Entrevista Afonso Fonseca

Entrevista concedida por por Afonso Fonseca  em 2000 a Patrícia Bastos  no X Encontro Nordestino de Abordagem Centrada na Pessoa – Serrambi/PE.

A ABORDAGEM CENTRADA INSERIDA NAS  DIMENSÕES INSTITUCIONAL E CULTURAL

Por: Patrícia Bastos.

Pensar na Abordagem Centrada, a partir de uma  visão política assistencial na Saúde Mental, é uma idéia muito boa, e satisfatoriamente ousada.

A ACP é boa em termos da relação pessoa a pessoa, porém existe nela uma lacuna grave a respeito da reflexão sobre a Instituição, talvez na reflexão sobre o poder institucional e pessoal. Rogers fala no poder institucional, entretanto de forma bastante genérica.

A ACP é precária na reflexão sobre o papel do (ser) terapeuta enquanto Instituição – fala-se mais no terapeuta enquanto pessoa, apesar do ser terapeuta representar também  ser Instituição.

Um outro aspecto é a ausência de uma reflexão sobre a cultura, considerada uma lacuna na ACP, principalmente quando se pode pensar nos fenômenos culturais, p. ex., no que diz respeito aos vínculos nos psicóticos ou sujeito atípico como ser cultural.

Que cultural é esse, quando o sujeito funciona não conceitualmente, mas rompendo com todos os padrões consensuais e potenciais com a cultura, rompendo com a linguagem…..?

A ACP é trancada nas reflexões sobre a pessoa, principalmente com relação ao psicótico enquanto ser cultural ou anti-cultural.

Independente de qualquer posição, a ACP é aplicável na reflexão institucional, mas não se pode deixar de considerar a existência de sua fragilidade neste contexto: muitas vezes ficamos perdidos num oceano de teorias sem a contextualização institucional.

Daí surgir a necessidade de se pensar sobre as lacunas existentes na ACP relativas aos aspectos institucional e cultural que podem proporcionar um maior entendimento do processo fenomenológico existencial da abordagem e sua ampliação teórico-prática no contexto da Saúde Mental.

Num hospital psiquiátrico pode-se verificar uma cultura  profundamente estruturada, p. ex., você quer se relacionar com um paciente enquanto pessoa, mas você não é visto como pessoa por ele, pois você é um agente institucional; e como é que fica isso? Se um terapeuta de consultório é considerado um agente institucional, em um hospital psiquiátrico não restam dúvidas quanto ao seu papel institucional.

É evidente que se pode superar a condição institucional, e isso representa um grande jogo na ACP,  ou seja reconhecer a dimensão institucional e superá-lo, dentro da medida do possível, porém se faz necessário sair um pouco do  referencial da ACP, para pensar em um outro sentido; os psiquiatras existencialistas ingleses, como Ronald Laing ( O eu dividido, O eu e os outros, Política da experiência e a ave do paraíso), David Cooper (A linguagem da loucura, Política da família), encontram-se bastante próximos da Abordagem Centrada, por serem fenomenológicos existenciais.  Tanto Laing com sua equipe, quanto Cooper com sua equipe também, tiveram um encontro com Roger na Inglaterra nos anos de 80; estes existencialistas trabalharam mais com a questão do doente mental (Basaglia está mais relacionado com a questão institucional, distanciando-se das reflexões de Laing e Cooper). Outros  também trabalharam com a questão institucional, como Rotelli, Goffman ( Estigma, e Conventos, prisões e manicômios), Michel Foucault (Microfísica do Poder) e Alfredo Monfat (Psicoterapia do Oprimido).

Estes estudiosos podem indicar o insight na questão institucional, visto a partir de uma perspectiva fenomenológica existencial na ACP, é dizer que apesar destes estudiosos não se referirem à  ACP, estabelecem uma ponte entre a Abordagem Centrada e a instituição, seja uma instituição do tipo psiquiátrica, ou seja a partir de  uma esfera institucional vista de um modo geral.

Então, sendo a via única de reflexão pela Abordagem Centrada, percebe-se um vácuo para a aplicação de uma ponte da ACP dentro das instituições totais como denomina Foucault; parece que ainda vai demorar muito para desvendar esta lacuna, já que a Abordagem Centrada se resume em considerar a pessoa como e só, pessoa.

Por outro lado, partindo de uma sociedade capitalista, baseada nas condições de produção do indivíduo, como fator de valor econômico e não do valor humano ……..deixa-se sempre o indivíduo à margem, quando nada consegue produzir.

Paralelo a reflexão institucional e sua contextualização teórica,  existe a possibilidade de facilitar no paciente psiquiátrico alguns dos princípios rogerianos como: tendência atualizante, congruência e auto-aceitação para possibilitar a ( re )aquisição de sua identidade e potencialidades. Neste aspecto é possível verificar as variáveis que interagem em todo o processo.

Portanto, toda a bagagem teórica que se possa construir quanto a questão institucional na ACP e o crescimento do indivíduo a partir da aplicação de seus fundamentos, poderão representar a melhor maneira de abordar um paciente psiquiátrico como pessoa, ou como relação humana, é a forma mais adequada (…).

Entretanto não está descartada uma reflexão sobre o papel do paciente psiquiátrico, em uma instituição que lida com paciente psiquiátrico, p. ex., fazer terapia com um paciente completamente alucinado (?) …..ele tem uma linguagem que é completamente não consensual…. e aliás, é uma linguagem que facilita se proteger de você….a relação dele com você é danosa para ele…. Sem esta reflexão, a relação da Abordagem Centrada se torna ingênua, e portanto desacreditada.

Da mesma forma que existem diversos tipos de pessoas, também é diverso os tipos de pacientes psiquiátricos. Num livro de Laing  tem uma poesia da autoria de um paciente psiquiátrico, que é assim: “…eles estão jogando o jogo deles, o jogo do não jogar um  jogo, se eu mostrar tal como estão jogando o jogo de não jogar o jogo, receberei a sua punição, por isso  eu tenho que jogar o jogo, o jogo de não jogar o jogo…” (Fonseca),- um paciente psiquiátrico com tal lucidez  perfeita, e mais do que uma lucidez, ele diagnostica o papel do agente institucional dentro do hospital, ele está falando da gente dentro do hospital.

Tem uma coisa em jogo dentro…., é um jogo cultural, (…) muita violência, a gente participa inclusive da violência; muitas vezes, o paciente nem acredita em sua generosidade ou boas intenções, face ao nível de perversão, violência já sofridos. É importante ver a Abordagem Centrada sob o ponto de vista institucional.

Um outro aspecto de relevância está representado pelo uso da medicação, sua relação com o quadro nosológico e a interferência na aplicação da Abordagem Centrada; freqüentemente se verifica que as mudanças que a medicação causa, não permitem ao insight de sentimentos pelo indivíduo, p. ex., em um paciente depressivo, muitas vezes após a medicação, a alegria expressa é uma alegria que não é dele, uma alegria não vivida, ou seja, a depressão não é vivenciada de forma verdadeira, não é sentida pelo paciente. No uso da medicação, sob o ponto de vista institucional, o terapeuta é representante institucional e está numa condição de conivência com a forma em que ela é administrada,  então, ao tentar relacionar-se com o paciente, o terapeuta o encontra dopado   (ou também dopou o paciente!?). Na verdade, o  terapeuta foi conivente, compactuou com a “alienação” do paciente.

Retornando ao indivíduo psicótico, observa-se que na sua alucinação, existe um sentido, um significado próprio, muito forte, face o seu conteúdo que para nós é considerado como um absurdo, um discurso “bizarro”.

Neste caso a Abordagem Centrada é perfeita até para propor a Terapia Familiar; pois permite verificar a posição e dimensão institucionais, assim como a inter-relação de pessoa a pessoa.

“Em termos de psicologia e psicoterapia ainda não apareceu um  Pasteur…, estamos numa fase anterior a Pasteur… não se tem ainda conhecimentos de micromecanismos que produzam a loucura…”. (Fonseca)

Independente do fator social, são aqueles micromecanismos que atuam muito antes do indivíduo nascer, para destruí-lo, e quando não destrói, acaba levando o indivíduo à lapidação, ou seja, quando não destrói fisicamente, acaba por destruir psicologicamente.

Imagine um pai e uma mãe atuando sistematicamente em cima de uma criança para destruí-la?… Como um exemplo prático, tem-se conhecimento de que em  determinadas  culturas antigas, era natural o filho (a) mais velho(a) ou mais moço(a), ficar responsável pelos pais, não casava, não estudava, enfim não tinha nenhuma participação sociocultural na sociedade; nos dias de hoje encontra-se ainda em muitas culturas esse comportamento, só que não muito explícito, escolhendo um indivíduo para ficar sem condições de se desenvolver, sem possibilidades de atualizar-se, enfim, sofrendo sabotagens em seu “destino”. É neste contexto que surge o indivíduo psicótico, o suicida e outros tantos comportamentos mais graves.

A “loucura é construída socialmente” (Fonseca), sem dados comprobatórios das suas ligações hereditárias biológicas.(…)

FONTE: Entrevista concedida por por Afonso Fonseca  em 2000 a Patrícia Bastos  no X Encontro Nordestino de Abordagem Centrada na Pessoa – Serrambi/PE.

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