MAURO MARTINS AMATUZZI

Foto enviada por Débora Prado

Mauro Amatuzzi

MAURO MARTINS AMATUZZI

(Texto de Débora Cristina PradoJANEIRO DE 2006)

Quando eu era moleque não imaginei que minha vida seria assim…

“Não sei bem por qual motivo, outro dia andei vasculhando minhas

memórias para me lembrar de meu primeiro contato com Rogers ou algo rogeriano.

Daí lembrei-me de um contato: Foi aí pelos idos de 1968. Eu não era psicólogo ainda…”

Mauro Amatuzzi, descendente de portugueses e italianos, seu bisavô materno foi fazendeiro em Minas Gerais (no tempo da escravatura) e seu pai é filho de imigrantes italianos enraizados no Brasil na segunda metade do século XIX, nasceu em setembro de 1936, na cidade de São Paulo, onde seus pais se conheceram e onde ele morou a maior parte de sua vida.

A figura de Jesus de Nazaré o fascinou desde a adolescência, direcionando-o à vida religiosa. Mauro viveu em uma comunidade religiosa católica por alguns anos e levava isso muito a sério. Nessa comunidade, de dominicanos, estudou filosofia e teologia. Para ele, este período foi muito representativo:

“Curti muito isso. As grandes crises existenciais de minha vida foram vividas nesse contexto. Não foram crises de identidade, mas crises filosóficas, existenciais, de um significado mais profundo. Aconteceram quando eu era um jovem adulto. Por que eu existo? De onde venho? Qual o sentido do mundo, do universo? Existe um Deus? Jesus tinha alguma relação especial com Ele? Cheguei a pensar se eu deveria compactuar com essa vida absurda ou deixar-me morrer. Por essa época cheguei a consultar psiquiatras e psicoterapeutas. Mas não pensava em me tornar psicólogo”.

Foi enviado à França, por esta comunidade religiosa, para estudar e com intuito de voltar e lecionar, como de fato aconteceu. Morou por dois anos na Europa, e lá fez um curso que equivaleria ao mestrado em teologia no Brasil, desenvolvendo um trabalho sobre a psicologia da fé. Voltou da França em 1964, logo depois do golpe militar. Três anos depois estaria se encaminhando para o Rio Grande do Sul, onde participaria de um curso para formadores de religiosos:

“Foi um ano de lembrança muito boa para mim. Uma espécie de Oásis gostoso, entende?”.

Segundo ele a vida em São Paulo tinha um aspecto meio austero que não combinava muito com seus sonhos. Sonhos esses, mais voltados para a Amazônia, para a África, para o convívio entre índios ou negros africanos, do que para a austeridade paulistana.

Neste curso no sul estudavam bastante psicologia. A orientação era mais voltada à psicanálise, o autor mais citado era o Igor Caruso, na época o principal representante da escola de Viena. Esse curso foi longo: Morou no Rio Grande do Sul um ano inteiro.

Um dos professores convidados para esse curso foi um padre jesuíta, professor da Universidade Católica (PUC) do Rio, parece que seu nome era Benko… Nunca mais o viu, mas o impressionava o modo de ele estar com o grupo, com as pessoas. E foi através deste professor que Mauro teve seu primeiro “contato com Rogers”, pensamentos e práticas da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). O contato humano com este professor foi inesquecível para Mauro. Lembra-se que o tipo de presença deste professor era bem diferente dos outros professores: nos intervalos ele saía passeando com grupos de alunos e conversava de igual pra igual com todos. E o que o marcou nisso tudo foi que se sentia compreendido quando conversava com ele e não discutido, interpretado ou questionado, e gostava disso!

Paralelamente às indicações de textos, Mauro tomou contato com mais textos de Rogers que o tocavam muito, principalmente pelo estilo de relação do autor com os leitores, parece que Mauro o sentia muito próximo, sem desigualdade humana. Amatuzzi comenta:

“Não tanto pelo conteúdo (nem me lembro que textos foram), mas pelo tom pessoal com o qual ele escrevia. Não era alguém que falava digamos como professor do alto de sua cátedra, mas propondo o que ele pensava como pessoa igual. A impressão que esses primeiros textos me causaram foi incrível: estava ali alguma pessoa que falava como gente, para outras gentes iguais”.

Quando voltou do Sul foi à busca do vestibular, na PUC-SP, para o curso de Psicologia, pois queria dar continuidade ao projeto de aproximação com a psicologia. Ele foi formando da última turma da PUC que teve o curso em seis anos, se formando psicólogo em 1974.

Neste período desejou ainda dar continuidade a uma análise começada por lá no RS. Procurou por três analistas, indicados por um professor amigo e escolheu a Dra. Noemy Silveira Rudolfer com quem ficou seis anos em análise. Ao final desse período já estava assistindo grupos terapêuticos dela, como observador, e participando de conversas formadoras com ela. Era uma psicanalista da Sociedade de Psicanálise do Rio, embora morasse em São Paulo, por quem Mauro guarda lembranças com muito apreço:

“Ela me disse um dia que aquilo que estávamos fazendo podia ser considerado como análise didática e que eu poderia validar isso junto à Sociedade. Mas nunca me preocupei com isso. Acho que ela queria que eu fosse um psicanalista formado por ela. Tenho dela uma recordação querida, embora distante, como deve acontecer para com um analista… Uma coisa interessante de que me lembro: um dia disse à minha analista que queria ler Freud. Ele me disse que não me aconselhava a isso. Eu estaria correndo o risco de intelectualizar minha análise. Disse-me que não era a hora. Achei sábio. Deixei pra depois. Soube, algum tempo depois, que ela havia falecido. Fiquei muito triste por não ter tido conhecimento disso, a tempo de fazer uma visita ou ao menos de ir ao enterro”.

Mais ou menos a essa altura Mauro começou a se questionar sobre certas coisas de sua vida. Sentia falta de vivenciar de forma mais livre sua afetividade. Até então vivia como um celibatário. Foi um período sofrido de enfrentamentos pessoais, que terminou com um pedido ao papa: queria deixar a comunidade religiosa e continuar sua vida como um cidadão qualquer. Pediu permissão à igreja para isso, pois havia se comprometido com a igreja. Na época o papa era Paulo VI, e foi ele quem lhe mandou dizer que ele podia seguir sua nova vida, que estava liberado de seus compromissos com aquela comunidade. Mauro conserva por Paulo VI uma lembrança carinhosa e um afeto grande, como de um filho para com o pai.

Durante a faculdade procurava ver o valor de cada teoria que estudava. Uma coisa curiosa: O primeiro trabalho na faculdade não foi como simples aluno, e sim foi ser monitor de análise experimental do comportamento. Ajudava os alunos a condicionar ratos. Durante a graduação, acompanhada também pelo processo analítico, não parece ter tomado uma posição teórica exclusiva. Estudava tudo que podia, observava práticas diversas, procurando aprender com todas. Porém, nos estágios do último ano da graduação, evitou usar testes psicológicos com seus clientes, diferente da conduta prática na época. Para Mauro, os professores rogerianos não o marcaram muito, nem se lembra muito bem deles, se é que teve algum: Há aqui um vazio de lembranças!

Depois de formado trabalhou numa equipe multidisciplinar que prestava serviços a grupos, inicialmente de trabalhadores. A equipe tinha o apelido de “Robin Wood” porque não cobrava nada dos pobres, mas sim dos ricos. Essa equipe durou mais ou menos cinco anos, e foi lá que conheceu e se apaixonou pela estagiária de direito, Helô, sua companheira até os dias de hoje, com quem tem quatro filhos.

Mauro se refere à Helô, com muita consideração e reconhecimento. Quanto lhe perguntei se podia se referir a ela como companheira, ele respondeu de um jeito que me tocou de forma especial:

“O termo companheira cabe bem sim, porque ela me acompanha em muitas coisas até mesmo da psicologia. E eu a acompanho também. Se você quiser pensar em termos de presença ativa no meio, gosto de pensar isso como presença de casal. Deixei de ter uma presença meramente individual, digamos assim, e passei a ter essa presença de casal. É assim que a gente pensa nosso caminho comum. Mesmo quando ela está fazendo uma coisa e eu outra, é como se tivéssemos uma mesma perspectiva, entende? E de vez em quando conversamos sobre essa perspectiva de vida”.

E continuou falando desta época:

“O término de minha faculdade (1974) coincidiu com meu afastamento da comunidade religiosa onde vivia. Afastamento, digo, enquanto residente. Continuei ligado ao ideal e com certa freqüência visitava a comunidade. Estando liberado de meus compromissos de celibatário, comecei a namorar. O casamento coincidiu mais ou menos com o término da faculdade e com o término da análise. Outra coisa sábia que me lembro de ter ouvido de minha analista: os primeiros tempos do casamento devem ser vividos sem análise. É uma experiência que devemos fazer diretamente, sem intermediários, digamos assim. Ela me deu alta e eu dei por encerrada minha análise. Procurei psicólogos depois, muitas vezes, mas não foi o equivalente a um outro processo analítico. E nem eu queria. Algumas dessas vezes fui ajudado (como cliente de psicoterapia) por rogerianos: o Oswaldo de Barros Santos, quando ainda morava em São Paulo, o Antônio Faur, quando já morava em Campinas, e o John Wood que me atendia na fazenda onde ele morava em Jaguariúna, e mais tarde em Campinas. Em Campinas também fui atendido pelo Clóvis Martins. Tenho boas lembranças deles. Do Clóvis nem são lembranças: atualmente convivemos através da Associação Paulista da ACP. Todos muito acolhedores e muito diferentes do estilo psicanalítico”.

Nessas alturas ele já tinha se tornado um psicólogo, professor, terapeuta, trabalhos com grupos…

No começo esses trabalhos com grupos seguiam uma linha de dinâmicas de grupo mais ou menos programadas. Com o tempo foram ficando mais flexíveis.

“Acho que antes de atendermos a um pedido de um grupo, devemos pensar no que eles querem ou precisam, e em como podemos melhor atender. E acho que não é sempre do mesmo jeito que devemos atender”.

Quando iniciou sua vida de psicólogo, atendia nas salas do INEF (Instituto de Estudos e Orientação da Família). Era ligado a esse instituto através de um amigo. O supervisor deste instituto era Dr. Deocleciano Bendocchi, um psicanalista famoso. Lembra-se que nas supervisões relatava seus atendimentos de modo muito diferente dos outros. Falava dos sentimentos que tinha percebido nas pessoas e não procurava interpretações mirabolantes. Pouco a pouco foi ficando claro que aquela não era sua turma. Um dia o Deocleciano lhe disse claramente: “acho que você está no lugar errado; você deveria procurar as pessoas que têm essa mesma orientação que você!”. Isso lhe foi decisivo… Foi então que Mauro foi procurar a Raquel Rosenberg, na USP.

Na USP buscou um curso de especialização em Aconselhamento Psicológico Humanista, organizado por Raquel Rosenberg, uma discípula do Oswaldo de Barros que foi quem introduziu as idéias do Rogers na USP.

“Foi um ano e meio de intensas vivências. Teóricas e práticas. Li a obra de Rogers e ela passou a ser uma referência para mim. Resultou desse tempo um artigo publicado sobre trabalhos com grupos e um livro prefaciado pela Raquel Rosenberg (Crescimento e Ajuda: veredas em Psicologia). Gosto muito desse livro até hoje. Ele é quase poético. São pequenas histórias e reflexões sobre os caminhos do crescimento e sobre as atitudes do que ajuda”.

Nesse tempo Mauro atendia em um consultório e dava aulas em algumas faculdades (um pouco como é até hoje, porém, hoje sua vida acadêmica ocupa maior tempo que a vida de atendimentos clínicos ou de grupos).

Lá pelo fim do curso de Especialização, Raquel Rosenberg o convidou para o I Fórum Internacional da ACP, no México, onde conheceu muita gente da abordagem, e o próprio Rogers:

“Foram oito dias memoráveis. Convivi muito mais com os latinos porque o meu inglês é bom para leitura mais do que para conversa. Mas tive uma conversa com o Rogers que, mesmo rápida, me deixou uma marca profunda. Nunca vi pessoa tão profundamente compreensiva como ele… A impressão que tive do Rogers foi antipática no início: um cara alto, magro, de calça azul marinho e tênis branco, pouco comunicativo, que não olhava para você quando passava. Até que um dia, em meu inglês macarrônico, quando ele estava passando por um corredor eu o chamei: Carl? Ele parou e voltou-se totalmente para mim, pegando em minhas mãos. Mudou totalmente minha impressão. Naqueles 5 minutos ele ficou inteiramente comigo e eu pude sentir a qualidade de sua presença compreensiva e respeitosa. Nunca vou esquecer: é o terapeuta que eu gostaria de ter tido!”.

Em torno ou a partir dessa ida ao México começava um período em sua vida em que freqüentou muitos grupos, workshops (oficinas), fóruns, encontros da abordagem centrada na pessoa. Também foi facilitador ou mesmo organizador de grupos nesses anos, alguns desses em Vinhedo. Aliás, esses trabalhos em grupo estiveram presentes em sua vida mesmo antes de ser psicólogo.

Deixou de freqüentar os grupos da ACP, como fóruns, workshops por duas razões: Uma delas por haver um divórcio grande entre as perspectivas acadêmicas, com as quais estava cada vez mais envolvido, e as perspectivas das práticas dos grupos. A outra razão se deu por conta de um desgaste sofrido com uma polêmica entre ele e um colega do nordeste, Afonso Fonseca, ocorrida no grupo virtual da Rede Nacional da ACP (Lista ACPBrasil). Na época ele não entendeu muito bem o que estava acontecendo, mas hoje entende um pouco melhor.

…oooOooo…

Queremos comentar aqui algumas datas marcantes na história acadêmica ou com a ACP de Mauro:

Em 1979, no I Encontro Nacional de Psicologia Humanista, no SEDES em S. Paulo, Mauro falou sobre grupo centrado na tarefa e grupo centrado no grupo. Estava então deixando de trabalhar com dinâmicas programadas (como fez durante muito tempo na equipe Robin Wood) e começavam as experiências menos estruturadas que seguiam o fluxo experiencial do próprio grupo. Coisas que aprendeu na especialização da USP, com Raquel Rosenberg e outros colegas (no meio dos quais estava a Raquel Wrona).

Em 1982, foi ao México, como já foi dito, por indicação da Raquel Rosenberg. Acontecia em Oaxtepec o I Fórum Internacional da ACP, por organização do Alberto Segrera e outros. Lá conheceu Carl Ranson Rogers e muitos outros grandes nomes da ACP. Um deles foi Salvador Moreno (que hoje trabalha com focalização). Levou ao Fórum um trabalho meio filosófico, meio poético que tinha o título “A selva, o caminho e a meta”, que traduziu para o inglês. À partir desta experiência, Mauro intensificou ainda mais sua proximidade com o México e de alguns mexicanos:

“O México me impressionou muito e me cativou. Voltei lá muitas vezes. Tive vontade de fazer mestrado com o pessoal da ACP na Universidad Iberoamericana, num programa de Desenvolvimento Humano (Desarrollo Humano). Mas era muito caro e eu não poderia ir com minha família, sem uma bolsa. Mas não consegui bolsa…”

Lá em Oaxtepec conviveu bastante com Afonso Fonseca, de quem já se sentia amigo. Junto com ele e outros (o Luís Henrique, de Petrópolis, o Jaime Doxey, de Vitória e mais o Hipólito de Petrópolis, que depois sumiu dos encontros ACP), organizaram o I Encontro Latino da Abordagem Centrada na Pessoa, que aconteceu em 1983, em Pedro do Rio, no estado do Rio de Janeiro.

Foi o Fórum do Rio que mexeu com Mauro: sua primeira experiência forte de ser mobilizado por um grupão comunitário centrado na pessoa! Apresentou um trabalho propondo uma releitura existencial de proposições rogerianas. Sincronicidades…

“Lembro-me que numa madrugada, não conseguindo dormir de tão mexido que estava, fiquei perambulando sozinho pelas redondezas muito tempo antes do pessoal acordar. Que tipo de homem era eu? Mexeu muito mais que Oaxpetec. Não sei se até hoje tenho uma resposta para aquela pergunta”.

Em 1985 participou de um workshop com Rogers em Brasília, que se denominou “Vivendo em Harmonia”. Cento e vinte (120) pessoas reunidas em grupão por 8 dias!

“Foi lá que ouvi o Rogers dizer a um lacaniano que falava o tempo todo e que assim dominava o grupo: ‘eu quero que você feche sua boca porque está atrapalhando a participação dos outros’. Isso aconteceu no fim do segundo dia, por aí. Ninguém agüentava mais o tal do lacaniano”.

Esta fala do Rogers causou um impacto muito grande e foi muito discutida nos bastidores do Fórum, e depois ao longo de alguns anos também: “afinal, onde estava a aceitação incondicional”? Em um outro momento, o próprio Rogers falou que havia dito aquilo que estava sentindo e não viu motivo para não dizer. Alguns ficaram chocados.

Durante essa experiência comunitária aquela pergunta de Pedro do Rio, “que tipo de homem era eu?”, continuava com Mauro…

John Wood estava nesse encontro, e Mauro relembra quando John o tocou no ombro depois de uma fala sua. Acredita que foi neste encontro que John Wood decidiu ficar no Brasil.

O II Encontro Latino da ACP aconteceu em S. Miguel del Monte, na Argentina, em 1985 (a essas alturas, Mauro já estava na UNICAMP fazendo seu doutorado). Neste Fórum ele foi junto com Heloisa. Conheceram e ficaram amigos de vários argentinos e argentinas, além dos que já conheciam do México e de Pedro do Rio. Dentre eles o casal Orlando Martín e Chíqui. Alguns dos mexicanos também estavam por lá. Também chilenos, uruguaios (a Alondra!), e, claro, brasileiros. Lá teve muitos momentos com uma amiga, Virgínia Moreira, do Ceará, com quem conversava muito. O tema do trabalho que levou para lá foi o silêncio. A palavra e o silêncio. Um encontro memorável para Mauro!

Mauro participou também: do III Encontro Latino da ACP, em Sapucaí-Mirim, Minas Gerais, em 1986, onde levou o trabalho “Para além da terapia”; da IV Jornada de Psicologia Humanista, promovida pelo CPP (Centro de Psicologia da Pessoa, onde estavam na época a Márcia Tassinari, o Rogério Buys e a Magale), em 1988; e do IV Fórum Internacional da ACP no Estado do Rio, em 1989, onde levou um trabalho chamado “Psicoterapia como Hermenêutica Existencial”.

Foi em 1988 que participou também de um encontro estadual de estudantes de pedagogia que o marcou. Foi onde pôde refletir sobre “Educação e Compromisso com Camadas Populares”, um tema que está na origem de algumas idéias que tem sobre Psicologia Popular. Estava terminando o doutorado em educação na Unicamp onde havia sido aluno do Paulo Freire, que o marcou bastante. Estava assim definindo uma área de atuação que ficava entre a clínica e a educação, onde até hoje transita. No final de 1988 defendeu sua tese: O Resgate da Fala Autêntica – filosofia da psicoterapia e da educação.

Foi também em 1988 que se mudou para Campinas. A essa altura sua vida acadêmica o absorvia mais que os atendimentos clínicos e os grupos da ACP. Antes disso morou em Itatiba por uns 5 anos. Foi durante esses anos que participou de vários grupos de encontro com Faur e Nadai, amigos de lá. Também começou promover e facilitar grupos de encontro. Afonso freqüentava sua casa em Itatiba – nesta época Afonso ainda morava em São Paulo.

Em 1990 coordenou, com a ajuda da Heloísa, um último encontro naquele velho estilo da equipe Robin Wood. Foram chamados por militantes do PT do Espírito Santo para ajudar a pensar em como as contradições pessoais podiam atrapalhar a militância política. Embora tivessem planejado algumas “dinâmicas”, o grupo foi mais solto e as pessoas puderam se conhecer como pessoas numa atmosfera compreensiva. Para Mauro foi uma experiência bem interessante, pois pessoalmente nunca foi filiado ao partido, mas acredita que puderam ajudar ao grupo como pessoas. Foi um encontro de 3 dias residenciais.

Em 1994 esteve em Maragogi para o VII Encontro Latino Americano da ACP. Levou uma pesquisa sobre o processo terapêutico, que foi bem discutida:

“Ela provocou uma discussão sobre pesquisa acadêmica e seu valor, que não foi sem conflitos. Até parecia que o pessoal do Sul era mais integrado com a academia enquanto o pessoal do Nordeste (já liderado pelo Afonso) era contra a academia. Isso já está mudando. Ainda bem. Não vejo razão para essa oposição entre os estudos acadêmicos e a vida”.

Em 1995 esteve também no VI Encontro Nordestino da ACP, em João Pessoa, onde reencontrou muitos amigos e amigas, e também levou seu trabalho sobre conselheiros populares.

Em 1996 voltou ao México, desta vez junto a Heloísa, para o VIII Latino-Americano da ACP, em Aguascalientes, onde foram todos acolhidos pelo simpático Jesus De Anda. Levou um trabalho sobre Versão de Sentido.

A partir de 1997 entrou com tudo na pesquisa de psicologia da religião. Conheceu outros professores de outras Universidades que também pesquisavam nessa área, ficaram amigos, formaram o grupo de trabalho na ANPEPP, que dura até hoje. Mauro começou procurando compreender a experiência religiosa, depois o desenvolvimento religioso e depois a linguagem religiosa.

“É uma área cativante. Hoje essa temática é aceita na Pós-Graduação da PUC de Campinas (antes não se podia falar disso lá). Hoje até ofereço uma disciplina a respeito (Religiosidade e processos psicológicos). Acho que foi o começo de um juntar aspectos diferentes de minha vida. Acabei publicando várias coisas nessa área”.

Nesse ano de 1997, Mauro retornara novamente ao México para uma Jornada de Desarrollo Transpersonal. Gosta muito de lá e dos mexicanos.

Em 2004 participou ativamente do I Seminário Nacional da ACP em João Pessoa. Um evento acadêmico no Nordeste!  Iniciativa da Marísia e mais alguns colegas do nordeste. Sugeriu aos organizadores que fizessem um “grupão” em algum momento para juntar o acadêmico e o vivencial. Fizeram isso em 2006, no segundo seminário que também participou:

“Foi muito interessante. Esses encontros de João Pessoa me ajudaram a decidir voltar aos eventos da ACP. Devo isso à amizade da Marísia. Fazia tempo que não ia mais aos Fóruns e Encontros Latinos”.

Em 2006, Mauro foi ao Fórum Paulista da Abordagem Centrada na Pessoa, em Vinhedo e gostou muito, diz não ter se arrependido! Redescobriu algo que julga ser muito caro. Na ocasião disse à Raquel Wrona:

“a ACP não é uma teoria psicológica, nem mesmo apenas uma abordagem a problemas humanos, mas é também um grupo concreto de pessoas que tenta realizar uma efetiva vivência comunitária, e nesse sentido, um grupo de amigos; um grupo de amigos que, de certa forma, tem uma mesma inspiração ou tem uma certa direção comum. De algum jeito acreditam num rumo”.

Neste mesmo ano, de 2006, releu com seus alunos da Pós (na PUC de Campinas) o texto da tese na disciplina de Fenomenologia da Linguagem. Para ele uma experiência muito significativa.

…oooOooo…

Refletindo com Mauro:

Quando me pergunto qual minha relação com a ACP, uma resposta que me vem é: Rogers, sem dúvida nenhuma, foi e continua sendo uma fonte importante de inspiração para mim no trabalho de acompanhamento a pessoas e a grupos. Mas isso não me impede de fazer também outras leituras. Acho que um psicólogo que é só psicólogo, não é um bom psicólogo. Ele precisa ter uma cultura humanística bem ampla. Senão não entenderá de ser humano em movimento. Li bastante Martin Buber, Merleau-Ponty, e ultimamente Ortega Y Gasset (ele é incrível!). Gosto de ler bons textos teológicos, por exemplo, Schillebeecks, Rahner, Tillich. Eles fazem muita filosofia, e mesmo psicologia, para fundamentar suas posições; e como tem muita coisa em jogo no que se refere a destinos pessoais além de simplesmente razões, eles têm que ir muito fundo em suas razões. Li também Victor Frankl recentemente. Tenho muita vontade de ler Winnicott. A melhor coisa que aprendi com Ruben Alves foi gostar de poesia. Mas poesia, como qualquer bom texto, a meu ver tem que ser lida bem devagar, meditando, deixando-se impregnar. Isso tudo é muito diferente do que as agências controladoras de pesquisas acadêmicas no Brasil tentam impor à gente.

…oooOooo…

Depoimento da Esther Carrenho:

Para mim o Mauro teve o mesmo efeito que o Rogers teve para ele. Com a diferença que eu o achei simpático logo de cara, quando o conheci em João Pessoa.

Em um determinado momento lá, ele reconheceu diante de todos:

“Pessoal, acho que estou falando a coisa certa na hora errada. Não tem nada a ver com o momento o que eu falei agora”.

Eu não me lembro mais o assunto, mas era um questionamento sobre algo que ele falara. Naquele momento ele ouviu com muito interesse, e desarmado, o que estava sendo questionado e reconheceu publicamente que o seu interlocutor tinha razão. Coisa rara de se ver.

Percebi então que ali estava alguém que era “muito gente”, sem o pedestal que ele até tem direito, mas não faz uso. E no pouco que conversei com ele lá em João Pessoa e depois já em São Paulo, ele sempre me ouviu com atenção e interesse; valorizando a minha experiência e tudo o que eu dizia da abordagem, sem demonstrar contrariedade, ou desconfiança, ou me dando alguma facadinha pelo conhecimento que tenho de psicodrama, Winnicott, ou Gilberto Safra. Mas me acolhendo com muito respeito e consideração. E em todas às vezes me senti aceita e compreendida, mesmo ele não concordando com todas as minhas opiniões.

Tenho um profundo respeito pela pessoa que ele revela ser. E sempre que estou com ele, me sinto melhor e mais espontânea. E tenho mais vontade de ser eu mesma e muito mais vontade de aplicar a ACP, além da minha pratica profissional. Isto é, na minha vida pessoal, com minha família e no meu dia a dia.

Foi enriquecedor, caminhar, fazer uma refeição e falar com ele no Fórum Paulista em Vinhedo. E continua sendo precioso o tempo de trocas de e-mails. Fico contente, que agora, muitos poderão conhecer um pouco da história deste homem que sabe como fertilizar um coração humano.

…oooOooo…

Inversão de sentidos: Ressonâncias produzidas por Mauro em mim:

Tive a impressão que toda vida de Mauro foi muito produtiva… Com muitos investimentos: pessoais, acadêmicos, profissionais, mas essencialmente voltados aos cuidados com “o outro”, preocupado com o ser humano!

Outro dia li num livro que “se olhássemos uns para os outros como iguais, talvez sentíssemos desejo de nos unirmos… e nos dedicarmos…” (ALBUM, 1998, p. 127)[1]. E Mauro me fez buscar este livro enquanto partilhava com ele sua história!

Hoje, o que ressoa em mim, da pessoa do Mauro, é que ele é alguém que se entrega por inteiro quando está com as pessoas, e parece que grande parte de sua história foi assim!

Em alguns momentos privilegiados de minha vida, que tive oportunidade de estar com ele, estive diante de uma pessoa que me olhava nos olhos, me ouvia atentamente, e quase me fazia acreditar que eu era a única pessoa presente, em meio a muitas pessoas queridas, não fossem os ruídos que soavam dentro de mim, e ainda fazem barulhos desordenados…

Não sei se Mauro já encontrou a resposta para a antiga pergunta de “Pedro do Rio”, mas eu tenho minhas “ligeiras” impressões… Acho que ele é o tipo de homem raro, caro, que se permitiu invadir e inundar-se pela essência humana, a essência que Leonardo Boff (2003)[2] acredita encontrar-se no cuidado, com a justa medida de gentileza! Seu jeito de ser, com desvelo e atenção ao outro, que me soa como envolvente, cativante, contribuiu e ainda contribui cada vez mais para que eu melhore a qualidade de meus relacionamentos e me preocupe mais e mais com o ser humano.


[1] ÁLBUM, MITCH. A última grande lição; tradução de José J. Veiga – Rio de Janeiro: GMT, 1998.

[2] BOFF, LEONARDO. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 9ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

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