Entrevista Keyla Carvajal
Entrevista concedida por Keyla Carvajal em 2009 a alunos de Psicologia da UNISA (São Paulo/SP).
ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA
GRUPO: Me fale um pouco sobre sua escolha pela Psicologia e sua formação.
RESPOSTA: Eu escolhi à psicologia, foi meio que aconteceu. Eu tinha 14 anos e, caiu na minha mão um livro de GESTALTERAPIA. Eu olhei e falei “é isso!”e nem pensei em mais nada.Achei que era aquilo e pronto.Entrei na faculdade com 17 anos, dali para frente, foi só psicologia, nem pensei em outro assunto.
GRUPO: Como a escolha pela abordagem Humanista?
RESPOSTA: Olha… Passei por todas as abordagens até o 4º ano de faculdade. Aí eu decidi pela área clínica, acho que foi a 1ª decisão; aí comecei a procurar… Faltou a identidade da abordagem. Comecei a ler um pouco mais sobre Rogers,e me identifiquei de verdade,senti que era mesmo a abordagem que me fazia sentido.acho que o mais importante é isso: você lê e fala assim: “isso aqui bate,faz sentido de verdade´´!
GRUPO: Qual tipo de público você trabalha? (adulto, criança, adolescentes, 3ª. idade)
RESPOSTA: Eu trabalho mais com adulto, adolescente,pouquinho 3ª idade;tem pouca procura,casais também tenho bastante. Criança eu não trabalho.
GRUPO: Explique um pouco como é o processo terapêutico na abordagem centrada na pessoa?
RESPOSTA: Na verdade a ACP, é muito simples e muito complexa ao mesmo tempo, porque ela tem uma liberdade muito grande,mas ao mesmo tempo você tem que ter uma identificação muito forte com a área. A gente tem que embasar nos princípios da abordagem, empatia, para gente realmente se colocar nos olhos do outro, sentir os sentimentos do outro. A congruência da “gente” ser realmente verdadeira, a “gente´´ estar aqui por inteiro… o conseguir realmente dizer aquilo que a “gente” acredita pra o paciente, aquilo que a “gente” está percebendo… em terceiro lugar a “aceitação incondicional positiva”, que eu acho que às vezes é onde as pessoas tem um pouco mais de dificuldade de aceitar o outro como inteiro, aceitar que ele está fazendo aquilo porque ele acredita que aquilo é o melhor que ele tem a fazer, isso não necessita “necessariamente concordar” com aquilo que a pessoa está fazendo, mas à partir do momento que a pessoa aceita, a gente tem chance de trabalhar aquilo que pode ou não ser mudado.
GRUPO: Como é feito o acolhimento do cliente nesta abordagem?
RESPOSTA: Olha, na verdade os princípios já dizem o que é acolhimento, porque se a pessoa está se sentindo entendida, se ela está sentindo que você está sendo verdadeiro com ela, se você está conseguindo “olhar diante do olhar dela”, ela automaticamente sente que está em um lugar aconchegante. Não temos como fugir disso.
GRUPO: Como tentar dizer ao cliente o que é certo ou errado em seus problemas?
RESPOSTA: Essa pergunta é bem interessante… Porque a ACP não vê certo e errado. A princípio não tem certo e errado, muito menos direcionamento. Em nenhum momento eu estou aqui para direcionar o caminho dessa pessoa e dizer o que é certo ou errado. O que eu posso fazer é, tentando “olhar pelo olhar” dessa pessoa, apontar minha visão daquilo e se discutirmos juntos que caminho tomar, se aquilo é o melhor ou pior a ser feito, ou pensado, ou sentido… Mas não existe nenhum padrão de certo ou errado.
GRUPO: Na realidade é tentar abrir a cabeça para uma nova forma de enxergar que aquilo que ele não está conseguindo enxergar no momento…
RESPOSTA: Exatamente! É como se você conseguisse que uma segunda pessoa, tentando junto com aquela, “olhar pelo mesmo olhar´´ e dando um outro ponto de vista mesmo!
GRUPO: O cliente normalmente chega com a auto-estima baixa… O que fazer, logo de cara para que ele se envolva no processo terapêutico e se motive?
RESPOSTA: Na verdade é bem natural, gente… Eu acho que quando a “gente” está aqui, acreditando, se você está verdadeiro, se você está acreditando que aquela pessoa é boa… Rogers fala muito da pessoa por inteiro e está querendo uma evolução, está sempre querendo evoluir. Às vezes ela não acha o melhor caminho para isso acontecer. Se a “gente” acredita de verdade, este “olhando” com um olhar verdadeiro para essa pessoa, se ela se sente acolhida, se a “gente” está falando ainda de “auto-estima”, se ela não está acreditando nela e ela encontra um lugar aonde ela pode acreditar nela, tem alguém que está acreditando nela, já acontece no processo automaticamente.
GRUPO: Logo na primeira… Com certeza ele volta!
RESPOSTA: Certeza a gente nunca tem, porque na verdade, as pessoas às vezes vêm só para colocar algum problema para fora… Então, dizer que assim… 98% das vezes, elas voltam!
GRUPO: Como a abordagem humanista trabalha com aquela pessoa trazida para o atendimento contra a vontade?
RESPOSTA: Acontece mais com criança, mas como eu não trabalho com criança, acontece menos; já aconteceu com adolescentes, até com idosos… O processo acontece mais ou menos assim: nunca vai se forçado! Se a pessoa já chegou aqui, já chegou por uma imposição, a “gente” vai fazer um convite para o processo acontecer. Normalmente as pessoas se sentindo acolhidas, esse processo acontece, mas às vezes eles realmente não querem e em nenhum momento, dentro do que eu acredito, a “gente” pode impor isso. Lógico que existem ambientes, por exemplo uma clínica de reabilitação, em alguns processos, é feito meio que imposto, mas dentro de um consultório, dentro de uma clínica, isso não deve acontecer, dentro do que eu entendo…
GRUPO: As pessoas procuram por atendimento somente quando estão em crises ou também procuram para se autoconhecer?
RESPOSTA: Fica um pouco esquisito se a “gente” não pensar que tem alguma coisa incomodando a pessoa. Tem gente que vem, já a maioria em crise mesmo. Alguma coisa está muito errada, mas às vezes as pessoas vem porque alguma coisa não está legal, tem alguma coisa que está incomodando um pouquinho e tal… Vir com a questão de autoconhecimento pura e simples é muito difícil. Geralmente a pessoa vem porque tem alguma coisa incomodando, ou muito ou pouco, mas tem alguma coisa incomodando…
GRUPO: A “gente” passa por uma fase também “terapia é moda”! Ah, eu vou fazer terapia porque todo mundo faz, porque é legal, na realidade a pessoa não está passando por nada, teoricamente…
RESPOSTA: Mas é engraçado quando a pessoa senta aqui, talvez ela não se deu conta, mas tem alguma coisa que está incomodando…
GRUPO: Rogers fala que muitas vezes deixamos de ser nós mesmos, para tentar agradar ao outro e com isso obter aceitação e amor do outro. As pessoas percebem o quanto se anulam nesta situação?
RESPOSTA: Percebem! Na verdade tem pessoas que percebem logo no começo do processo, já cai a ficha e aí começam a tentar fazer mudanças bem no começo do processo. Tem outras pessoas que esse entendimento vai sendo aos poucos, vai acontecendo. Mas o objetivo da terapia é justamente esse: a pessoa começar a olhar para ela; parar de olhar para o externo e olhar para ela….
GRUPO: É a partir daí que tudo flui, doutora….
GRUPO: Você trata pessoas com distúrbios alimentares, bipolares, fobia, mania… Estes casos são mais difíceis de
tratamento?
RESPOSTA: A gente entende que na verdade a pessoa pode vir com vários rótulos: bipolaridade, mania, distúrbio disso, distúrbio daquilo, fobia daquilo… A princípio a gente olha para a pessoa os sintomas, as características daquela pessoa são únicas para ela porque a gente vai trabalhar em cima disso. A gente vai trabalhar a pessoa, e não necessariamente mais difícil de trabalhar, às vezes é tanto quanto uma pessoa que veio com rótulo nenhum, ou sem sintoma desse tipo.
GRUPO: Carl Rogers via o ser humano como bom e curioso, e que precisa de ajuda para poder evoluir. Você utiliza
alguma técnica durante o processo terapêutico que facilite a emergência de conteúdos?
RESPOSTA: A gente não trabalha com técnicas, na verdade não tem nada que tenha uma ordem certa. O que às vezes, eu pessoalmente, se o cliente gosta de desenhar, se ele gosta de escrever, se ele gosta de falar de futebol, a gente pode usar isso sim, a favor do processo, num meio de comunicação, um meio de troca, nunca como uma questão de interpretação, de dar aquela visão de que vai tirar alguma coisa “milagrosa” de dentro do processo. Na verdade, a gente vai simplesmente olhar para aquilo e dividir o que a gente tem a impressão junto daquilo.
GRUPO: Rogers influenciou muito na educação e na idéia de que o ser humano tem a capacidade do autocrescimento, auto realização e autocorreção. Como você percebe isso em seus pacientes?
RESPOSTA: É a parte mais mágica quando a gente começa a perceber que esse processo de autocorreção, evolução, a pessoa entra no caminho certo de fazer isso, ela começa a usar esse potencial a favor dela. Isso é o processo mais interessante, o que mais satisfaz, quando a gente começa a ver que a pessoa consegue usar isso à favor dela. A vida dela começa realmente a mudar, começa realmente a funcionar porque realmente tem uma capacidade de evoluir, de crescer, de se melhorar, ela só precisa arrumar os caminhos certos para isso acontecer.
GRUPO: Ela adora o que faz, percebeu? Ela adora… Fala de mágica…
GRUPO: Qual dica ou orientação você daria para os alunos que se interessarem nesta abordagem?
RESPOSTA: A ACP, na verdade ela não tem uma coisa muito difundida aqui em São Paulo, e até no Brasil ela não é muito difundida, então a gente tem um pouco de dificuldade com cursos de especialização, com essas coisas… Mas ao mesmo tempo a gente tem a ASSOCIAÇÃO PAULISTA DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA, que é uma associação que acolhe muito, a gente tem tudo que precisa, então o que eu aconselho é ler sobre a vida de Rogers, sobre as obras, ver se existe uma identificação real com Rogers e procurar profissionais da abordagem, procurar associação, participar de Fóruns, de grupos, dessa coisas, que aí a gente vai ver tudo o que a gente precisa em relação à isso.
GRUPO: Que tem nessa associação?
RESPOSTA: Tudo o que está surgindo de novo, tem até um curso de especialização, só que vai acontecer no interior de São Paulo, próximo à Campinas, que também é tudo de dentro da associação, isso tudo começou dentro da associação, tudo funciona desse jeito…
GRUPO: Ok, doutora… muito, muito obrigada mais uma vez…
RESPOSTA: Obrigada por estar podendo participar, e quem sabe ajudar alguém a ter um pouquinho de luz.