isso, ele começa a perceber que na medida em que o profissional não dirige mais tanto, não conduz mais tanto este processo, o cliente vai mostrando e portanto, assumindo uma atitude mais ativa e responsável com relação ao próprio processo.Hoje muitos psicanalistas não usam o termo “paciente”, mas a atitude é a mesma, mas naquela época que se usava, e ao passar a se utilizar do termo “cliente” Rogers queria deixar claro que o trabalho com aquela pessoa não era um trabalho médico e de separar também no sentido de que a condição daquela pessoa que estava ali procurando ajuda, não terá uma resposta pronta. Se ela procurou ela sabe para onde ela quer ir, então basta ouvi-la. Daí então começa a se chamar “Terapia Centrada no Cliente”por causa dessa mudança.

GRUPO: Como ele sistematiza essa visão, essas mudanças?

HENRIETTE: Rogers faz uma série de trabalhos e quando ele sai para a Universidade de Chicago e vai para La Jolla, na Califórnia, aí sim ele começa a ver a possibilidade de levar esta proposta, essa maneira, esse modo de ver as relações e a probabilidade de se produzir mudanças a partir de determinadas atitudes, que o psicólogo tem, é que ele muda o termo aí ele sai do campo estrito da psicoterapia e passa para a A.C.P., que é a Abordagem Centrada na Pessoa. Nesse momento é quando ele aborda no livro “Sobre o Poder Pessoal” ampliando o trabalho para a educação, para questões de casais, para empresas (como podem ser melhoradas as relações entre patrão e empregados, sempre mediadas pelo facilitador, que assumiria as mesmas atitudes do psicólogo no processo de terapia) .

GRUPO: Foi moda durante uma determinada época os Grupos de Encontros?

HENRIETTE: Foi, mas muito mais como um processo geral, foi mais uma característica muito mais da sociedade americana, quando então houve um “boom”, que envolveu também a Gestalt, com os Grupos de Encontro. tem também a Bio Energética, mas que por outro lado não foi só Grupo de Encontro, por isso não podemos ver esse processo como que estritamente ligado com a Abordagem. Eu acho que ele vai para os Grupos de Encontro, exatamente porque na época havia um desenvolvimento na sociedade americana de fazer um trabalho maior voltado para grupo, exatamente porque a sociedade estava dentro de um ponto de vista extremamente individualista, então não é uma coisa muito da Abordagem, mas é ela que se insere no contexto sócio cultural, assim como Rogers aparece num momento que é logo depois do pós guerra, e ele é influenciado por muitos filósofos, pessoas que trabalharam com Kiekergaard, Heideger, Sartre, que vão para os Estados Unidos, levando essa nova visão que é a Fenomenológica existencial, para se contrapor à psicanálise e ao behaviorismo. Com isso se juntam para criar a “tal” da terceira força, que é Psicologia Humanista.

GRUPO : Fale um pouco sobre a experiência do Serviço de Aconselhamento Psicológico (SAP), nos pareceu que era um trabalho voltado para o atendimento fora e também para o aluno, era isso?

HENRIETTE: Exatamente porque o trabalho aqui teve origem com pessoas, e a principal delas foi o Prof. Oswaldo de Barros, que estudou com o Rogers, então quando ele vem para cá, ele cria esse serviço no sentido de criar algo semelhante ao que ele tinha visto desse Centro de Aconselhamento na Universidade de Chicago e que era um trabalho essencialmente voltado para a comunidade dentro daquilo que se compreendia como Terapia Centrada no Cliente. O Oswaldo começa a trabalhar com a Raquel Rosenberg, que depois vai também encontrar o Rogers quando ele já está na Abordagem Centrada na Pessoa, então quando ela volta ela trás a expansão das possibilidades do serviço de aconselhamento, transcendendo a um trabalho meramente de psicoterapia. Agora, que fique claro que desde a origem, a questão da consulta psicológica se coloca pra gente, porque criamos um sistema de trabalho aqui que é assim: uma vez por semana o serviço está aberto para a comunidade, e a gente tem o Plantão Psicológico, a pessoa chega e é atendida por um profissional e aí  começa a ver as possibilidades de ajuda de uma psicoterapia ou de um encaminhamento para algum outro lugar, se alguma coisa específica, justamente para tirar a idéia de que todo mundo que vem pedir ajuda psicológica está precisando de psicoterapia.

GRUPO: O encaminhamento é feito para um trabalho dentro da ACP?

HENRIETTE: Não necessariamente, porque acontece o seguinte: a gente tem um modo de ver esse trabalho psicológico, e não de seguir “stricto senso”, o que Rogers dizia. Acho que a forma que a gente tem de respeito ao cliente, de compreensão daquilo que ele está dizendo e de comunicar aquilo que a gente está vendo e também ser honesto nessa comunicação, aquelas tais das atitudes básicas, independente de você fazer ou não um trabalho dentro do que Rogers propõe, porque o que ele propõe como Terapia Centrada no Cliente são essas três condições: Aceitação Incondicional, a Empatia e a Congruência.

GRUPO: Por isso que Winicott faz um trabalho semelhante.

HENRIETTE: Por isso que alguns freudianos hoje, por exemplo La Planche, que ouvem Lacan, mas estão mais preocupados em ver a psicanálise e não fazer a leitura lacaniana da psicanálise, eles também estão questionando, estão recontextualizando, tirando aquela visão antiga da psicanálise da neutralidade, da questão da contra-transferência, etc e tal, renomeando isso e revendo isso como fazendo parte mesmo do processo, e portanto tem que ser atitudes que tem que ser elaboradas dentro do próprio processo e não à parte.

GRUPO: Como a Abordagem trabalha com aquela pessoa que é trazida para atendimento contra a vontade?

HENRIETTE: Eu converso com as duas pessoas, tentando mostrar que o querer passa por um processo anterior que deve ser analisado, que é a diferença entre queixa e demanda. O trabalho do Plantão Psicológico é muito isso: ajudar o cliente a se apropriar da demanda que seria este querer, levá-lo a perceber, realizar, no sentido de tomar consciência de que ele precisa, e não porque ele está aqui pelo outro que disse que ele precisa e ele está obedecendo ordem. Fazê-lo ver que isso é importante para ele, a gente trabalha a demanda, da fala ser a dele e não a do outro.

GRUPO: O trabalho do Serviço de Aconselhamento Psicológico seria uma espécie de Psicodiagnóstico?

HENRIETTE: A gente não faz testes, em geral psicodiagnóstico envolve teste. Acho que o que você queria perguntar é qual a diferença da triagem. Primeiro, o que significa diagnóstico? significa “para conhecer”, “na direção de conhecer”, bom se for tomado nesse sentido, nós fazemos psicodiagnóstico porque o trabalho do plantão é “para conhecer” tanto do lado de quem procura, como do lado de quem é procurado. Triagem é outra coisa, é como se eu fosse um garimpeiro, o profissional vai atender, ouvir a queixa, para compreender a demanda a fim de ajudar o cliente a ver a demanda, aquilo que é pedido de ajuda mesmo e não o motivo pelo qual ele veio, essa é a diferença. É fazer ele sentir que veio pedir ajuda.

GRUPO: Isso dá para fazer no primeiro dia, no primeiro atendimento?

HENRIETTE: É ver para crer! Isso é possível sim. Pode acontecer numa única sessão, ninguém acredita, mas pode ser. Quando não fica claro, o que a gente faz. a gente marca retorno, então, esse é um trabalho que pode terminar ali, pode se desdobrar em um retorno ou em alguns retornos, vai depender de cada caso, não tem uma regra, o importante é que chegue o momento que a ajuda leve o cliente a fazer a opção, ou seja, assumir que deseja de fato a ajuda, e desejar o que podemos lhe oferecer, ou dizer que não quer nada e ir embora. Pode até acontecer do cliente cuja opção é reconhecer que precisa, mas no momento não quer ajuda.

GRUPO: Isso é feito por um profissional ou por um quinto-anista ?

HENRIETTE: É feito por um quarto-anista. Na verdade a partir do oitavo semestre o aluno já está nesse processo de atendimento, ou seja, tem também quinto-anista, e nós professores também atendemos, principalmente no período de férias dos alunos. Quando é o aluno que atende a supervisão é imediata, ele acabou de atender, ele vem e já discute com um de nós. Outras vezes, eu entro junto com o aluno.

GRUPO: Mas um quarto-anista é capaz de identificar a diferença entre queixa e demanda?

HENRIETTE: Identifica sim, você é que pensa que não é capaz, mas na hora você vai saber por em prática o que aprendeu. Por isso, que com alguns alunos, as vezes entra junto um professor.

* Henriette Tognetti Penha Morato é Professora Doutora do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade e Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

FONTE: Monografia apresentada à disciplina de Teoria e Técnica Psicoterápica II  da Faculdade de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo pelas alunas Aretha do Carmo, Marlene Delábio, Thaís Cristina Conde, Valéria Calipo e Viviane Zanuto em 1999.

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