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O atendimento à criança: Uma proposta humanista relacional.

Juliana dos Santos Lopes[1]

INTRODUÇÃO:

Ao iniciar minha prática profissional de atendimento psicoterápico à criança deparei-me com alguns desafios. [Mais...] Desde o princípio pretendia atendê-las baseada nas concepções da Psicologia Humanista, acerca de relação terapêutica. Embora não deixasse de considerar as contribuições da psicanálise para compreensão do processo de desenvolvimento e constituição da identidade, em minha atuação queria seguir os ensinamentos de Carl Rogers. Considerar a pessoa e não o problema, o vivido no aqui-e-agora, na relação única que se estabelecesse entre a pessoa da criança e a pessoa do terapeuta. Assim, o primeiro desafio envolvia uma mudança de postura: Era necessário sair “de trás” da mesa, ou seja, sair do lugar investigativo e avaliativo proposto pela prática diagnóstica. Tratava-se de iniciar um processo psicoterápico com a criança, centrado na pessoa dela e no que ela estaria vivenciando de significativo no encontro comigo. Era então um lento caminhar em direção a um encontro profundo com a pessoa da criança e com a minha própria pessoa, ou mesmo minha própria criança.

Tal postura implicava em fazer o que Husserl chamou de “suspensão fenomenológica”. Colocar entre parênteses, hipóteses, conceitos, pré-conceitos, sintomas, queixas e rótulos acerca daquela criança, para então me deparar com a “pessoa” que ali se encontrava. Abrir mão, aos poucos, da “pseudo-segurança” obtida através das técnicas, métodos, testes, mesa, cadeira, tudo que pudesse ser interposto entre o terapeuta e o cliente, ofuscando o que, para mim, é o essencial: a relação terapêutica. Rogers (1977) nos ensina que, é a partir de uma relação humana dotada de certas condições favoráveis a aceitação de si e ao pleno desenvolvimento que um processo de mudança interna, visceral pode se instaurar. Isso caracteriza uma psicoterapia. Nesse tipo de relação, deve acontecer um encontro profundo onde me aproximo o mais possível do fluxo experiencial daquela pessoa que ali está, a fim de oferecer-lhe uma compreensão empática desse vivido. Assim, é preciso confiar na sabedoria advinda desse encontro. Foi um processo lento, mas constante. Os resultados dessa postura vêm ratificando cada vez mais as minhas concepções sobre um processo terapêutico humanista e relacional no trabalho com crianças.

Para se falar em atendimento psicoterapeutico de crianças é preciso adotar também uma determinada concepção do que é criança. Parto do pressuposto que: A criança é uma pessoa em desenvolvimento. Possui em si todos os instrumentos que a possibilita evoluir e desenvolver-se e uma tendência a utilizar tais instrumentos, desde que lhe sejam dadas condições favoráveis para tanto. Estrutura sua identidade na relação afetiva com os adultos de referência. Nos primeiros anos de vida, sua principal via de relação com o outro e experimentação do mundo é basicamente o corpo e a comunicação não-verbal. Diferencia-se do adulto não em status, mas em experiência e consciência de vida, percepção de si mesmo e do mundo. Assim, a mesma consideração e respeito que precisa existir na relação com o adulto para que essa se torne terapêutica é necessária quando se trata de uma criança. Essa proposição parece óbvia, mas quando observamos determinadas atitudes adotadas na prática clínica com crianças, verificamos o quanto podemos nos surpreender com a concepção do profissional e seu efeito na prática.

Além disso, a criança está numa fase especial de constituição de sua identidade, fase essa que demanda determinas formas de relação, que favoreçam a sua evolução. Por exemplo, a necessidade de afirmação de uma criança de três anos, aparece geralmente como uma crise de oposição ao poder do adulto sobre ela. É preciso no atendimento identificar tal necessidade e favorecer-lhe o exercer de seu próprio poder, de escolha. Ainda que ela decida por não brincar de nada naquele dia. Ressaltando-se que esse momento em seu processo evolutivo, não necessariamente equivale ao desenvolvimento cronológico.

A PROPOSTA HUMANISTA E RELACIONAL

Rogers (1977) nos esclarece, que para que um processo terapêutico seja desencadeado são necessárias algumas condições:

1. Que duas pessoas estejam em contato

2. Que a primeira pessoa, que designaremos o cliente, se encontre num estado de desacordo interno, de vulnerabilidade ou de angústia.

3. Que a segunda pessoa, que designaremos como terapeuta, se encontre num estado de acordo interno – pelo menos durante o decorrer da entrevista e no que se relaciona ao objeto de sua relação com o cliente;

4. Que o terapeuta experimente sentimentos de aceitação positiva incondicional a respeito do cliente.

5. Que o terapeuta experimente uma compreensão empática do ponto de referência interno do cliente

6. Que o cliente perceba –mesmo que numa proporção mínima – a presença de 4 e de 5 isto é, da consideração positiva incondicional e da compreensão empática que o terapeuta lhe testemunha.

Pois bem, durante o atendimento a criança, por muitas vezes me esbarrava no estabelecimento dessa primeira condição: o contato. Com adultos, priorizamos basicamente para estabelecer um contato, a comunicação verbal. A palavra torna-se tanto o meio de acesso, (a escuta) quanto o instrumento de intervenção no processo terapêutico. Mas ao atender crianças fui percebendo que essa não era a principal via de acesso a elas. Já sabia que se comunicavam através do brincar, do desenho, mas também percebia que se comunicavam de inúmeras outras formas. Foi nesse momento que se deu meu contato com uma outra forma de comunicação e intervenção a comunicação não-verbal e a proposta relacional.

Bem acho importante contar uma breve história desse encontro com a psicomotricidade relacional. Quando iniciei minha prática clínica com crianças em uma creche, atendi uma menina com seus 6, 7 anos, que praticamente não utilizava da comunicação verbal, quando a utilizava parecia-me desconectada da realidade. Joana[1] parecia não estar ali. Minhas intervenções compreensivas pareciam não acessa-la. Era como se ela estivesse num outro nível de comunicação pré-verbal! Através de sua postura corporal, da forma como usava os objetos, ela mostrava quem e como ela era. Comecei a usar, de forma um pouco intuitiva, meu corpo, os gestos, o olhar o brincar para me comunicar com ela. Certo dia, ela veio pra sessão extremamente agitada. Eu tinha a impressão de que ela estava espalhada na sala, movimentava-se sem parar e sem objetivo, com um tom de angústia crescente. Meio intuitivamente, peguei uma caixa de lego e espalhei pelo chão… ela parou estática olhando para aquilo. Sentei no chão e aos poucos fui juntando cada peça em meu colo, com cuidado… Ela sentou-se entre minhas pernas e também foi juntando… foi se juntando e quietando… Apoiou-se em mim e se conteve. Quietou-se. Foi um momento de encontro profundo com aquela menina espalhada, angustiada… Ela foi compreendida empaticamente ali, de forma não-verbal. Logo em seguida, saiu do colo e foi brincar, dessa vez mais organizada começava a brincar comigo, como se fosse um prolongamento meu. Foi por meio dessa modalidade de comunicação que tive acesso a ela, que consegui estabelecer um contato, um encontro verdadeiro, significativo.

Quase que paralelo a essa experiência, conheci por meio de uma profissional mais experiente no atendimento às crianças[1], um grupo de evolução pessoal vindo da Itália que fazia uma formação em Psicomotricidade Relacional. Fui conhecer e achei incrível e estranho ao mesmo tempo. Uma semana de vivência (Sensibilização), onde a proposta era brincar com alguns objetos não estruturados e uma das poucas regras explícitas era, durante o brincar, não se usa a palavra. A princípio, parecia tudo muito solto, mas ao mesmo tempo via uma seriedade, uma coerência lógica nas intervenções. Saí dessa semana, com a certeza de que havia encontrado uma forma de compreender aquela via de contato com a criança. A comunicação não-verbal. Essa é a proposta da Psicomotricidade relacional. Ou seja, a escolha da forma de trabalho, partiu do vivido do experienciado pra só depois ser elaborado teoricamente.

Não pretendo entrar muito na elaboração teórica da proposta relacional, uma vez que não é esse o objetivo do texto. Basta que se tenha em mente de onde vem a psicomotricidade relaciona e para onde vai essa proposta:

PSICOMOTRICIDADE TRADICIONAL: Baseada na concepção que desenvolvimento motor e psíquico estão intimamente ligados, visa favorecer a experimentação corporal através de jogos, exercícios, técnicas de organização do esquema corporal, para percepção de si no espaço, no tempo e no mundo.

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL (André Lapierre – Ed. Física):

· Descoberta de fenômenos relacionais vivenciados pelas crianças durante a execução de exercícios psicomotores;

· Contato com as idéias de Rogers sobre grupos de Encontro. (noção de livre experienciar e não-diretividade)

· Mudança na forma de propor os grupo de psicomotricidade. (jogo espontâneo, material não estruturado, livre experienciar);

· Intervenções priorizando a relação adulto/criança (autoridade, sexualidade, afetividade, agressividade)

Busca de compreensão dos fenômenos surgidos por meio da psicanálise.

Psicólogos de orientação mais psicanalítica. (Esteban Levin, Suzana Cabral, outros).

· Principalmente a Psicanálise Lacaniana

· Enfatizam a interpretação dos fenômenos;

· Uso da palavra como principal via de intervenção;

· Compreensão basicamente psicanalítica do processo.

· Desenvolvimento psicossexual;

· Estruturas psíquicas;

Jogo espontâneo; Propiciar a associação livre via corpo.

Psicólogos de orientação mais humanista (Mauro Verchiatto, Marta Gonzalez)

· Enfatiza a relação estabelecida e compreensão empática do vivido.

· Uso da comunicação não verbal e da relação como via de intervenção a partir do que está sendo vivido e experienciado;

· Intervenção corporal associada a posterior análise verbal do vivido.

· Compreensão de processo de desenvolvimento humano enquanto um Eu-Existencial, que se põe no mundo e se constitui a partir da relação com o outro. (Merleau Ponty)

· Contribuições da psicanálise neo-freudiana. Noção de desenvolvimento psicoafetivo. (Margareth Malher) de espaço e objeto transicional (Winnicott)

Jogo espontâneo, livre experienciar do objeto, do outro. Coloca uma estrutura no trabalho de Lapierre, acrescenta uma concepção de processo de desenvolvimento e projeto de intervenção.

Em Belo Horizonte, a proposta da psicomotricidade relacional de orientação humanista, foi desenvolvida em seu aspecto educativo por Maria Dinah Meirelles[1], com seus trabalhos em creches e escolas infantil e de Nilda Maria Ribeiro, que em seu viés clínico propõe o termo Psicoterapia Relacional à sua forma de trabalho, para falar de um processo efetivamente psicoterapeutico via relação, corpo e jogo espontâneo, desvinculando-se das antigas definições da psicomotricidade tradicional e relacional.

MAS, COMO É ISSO TUDO NA PRÁTICA?

Voltando à definição de Carl Rogers (1977) a primeira condição colocada para que ocorra um Processo Psicoterapêutico, é de que se estabeleça um contato entre duas pessoas. Um contato é um encontro verdadeiro, é uma conexão e uma compreensão da forma de comunicar daquela pessoa.

Tenho compreendido que os primeiros momentos de atendimento à criança envolvem a busca por esse “contato”. Estabelecer contato, comunicar-se, é bem diferente de fazer um rapport, “deixar a criança à vontade”. Trata-se de buscar uma comunicação com a pessoa que está por traz do sintoma, das defesas. Há naquela criança que esperneia no colo da mãe, para não entrar na sala do terapeuta, uma pessoa. Que talvez, tenha medo de entrar, que talvez conheça apenas essa forma de se comunicar, ser vista, que talvez precise da birra para sair da relação fusionada, ou para manter-se nela. Mas, enfim, uma pessoa, que se põe no mundo daquela forma. Assim, no caso da criança esse contato precisa passar pela sua modalidade específica de comunicação, que é basicamente a comunicação não-verbal. A criança utiliza-se do corpo para se comunicar, para se colocar no mundo. De acordo com Ponty (1984) “O corpo é o ser no mundo do homem”. Para esse autor, o corpo é a primeira via por meio da qual a criança entra em relação com os outros é essa a primeira via de comunicação, anterior a linguagem verbal. Trata-se da interação através do corpo, das posturas corporais, do diálogo tônico conforme nos ensina Wallon (1962). Essa é a chamada comunicação não-verbal. É através desse tipo de comunicação que se inicia o processo.

Portanto, ao atender uma criança, se faz necessário que sejam estabelecidas Condições Facilitadoras dessa modalidade de comunicação. Essas condições podem ser entendidas, tanto do ponto de Vista Externo: estrutural, quanto do Ponto de vista interno: relacional. Quando falo de um ponto de vista estrutural, estou me referindo a uma estrutura física que ofereça ao terapeuta condições seguras de trabalho. Oferecer à criança um ambiente seguro, um espaço físico de atendimento adequado à uma criança, à sua forma peculiar de comunicação e expressão. Esse ambiente possui algumas peculiaridades. Tenho observado que móveis em excesso, peças de decoração e outros materiais desnecessários, muitas vezes se interpõem a relação terapeuta criança. Fazem com que este precise se ocupar mais com os limites relacionados ao ambiente, (pode isso, não pode aquilo, cuidado com isso etc), do que se voltar para o que haveria de essencial no início de um processo terapêutico, ou seja, a qualidade da relação estabelecida com a pessoa da criança. Rogers (1977) coloca que é necessário que se estabeleçam condições favoráveis para que o organismo possa liberar-se e permitir a plena realização da tendência a atualização. Penso que, estas condições também precisam ser favoráveis para o terapeuta. Ele precisa estar seguro quanto ao ambiente não precisando se ocupar diretamente com outros objetos durante a vivência.

Do ponto de vista relacional, falo da disponibilidade pessoal para receber uma criança. Da aberturam para estar com ela. Como já disse meu objetivo não é avalia-la, investigar ou observar seus sintomas, diagnosticá-la, mas sim, encontrá-la, conhecer a pessoa que está ali sua forma de comunicar-se. Assim, nas primeiras sessões, procuro voltar toda minha atenção para a pessoa em sua unicidade, o que a caracteriza, o que a diferencia dos demais. E também em sua universalidade, aquilo que é característico do processo de desenvolvimento humano de qualquer pessoa. Assim, minha ênfase é na relação.

1. Conhecendo a pessoa/criança.

Num primeiro momento, buscarei conhecer como ela se coloca no mundo. Para isso utilizo-me não só da escuta através da fala. Mas da escuta possível através de meus olhos, escuto seu posicionamento através do corpo. Da escuta que faço de meu próprio ser em relação com aquele outro ser. Escuto as sensações, emoções que vêm surgem ao estar com ela. Assim busco compreender e conhecer: Como ela lida com o espaço? Se é expansiva, “espalhada”, contida. Como ela temporaliza? Vive um tempo próprio, se perde no tempo, adapta-se ao tempo da realidade, transgride, submete-se a ele em excesso. Como se relaciona comigo? Um parceiro de jogos e brincadeiras? Uma autoridade a obedecer ou a enfrentar? Fica à espera de comandos? Submete-se a meu desejo, ou assume logo o comando das brincadeiras, coloca e inventa as próprias regras? Busca o contato mais afetivo, corporal mais regressivo, ou mais afirmativo? Ou é mais distante, foge do contato? Como se relaciona com os objetos?­ Que uso faz deles, como meio de comunicação, como objeto transicional, como objeto simbólico. Enfim, como é sua existência, como se coloca no mundo.

Paradoxalmente, para compreender todas essas coisas é necessário desligar-me dessas coisas e centrar na relação. É na relação que a pessoa da criança se manifesta. Assim, é necessário deixá-la livre. No sentido de permitir-lhe experienciar aquele espaço, aquele encontro, da forma dela. Acompanhando-a num primeiro momento, adaptando-se a seu ritmo pessoal, até chegar a compreensão de suas necessidades psicoafetivas, ela dá a guia, ela apresenta o ritmo do processo. Assim, se uma criança chega, se relacionando basicamente no nível intelectual, desconectada do nível emocional, utilizando-se de jogos estruturados, no caso da psicomotricidade, próximo á atividade de educação física, é preciso buscar estabelecer o contato com ela a partir daí, para gradativamente ir propondo formas de brincar, mais próximas do lúdico e do experienciar corporal. Por outro lado, se ela chega em silêncio, à espera de ordens e comandos, é preciso talvez oferecer-lhe algumas guias, mostrando-lhe possibilidades de uso do material, sem no entanto determinar o que deve ou como deve fazer.

O primeiro momento é um momento de conhecê-la, sem ocupar-se do que virá depois. À medida que se estabelece esta comunicação autêntica. Nesse momento procuro comunicar conforme é proposto por Rogers, mas por meio de posturas e atitudes relacionais: a) que a recebo como ela é e a aceito como ela é. Estou disponível para ela; b) que ela tem um valor enquanto Ser único .c) que a sua forma de ser Pessoa, tem um valor. Paralelamente e, sempre na medida do necessário. Buscarei dar-lhe a segurança do que é jogo e do que é real. Oferecendo-lhe limites basicamente para a integridade física e emocional das pessoas envolvidas: criança e terapeuta. (horários, momento de brincar, momento de parar a brincadeira, etc).

Após esse primeiro contato, faz-se necessário facilitar a sua comunicação, que entendo se dá no brincar. Nesse sentido, concordo plenamente com Winnicott quando afirma que:

“A Psicoterapia se efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas. Em conseqüência, onde o brincar não é possível, o trabalho efetuado pelo terapeuta é dirigido então no sentido de trazer o paciente de um estado em que não é capaz de brincar, para um estado em que o é”.(Winnicott, 1975. p59).

2. Facilitando a comunicação através do brincar

Esse ambiente facilitador vai sendo percebido aos poucos pela criança, gradativamente ela mostra sua forma, sua existência. Penso que: O segundo objetivo do terapeuta então deverá ser o de facilitar “o brincar”. É no brincar que a criança se mostra verdadeiramente como ela é, vivencia e elabora suas emoções e conflitos. É preciso ajudá-la a colocar cor na brincadeira, dar vida ao seu brincar, encontrar-se ou reencontrar-se com seu espaço ‘potencial’. Ou mesmo ajudá-la a descobrir o brincar “de verdade”.

Mas como posso saber se a criança está “brincando e verdade” ?

Quando está inteira no que está fazendo. Desligada do mundo externo, mas ao mesmo tempo ligada, presente e viva ali na brincadeira. Quando surge um colorido emocional na sua brincadeira, alegria, medo, excitação, desejo. Quando experimenta prazer, é divertido. Quando acrescenta conteúdos ao brincar. Quando utiliza o terapeuta como um parceiro “simbólico” na brincadeira. Brinca com ele e não pra ele.

Para facilitar o brincar, é preciso que o terapeuta reencontre seu “espaço potencial” conforme nos ensina Winnicott, o seu jeito de brincar, seu lado lúdico, pré-verbal. Encontre o prazer de se relacionar com aquela pessoa que está ali, através da brincadeira. Abra mão temporariamente de sua forma de relação formal, de sua comunicação racional, convencional e busque uma comunicação no nível da criança. Brincar “de verdade” precisa ser “gostoso” para ambas as partes.

2.1. E quais são as dimensões desse brincar?

Quando brinca “de verdade”, a criança traz o seu “Eu” através do corpo. A forma como se coloca no mundo. O mundo, no espaço terapêutico, é um mundo analógico. Seria a sala, os objetos, os limites concretos de tempo e espaço. Ela irá trazer o seu “Eu” em relação com esse mundo mostrando ali: os espaços que ocupa, ou não; os objetos que escolhe e a forma como escolhe utilizá-los; seus limites corporais; os limites que estabelece, ou não na relação com o outro. .

Ao brincar com o terapeuta, a criança apresenta-se como ela é em relação o adulto, figura de autoridade e fonte de afeto (de tudo aquilo que possa afeta-la, negativa ou positivamente). O tipo de relação que estabelece, a forma como lida com esse adulto e com sua disponibilidade, sua autoridade, seus limites. Tudo isso só aparece quando a criança sente-se livre para brincar com ele.

3. Uma concepção de desenvolvimento humano

Após esses primeiros momentos do processo, que podem durar algumas sessões, começarmos a ter uma noção sobre como se deu o seu processo de desenvolvimento psicoafetivo. Ou seja, como sua identidade foi se configurando, à partir das relações com o outro e com o mundo. Podemos afirmar que é a partir das relações afetivas que a criança vai estabelecendo com as pessoas significativas, com os objetos e com o mundo que ela vai constituindo sua forma de existência atual que, conseqüentemente lhe dirá da sua existência quando adulta. Segundo Margareth Mahler (1977), o desenvolvimento psicológico da criança, é o que vai fazer com que ela saia gradativamente de seu mundo interior, de uma relação de dependência e simbiose, para uma relação de autonomia e individuação em direção ao mundo exterior.

Compreendo que esse desenvolvimento ocorre em fases de organização e constituição de um sentido de identidade. Ribeiro (2003) sugere que o processo de formação da identidade da criança segue um percurso que vai gradativamente, do sentido de identidade humana até a integração de uma identidade espiritual que pode ser resumido da seguinte forma:

Identidade Humana – Sentido de existência: Desenvolvido nas primeiras relações mãe/bebê. Vínculo, chamada pra vida. Vivência de fusão e contenção, prazer de existir.

Identidade Filial: Senso de merecimento. Sentir-se cuidado. Ser alguém significativo para outros seres humanos. Sentir-se digno de fazer parte.

Identidade Pessoal: Afirmação de si como uma pessoa diferente daquela que cuida dela. Ser só e poder estar só. Como uma pessoa tem um certo poder sobre sua vida, confronto com o querer do outro e com a realidade. “Sou alguém que pode”. Vivência de limites pessoais.

Identidade Sexual: Identificações com figuras parentais, relaciona-se com iguais e diferentes e percebe-se menino ou menina. O que é típico do masculino, o que é típico do feminino. Ser em relação com o sexo oposto, intimidade, entrega.Vivência edípica.

Identidade Social: Descobre até onde ir com o outro e no mundo.Diversificação de papéis. Sentir-se alguém na sociedade.

Identidade Espiritual: Busca da transcendência. Sentido da existência, comunhão com o espiritual. Integração com o universo.

Para Ribeiro (2007) “todos os aspectos da realidade humana estão intrinsecamente ligados e são co-existentes durante todo o desenvolvimento”. Ribeiro postula que o desenvolvimento dessa última identidade, a espiritual, está apoiado em nossa história de vida e na forma como desenvolvemos nossos potenciais em cada etapa desse processo de desenvolvimento.

CONCLUÍNDO

A partir dessa compreensão buscaremos elaborar um projeto de Intervenção, que visa facilitar a retomada do pleno desenvolvimento dessa criança, facilitar a vivência de seu processo pessoal através de vivências de afirmação e regressão. Experimentando a própria agressividade, afetividade, relação com a autoridade, sexualidade, afetividade. Retorna etapas de seu desenvolvimento para melhor elabora-las numa nova relação com o adulto, disponível a atender suas necessidades psicoafetivas e relacionais.

O percurso que se segue a esse primeiro momento, no entanto, é ilimitado. Pois é a criança que mostrará o caminho. É a especificidade de cada criança como ser único, inserida em uma determinada relação família e contexto social, que nos mostrará os caminhos a seguir. No entanto, vale ressaltar, que precisamos ter em mente o objetivo do trabalho, a fim de não nos perdermos nessa caminhada. Ou seja, como nos afirma Rogers, o objetivo de uma psicoterapia deve ser em última análise. Favorecer e facilitar o pleno desenvolvimento da pessoa humana.

Referências Bibliográficas:

ROGERS, Carl. R. & KINGET, G. Marian. Psicoterapia e Relações Humanas: teoria e prática da terapia não-diretiva.2a. ed. Belo Horizonte, Interlivros, 1977.

PONTY, Merleau. As relações com o outro na criança. Belo Horizonte. SEGCP/Imprensa oficial, 1984.

WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

WINNICOTT. D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago Editora Ltda, 1971.

MAHLER, Margaret S. O nascimento psicológico da criança. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1977.

RIBEIRO, Nilda Maria. A evolução da comunicação na criança. Apostilas do curso de formação em psicoterapia relacional, Belo Horizonte, 2007.

Mediação: Metodologia de facilitação de resolução de conflitos *

Maria do Céu Lamarão Battaglia

* Palestra UGF 29/08/01.

A mediação é uma metodologia de resolução de conflito aplicável aos mais diferentes campos de atuação. [Mais...] A mediação transformativa e o modelo circular narrativo são as formas escolhidas por mim por serem os estilos que possuem características que mais se aproximam da Abordagem Centrada na Pessoa.

O ponto de conexão ocorre na maneira de considerar as idéias das partes envolvidas. Na verdade, as soluções são criadas e encontradas pelas partes e não pelo mediador. O mediador tem somente o papel de facilitador das relações e da profusão de idéias criativas e exeqüíveis.

A mediação é um instrumento de resolução de conflitos bastante utilizado em diversos países como Estados Unidos, Canadá, China, França, Inglaterra, Noruega, Espanha, Argentina, Brasil y México. Em alguns deles, por mais de 30 anos.

Creio que a mediação, como técnica, vem suprir um espaço anteriormente ocupado pelas pessoas mais velhas da comunidade ou da família. Com as transformações na modernidade das organizações sociais, este espaço se tornou vazio. Além desse fato, algumas transformações também ocorreram tanto em relação a causa dos conflitos, como em relação as habilidades necessárias para solucioná-lo.

Em relação a causa dos conflitos, podemos constatar que inicialmente eles se davam pela impossibilidade de consenso, enquanto atualmente ocorrem pela dificuldade de se lidar com a diferença.

Quanto as habilidades do mediador, se deslocam do antigo lugar de terceiro de bom senso que aconselha as partes ou valida uma ou outra, para a de facilitador que cria condições para o diálogo sempre que as partes envolvidas não consigam concretiza-lo sozinhas.

A mediação então torna-se um recurso confidencial, importante para a resolução de conflitos nas situações que envolvam diferentes interesses assim como a necessidade de negociá-los. Embora, em alguns países ocorra uma intimação judicial as partes para que recorram a mediação, utilizo-a em minha prática como um processo necessariamente voluntário no qual a responsabilidade pela construção das decisões cabe as partes envolvidas. É exatamente neste ponto que a mediação se diferencia da resolução judicial onde a decisão é transferida a um terceiro, o juiz.

Alguns dos grandes benefícios deste recurso são: rapidez e efetividade de resultados; redução de desgaste emocional e de custo financeiro; garantia de privacidade e sigilo; alternativa a arbitragem e processo judicial; redução de duração e reincidência dos litígios; facilitação da comunicação e promoção de ambientes cooperativos; transformação e melhoria das relações.

Outro aspecto extremamente importante na mediação é o fato de que suas estratégias objetivam, além da resolução de conflito propriamente dito, a prevenção e a aprendizagem de novas maneiras de resolução de conflito promovendo um ambiente propício a colaboração, possibilitando que relações continuadas perdurem de forma positiva.

Estas habilidades podem ser treinadas e utilizadas por qualquer pessoa que participe de contexto de conflito. Contudo, como Terapeutas da Abordagem Centrada na Pessoa e Facilitadores de Grupos, encontramos certamente uma maior facilidade na maneira de manejar o processo de mediação transformativa quer seja nos âmbitos sociais, políticos, transculturais, educacionais, empresariais ou jurídicos.

A aplicabilidade da mediação abrange todo e qualquer contexto de convivência capaz de produzir conflitos. Podem se beneficiar deste recurso impasses políticos e étnicos (nacionais e internacionais), questões trabalhistas e comerciais (locais ou de mercados comuns), empresas, escolas, famílias, comunidades e instituições.

Os benefícios possíveis para os participantes de uma mediação serão a incorporação de novas maneiras de resolução de conflitos, onde ambos constróem suas próprias soluções e passam a funcionar com mais esta alternativa em suas vidas próprias, através de uma meta-aprendizagem.

Para o mediador, o principal beneficio é promover a reflexão e a reformulação de sua maneira de atuar nas resoluções de conflito. Tornam-se mais claramente delimitados os limites e as possibilidades na relação entre mediador e mediado. Possibilitar maior autonomia, expressão pessoal e co-responsabilidade das partes na construção de suas alternativas e decisões, passa a ser cada vez mais seu foco de ação.

No estudo da mediação, abrangemos temas como definição de conflito e classificações, diferentes estilos de manejo de conflitos como Mediação para Acordos com suas técnicas de negociação (princípios de Harvard), Mediação Transformativa com o privilegio do conflitante em lugar de conflito, de Bush & Folger, que se utiliza do modelo circular narrativo agregando o pensamento sistêmico, com sua proposta de circularidade ou processo reflexivo, e a teoria das narrativas de Sara Cobb.

Tratamos da ética no processo de mediação e a influência dos novos paradigmas sistêmicos que atuam diretamente na mediação transformativa como nos demonstra Acland (1993).

Trabalhamos também o tema da comunicação diretamente relacionado ao manejo das situações de conflito e o tema relato das historias como instrumento que pode possibilitar a reformulação de compreensão e escuta das partes.

Como norteadores, detalhamos as etapas do processo com suas distintas características e especificidades, passando pela abertura, o relato das historias, a construção, ampliação e negociação de alternativas até o fechamento com a redação final do acordo quer seja formal ou informal.

Tudo isso, lembrando sempre que é a construção e a escolha das alternativas pelas partes, que aumenta enormemente a possibilidade de efetividade de resultados visto que as decisões e escolhas pessoais são as que com mais profundidade nos comprometem.

BIBLIOGRAFIA

ACLAND, A. (1993). Como utilizar la mediación para resolver conflitos

en las organizaciones. Buenos Aires: Paidós.

BUSH, R. & FOLGER, J. (1994). The Promise of mediation: responding

to conflict through empowerment and recognition.San Francisco:

Jossey Bass.

GIRARD, K. & KOCH, S (1997). Resolución de conflitos en las escuelas.

Buenos Aires/ Barcelona: Garnica

LITTLEJOHN, S. (1996). Material do curso de formação básica e

treinamento em mediação. Buenos Aires: Fundación Interfas.

PEARCE, B.(1994). “Nuevos modelos y metáforas comunicacionales: el

pasaje de la teoria a la praxis, del objetivismo al construccionismo

social, y de la representación a la reflexividad”. In: SCHNITMAN, F

comp). Nuevos paradigmas, cultura y subjetividad. Buenos Aires:

Paidós.

SUARES, M. (1966). Mediación: conducción de disputas, comunicación

y técnicas. Buenos Aires: Paidós.

Mediação Escolar : Uma metodologia de aprendizado em administração de conflito.

Maria do Céu Lamarão Battaglia

* Texto escrito em 2003.

A mediação é um processo não adversarial de resolução de conflitos. [Mais...] Em decorrência do aumento crescente de litigiosidade, que dia a dia vem sobrecarregando a justiça e da grande demora por parte da mesma em solucionar os casos, a mediação como alternativa aos processos judiciais, vem ganhando terreno como um recurso alternativo a resolução de disputas.

Devido a este mesmo fato, com um objetivo profilático, amplia-se o campo de atuação da mediação para a educação. Considerando a escola como instituição que objetiva a educação cultural e social do homem, a mediação escolar se coloca como um convite à aprendizagem e ao aperfeiçoamento da habilidade de cada um na negociação e resolução de conflito, baseada no modelo “ganha-ganha”, onde todas as partes envolvidas na questão saem vitoriosas e são contempladas nas resoluções tomadas.

Por que os métodos utilizados anteriormente não satisfazem mais na atualidade?

Algumas mudanças importantes ocorreram nas relações interpessoais e hierárquicas nos últimos 30 anos. Por um longo período de tempo, as relações se deram no sentido da força, submissão, medo e obediência. Os conflitos eram administrados tomando-se como referência pessoas critério que possuíam o comando ou o poder de decisão graças à sua posição hierárquica. Os fatos eram apresentados a elas para que fossem julgados e uma decisão determinada. Este lugar poderia ser ocupado por um chefe de família, uma pessoa mais velha, um professor ou assim por diante. Devido à maior rigidez moral e à clara dicotomia entre o bem e o mal, os norteadores evidenciavam o certo e o errado de tal forma que dificilmente podiam ser contestados. Desta forma, viemos de uma cultura de litígio, onde em qualquer disputa existia um ganhador e um perdedor. A tarefa do encarregado de “julgar” a causa era apenas a de, por meio do bom senso, da moral e dos bons costumes, determinar quem estaria com a razão.

O cenário que se apresenta hoje em relação ao conflito sofreu fortes alterações. A verticalidade das hierarquias se estreitou. Os conceitos de certo e errado se relativizaram. A tendência ao individualismo e a ilusão da autonomia levaram o homem às disputas que objetivam defender apenas os próprios interesses. Se faz necessário hoje então a utilização de uma metodologia de resolução de conflito que convide cada parte envolvida a participar e a tomar para si sua cota de responsabilidade na decisão selada. Diferente da posição anterior, atualmente a busca remete ao consenso.

O primeiro passo a ser dado diz respeito à redefinição de conflito. Tomando como exemplo a cultura oriental, podemos observar que o oriental não bloqueia a energia do outro, como ocorre em um julgamento onde cada um defende sua posição. Ele aproveita a energia do outro para conseguir o que quer. É exatamente esta inclusão do outro no projeto, esta consideração do outro, levando em conta suas necessidades para satisfazer as próprias, que denota a diferença primordial de postura frente à nossa cultura. Enquanto os orientais submergem na experiência para compreender e vivem o processo, nós nos distanciamos para melhor observar de fora. Para o oriental, passar do sim ao não, não representa nenhum problema. Para nós, significa retratação, contradição, fraqueza e insegurança. Talvez seja este o maior impasse que o mediador possa se defrontar no papel de facilitador do processo.

Desta forma, ressaltamos que redefinir a noção de conflito implica no reconhecimento do mesmo como uma parte da vida que pode ser utilizada como oportunidade de aprendizagem e crescimento pessoal. Considerando-se que o conflito é inevitável, a aprendizagem da habilidade em resolvê-los torna-se tão educativa e essencial quanto a aprendizagem da matemática, história, geografia, etc., sendo que, na maioria das ocasiões, as próprias crianças podem resolver seus conflitos de maneira tão adequada quanto com o auxílio dos adultos.

Isso nos direciona a construir um programa dirigido à área da educação que objetive implementar habilidades em gerenciamento de conflito. Estes programas tem por objetivo desenvolver alguns pontos chaves:

a)Desenvolver uma comunidade na qual os alunos desejem e sejam capazes de uma comunicação aberta.

b)Ajudar os alunos a desenvolverem uma compreensão melhor da natureza dos sentimentos, capacidades e possibilidades humanas.

c)Ajudar os alunos a compartilharem seus sentimentos e serem conscientes de suas próprias qualidades e dificuldades.

d)Ajudar cada aluno a desenvolver autoconfiança em suas próprias habilidades.

e)Ajudar o aluno a pensar criativamente sobre os problemas e começar a prevenir e solucionar conflitos.

Desta forma, o currículo voltado para resolução de conflito, já bastante utilizado em diferentes países, tem como objetivo, por um lado oferecer aos alunos uma compreensão teórica sobre conflito e sobre os procedimentos para resolvê-lo e por outro, a experiência prática necessária para converterem-se em adultos flexíveis, práticos e efetivos. Sobretudo, criar um clima escolar de não violência em sua totalidade cujo marco seja o ensino e o favorecimento de meios pacíficos na resolução de conflitos.

Não podemos esquecer que um mau gerenciamento de conflito pode levar à incompreensão, ao ódio, à perda da amizade, à agressão e à violência.

Currículo

No currículo dedicado à capacitação em mediação são trabalhadas através de jogos de papéis e conflitos simulados, algumas habilidades como: reconhecimento, expressão e respeito às emoções, controle da impulsividade, manejo da raiva, escuta ativa, comunicação eficaz e técnicas de resolução de problemas.

Durante as aulas curriculares exercita-se:

- Cooperação (confiar, ajudar e compartilhar com os demais em trabalhos conjuntos)

- Comunicação (observar cuidadosamente, comunicar-se com precisão e escutar sensivelmente)

- Apreço pela diversidade (apreciar e respeitar as diferenças, entender o preconceito e como ele funciona)

- Expressão positiva das emoções (expressar sentimentos de raiva e frustração de forma não agressiva e não destrutiva, autocontrole)

- Resolução de conflitos (aprimorar a habilidade em responder criativamente aos conflitos no contexto de uma comunidade humanitária e de apoio)

Numa situação cotidiana de sala de aula, que tenha como objetivo o aprendizado em gerenciamento de conflito, torna-se importante que a maioria das situações de aprendizagem se estruturem de forma cooperativa, onde os estudantes trabalhem em pequenos grupos, nos quais tenham a responsabilidade de aprender a matéria especificada. Além disso, compete a eles que o resto dos membros do grupo também aprenda.

Os professores podem utilizar os conflitos nas lições acadêmicas para promover a motivação e um nível maior de racionalidade que conduza a melhores resultados acadêmicos. Esta experiência leva os estudantes a experimentarem as conseqüências positivas do conflito e aumentarem a atitude positiva em relação ao mesmo. As controvérsias se resolvem discutindo-se as vantagens e desvantagens de cada posição. O objetivo das discussões é o de sintetizar uma solução nova através do processo criativo de resolução de problemas.

Desta forma e de muitas outras, podemos exercitar as habilidades necessárias à competência em solucionar conflitos de maneira produtiva e construtiva nos mais diferentes momentos da vida escolar. Esta abordagem fundamenta-se em um marco teórico Compreensivo Humanista Integrativo (CHI) que nos leva a formular questões como: “Por que ocorrem estas condutas?”, “Qual a lógica da aparição destas atitudes?”, “Seriam as fontes do conflito endógenas ou exógenas?”, “Que faz a escola com estes fatores potencializadores de conflito?”…

Hipóteses a serem exploradas

Diversos fatores podem estar contribuindo para a existência do conflito, isoladamente ou de forma combinada. Examinaremos agora alguns dos fatores que ocorrem com maior freqüência.

1- Sinais de mal estar:

Pode estar ocorrendo alguma forma de mal estar que afete diretamente o aluno. Sua origem pode se localizar no âmbito social, socioeconômico, cultural, familiar ou mesmo na própria escola. Além disso estes diferentes fatores podem potencializar-se entre si.

2- Multicausalidade:

As causas do conflito se subdividem entre fatores exógenos, que se localizam fora da escola, ou fatores endógenos, que se localizam dentro da escola.

Exógenos:

a- ambiente socioeconômico

b- necessidade básica insatisfeita

c- ambiente sociocultural

d- família

e- baixa autoestima

Endógenos:

a- clima institucional

b- atitudes dominantes nas autoridades

c- grupo de colegas

3- Grupo de colegas:

Neste caso, a observação e o cuidado se voltam ao grau e à qualidade da vinculação.

Num grupo pouco saudável, ocorre a presença de situações de discriminação, chantagem afetiva, elitismo, autoritarismo, agressão e competição. Já num grupo saudável, encontraremos uma maior facilidade de comunicação, maior aceitação entre as partes, reconhecimento mútuo e estímulo ao crescimento de seus membros. Atitudes estas que previnem situações de conflito ou oferecem uma maior fluidez na resolução dos mesmos.

Conclusão

Os avanços da atualidade trazem algumas conseqüências diretas em nossas vidas. Umas boas outras não tão benéficas. Entretanto é indubitável o fato de que não podemos parar o tempo nem o desenvolvimento da ciência. Devemos sim, construir em paralelo novas maneiras de lidar melhor com as situações inusitadas que se apresentam. Juntos certamente descobriremos e construiremos ferramentas mais completas e apropriadas, principalmente porque juntos poderemos exercitar o que há de mais essencial ao bem estar humano em nossas relações: as atitudes de empatia, congruência e aceitação positiva incondicional.

Para cada nova descoberta científica, nova invenção tecnológica, nova transformação cultural, inventaremos uma nova maneira também de superação e aprimoramento pessoal.

Desta forma, acreditamos que, a mediação é na verdade uma nova maneira de recriar um espaço de aprendizagem de antigos valores. Valores essenciais ao bem estar, felicidade e harmonia do Homem.

Mediação de Casal e Família: Uma intervenção no momento de crise

Maria do Céu Lamarão Battaglia

* Palestra Trabalho apresentado no IX Forum Internacional da ACP Mar del Plata/Argentina em março de 2004.

Resumen

El presente trabajo sugiere la utilización de las técnicas de mediación transformativa, como una alternativa eficaz en la facilitación de las relaciones familiares en situaciones de crisis y conflicto. [Mais...] Empieza con un breve panorama respecto a la mediación como técnica estructurada y situa su posición en comparación a las demás alternativas de resolución de conflicto. En seguida, enumera los beneficios de la utilización de la mediación en la atención a las familias. Prosigue citando las diferentes etapas del proceso de mediación y la fundamental importancia de la calidad del acuerdo para la efectividad del mismo. Comenta brevemente los límites y finaliza demarcando la importancia del recurso en la transformación de las relaciones más alla del nucleo familiar.

Resumo

O presente trabalho sugere a utilização das técnicas de mediação transformativa como uma alternativa eficiente na facilitação das relações familiares em situações de crise e conflito. Inicia com um breve panorama sobre a mediação como técnica estruturada e situa sua posição em comparação às demais alternativas de resolução de conflito. Em seguida, enumera os benefícios da utilização da mediação no atendimento à famílias. Prossegue citando as diferentes etapas do processo de mediação e a fundamental importância da qualidade do acordo para efetivação do mesmo. Comenta brevemente os limites e finaliza demarcando a importância do recurso na transformação das relações para além do núcleo familiar.

Abstract

The present work suggests the use of transformative mediation techniques as an efficient alternative to facilitate the family relations undergoing situations of crisis and conflict.

It begins with a brief panorama about mediation as a structured technique and places its position in comparison to other conflict resolution alternatives. Then, it enumerates the coming benefits from mediation in the helping of families. It goes on citing the different stages of the mediation process and the fundamental importance of the agreement’s quality for its completion. It briefly mentions its limits and closes emphasizing the importance of mediation in the transformation of the relations beyond the family nucleus.

Introdução

Embora o termo “mediação” seja popularmente empregado em diferentes situações do dia a dia, a mediação como recurso técnico na resolução de conflito é um instrumento muito utilizado hoje em países como USA, Canadá, China, França, México, Inglaterra, Noruega, Espanha e Argentina. Em alguns destes países há mais de 30 anos, sendo por vezes obrigatória nos processos judiciais.

A mediação aplica-se em qualquer contexto de convivência seja no âmbito social, político, transcultural, educacional, empresarial ou jurídico com excelentes resultados.

Apresenta-se como um recurso que vem preencher um lugar que era anteriormente ocupado pelas pessoas mais velhas da comunidade ou da família. Com as transformações da modernidade, os novos modelos familiares e organizações sociais este espaço, que era ocupado por uma pessoa critério, se tornou vazio. Alteraram-se também as causas dos conflitos. Como conseqüência tornam-se necessárias novas habilidades para solucionar os novos desentendimentos. Os conflitos que davam-se anteriormente pela impossibilidade do consenso hoje ocorrem pela dificuldade em lidar com a diferença.

Neste momento, surge a figura do mediador. E no que diz respeito à habilidade do mesmo, ela se desloca do lugar da pessoa de bom senso, que aconselha as partes e valida uma ou outra, para o lugar do facilitador que cria condições para o diálogo sempre que as partes envolvidas não conseguem prosseguir sozinhas.

A mediação vem se constituindo um recurso importante para a resolução de conflitos nas situações que envolvam diferentes interesses aliados à necessidade de negociá-los. Principalmente nos casos de casais e famílias é uma técnica bastante adequada por ser um processo necessariamente confidencial e voluntário, no qual a responsabilidade pela construção das alternativas e das decisões cabe às partes envolvidas. É exatamente neste ponto que a mediação se diferencia radicalmente da decisão judicial, a qual fica a cargo de um terceiro.

A separação dos casais, com ou sem filhos, é uma das causas comuns de stress emocional. Nesta situação, muitas pessoas recorrem ao álcool, ou às drogas como tranqüilizantes com o objetivo de amenizar a dor ou ausentar-se emocionalmente. Os filhos costumam apresentar alguns sintomas como baixa de rendimento escolar, regressão, introversão, aumento ou falta de apetite o que preocupa e torna os pais mais ansiosos ainda. Segundo Rojas Marcos, em seu livro “La pareja rota: Familia crisis y superación”, muitos estudos evidenciam que os casais divorciados tem uma maior predisposição a sofrer enfermidades físicas e mentais como hipertensão, úlcera de estômago, problemas cardiológicos, ansiedade e principalmente depressão.

A mediação então, tem se mostrado bastante produtiva no sentido de prevenir ou ao menos aliviar essas tensões provenientes da separação dos casais, à medida em que possibilita chegar-se a um acordo que inclua as diferentes necessidades de cada membro da família. A mediação auxilia numa comunicação mais fluida que permite manter uma relação posterior mais estável e pacífica, o que contribui enormemente ao exercício conjunto das responsabilidades parentais tão fundamentais ao bem estar de todos.

Existem diferentes enfoques técnicos de mediação. A mediação utilizada por nós denomina-se “mediação transformativa”. Esta se diferencia da “mediação para acordos” que tem seu foco direcionado ao problema enquanto que a primeira, às partes e suas relações. No caso das relações familiares, ou de relações continuadas ela é particularmente interessante já que se ocupa do resgate da comunicação e da redução do custo emocional além do sigilo, que resguarda a privacidade dos membros da família. É conveniente ressaltar que a mediação não é terapia mas é um recurso que produz efeitos extremamente terapêuticos com desdobramentos que interferem direta ou indiretamente em todos os envolvidos.

Diferentes classes de resolução de conflito

Situações de conflito se encontram presentes em todos os tipos de relação. O conflito é inerente à vida. Entretanto, há momentos em que, por diferentes razões, não conseguimos solucioná-los sozinhos.Existem diferentes recursos possíveis que tem como objetivo a resolução de um conflito. Citaremos aqui os cinco recursos principais utilizados em nossa cultura.

1- Negociação:

Quando os acordos são espontâneos e diretos sem o auxílio de um terceiro.

2- Negociação Assistida ou Conciliação:

Quando algum impasse dificulta a negociação e um terceiro (conciliador) auxilia a mantê-la ou restabelecê-la, reduzindo tensão e animosidade, opinando e sugerindo alternativas, facilitando a negociação.

3- Mediação:

Quando um impasse dificulta ou bloqueia a negociação, e um terceiro imparcial (mediador) auxilia, através de um processo estruturado, a restabelecê-la, para que as partes sejam autoras das decisões. Atuando na construção de um contexto colaborativo e na desconstrução dos impasses, possibilita que um diálogo sobre as questões se estabeleça e decisões consensuais possam ocorrer.

4- Arbitragem:

Quando um terceiro, escolhido pelas partes (árbitro), decide, segundo critério de merecimento ou não, sobre as questões do litígio.

5- Litígio com Resolução Judicial:

Quando um terceiro, não escolhido pelas partes (juiz), determina, segundo critério legal ou de merecimento, a sentença a ser cumprida.

Como podemos observar, à medida em que caminhamos na utilização dos recursos no sentido da negociação para a resolução judicial, ocorre gradativamente:

Negociação> Conciliação> Mediação> Arbitragem> Resolução Judicial

• Um aumento do custo emocional

• Um aumento do custo financeiro

• Um aumento do tempo do processo

Negociação> Mediação> Conciliação> Arbitragem> Resolução Judicial

• Perda do controle sobre o processo

• Redução do poder decisório

Após evidenciar um pouco mais as vantagens da utilização deste recurso na resolução dos conflitos familiares, partiremos agora para tentar esclarecer melhor qual o papel e quais as tarefas do profissional mediador na realização de sua atividade.

Definição de Mediador

No Brasil, existe um órgão que tem como objetivo cuidar da qualidade do exercício da mediação e arbitragem no país. É uma instituição formada por profissionais eleitos, de diferentes estados do país, que possui um regulamento detalhado das normas de procedimentos e normas éticas além de cuidar do currículo mínimo necessário à boa formação do profissional em mediação e arbitragem.

Esta instituição oferece uma excelente definição de mediador com seguinte texto:

“É um terceiro imparcial, que por meio de uma série de procedimentos, auxilia as partes a identificarem seus conflitos e interesses e a construírem em conjunto, alternativas de solução com o propósito do consenso e a realização do acordo. O mediador deve proceder, no desempenho de suas funções, preservando os princípios éticos.” CONIMA[1] 1997

Benefícios da Mediação

São diversos os benefícios da mediação, principalmente comparada aos demais recursos de resolução de conflito.

· Celeridade

O processo de mediação ocorre em reuniões agendadas previamente. Tanto o horário como a periodicidade destes encontros dependerão da disponibilidade das pessoas que participam quanto da urgência do caso. Em nossa prática estes casos tem se solucionado numa media de 5 a 10 encontros.

· Efetividade de resultados

Segundo dados obtidos em diversas publicações, o índice de cumprimento destes acordos gira em torno de 85%.

· Preservação da autoria

A autoria das partes tanto em relação às sugestões de alternativas quanto em relação à escolha da melhor alternativa é fator decisivo no cumprimento do contrato.

· Redução do custo emocional

A facilitação da comunicação entre as partes possibilita que os casais possam escutar e entender melhor as razões, necessidades e sentimentos de cada um. Isso os auxilia a desfazer nós e mágoas, reconhecer-se e respeitar-se mais mutuamente. A relação com os filhos também fica menos polarizada, visto que o bem estar dos mesmos torna-se o principal motivo de interesse comum.

· Redução do custo financeiro

Quando a mediação se dá em uma instituição privada, geralmente seu custo é calculado pelo número de horas do processo como um todo. Logo no primeiro encontro estipula-se preço, forma de pagamento e quanto caberá a cada uma das partes. Nas organizações públicas ou ONGS, ela costuma ser gratuita.

· Sigilo e privacidade

É vedado ao mediador, prestar depoimento ou servir como testemunha em juízo. Esta é uma das cláusulas do contrato de mediação. Além disso, o próprio processo de mediação exige o sigilo das próprias partes nele envolvidas.

· Igual oportunidade de participação

Durante todo o processo, as partes tem um mesmo tempo de exposição, devendo o mediador estar atento e corrigir qualquer desbalance que ocorra.

· Transformação das relações

À medida que o processo transcorre, o casal tende a aumentar a fluidez em sua comunicação e mudar a postura inicial da posição litigante para uma posição mais colaborativa.

· Deuteraprendizagem

A aprendizagem sobre o como negociar passa a abranger outras situações da vida de cada um.

· Prevenção na formação de conflitos

A experimentação das novas habilidades em solucionar conflitos possibilita a aquisição de ferramentas extremamente úteis nas situações futuras que contribuem para identificação e solução de impasses logo em seu início. Isso auxilia sobremaneira a diminuição das situações de stress familiar e suas conseqüências.

· Prevenção na reincidência de conflitos

Visto que os conflitos são identificados logo de início e solucionados em suas raízes, fica minimizada a reincidência dos mesmos.

· Fluidez na comunicação

À medida em que os casais adquirem uma escuta menos defensiva, e sentem-se mais confiantes em relação a si próprios, aumenta a fluidez na comunicação tornando-se mais freqüentes as respostas oriundas de um processo reflexivo do que de uma reação impulsiva.

· Melhoria no relacionamento interpessoal

O relacionamento entre todos os membros da família torna-se mais positivo, cooperativo e construtivo.

· Melhoria no relacionamento intergrupal

O papel de cuidado intrafamiliar é restaurado. No caso dos pais separados que já constituíram novas famílias, melhoram também as relações entre os diferentes núcleos familiares.

· Atendimento aos interesses mútuos

Principalmente nos casais com filhos, não só os pais e os filhos mas todas as pessoas que direta ou indiretamente estão envolvidas com os cuidados destes são convidados a participar do processo de mediação. Esta participação ampliada nas soluções dos conflitos faz com que todos os envolvidos sintam-se considerados e com isso responsáveis, se empenhando mais diretamente nos resultados buscados.

· Responsabilidade nas decisões co-construídas

A escuta e o envolvimento de todos na construção de alternativas, assim como a autonomia do casal em relação à construção das cláusulas do contrato, favorece o empenho na efetivação do contrato.

Todos estes benefícios são evidentemente úteis nas resoluções familiares, principalmente nos casos em que crianças estão envolvidas. Alguns conflitos se arrastam através de anos em casos que presenciamos nas Varas de Família do poder público. Muitos casos demoram tanto a ser encerrados que chegam a perder todo o sentido já que os danos psicológicos intrafamiliares dificilmente serão recuperados após tantos anos de litígio e insegurança. Tornam-se conclusões absolutamente burocráticas e formais.

Vejamos agora como se dá o processo de mediação em sua estrutura e procedimento.

As 5 Etapas e a Planificação do Processo de Mediação

A técnica de mediação possui uma estrutura cuidadosa que serve como norteadora do processo como um todo. Dividida de maneiras diferentes por autores diferentes, a mediação realizada por nós transcorre em cinco etapas: Pré-mediação e Discurso de Abertura; Relato das Histórias; Construção, Ampliação e Negociação de Alternativas; Encerramento do Processo de Mediação; Acompanhamento. Descreveremos resumidamente cada uma destas etapas.

I- Pré-mediação e Discurso de Abertura:

Nesta etapa ocorre a apresentação do processo e a troca de informações com ramificação ou não da mediação como recurso. Serão consideradas a necessidade de voluntariedade, a confidencialidade, a possibilidade de cooperação e cordialidade para prosseguimento ou não do recurso com as famílias ou casais.

II- Relato das Histórias:

Momento da escuta ativa por parte do mediador. Nesta etapa são amplamente utilizadas as técnicas de comunicação.

III- Construção, Ampliação e Negociação de Alternativas:

Momento da elaboração da agenda e das opções. Aqui serão escolhidas as opções que melhor atendam às necessidades e interesses dos envolvidos e que sejam concretamente realizáveis. É a etapa mais dedicada às técnicas de negociação.

IV- Encerramento do Processo de Mediação:

Nesta fase ocorre a redação detalhada das conclusões e acordos finais. São feitos os ajustes e encaminhamentos necessários.

V- Acompanhamento:

Na maioria das vezes solicitamos o acompanhamento para que sejam feitas as readaptações, adequações necessárias à realização efetiva dos acordos com periodicidade sempre adequada a cada caso.

A importância da qualidade do Acordo como produto do processo de mediação

O acordo de mediação é o produto final que vai registrar detalhadamente tudo o que foi refletido, pensado e estabelecido como a melhor solução encontrada naquele momento dada a situação. Deve estabelecer os aspectos econômicos, a distribuição patrimonial assim como a divisão dos bens comuns com prazos e formas de acordo. No caso da existência de filhos, o acordo deverá abordar responsabilidades parentais como: onde viverá a criança; qual será o esquema de visitação, férias e feriados; como contribuir com as necessidades econômicas de seus filhos e pensão alimentícia. Como o material deve ser redigido de forma clara e em linguagem acessível, no caso da necessidade de formalização judicial, deverá ser entregue a um advogado que dará redação nos termos da lei e encaminhará ao juiz para homologação.

Para que este acordo seja efetivo ele necessita de cuidados muito especiais sob diversos ângulos:

1- O Acordo deve…

· Ser co-construído

· Ser integrativo e criativo

· Contemplar questões, interesses e necessidades das partes

· Satisfazer a todos os envolvidos

2- O Acordo necessita…

· Ser realista e efetivo

· Amplamente trabalhado e compreendido

· Compartilhar e dividir responsabilidades

· Ponderar custos e benefícios

· Ser analisado em termos de viabilidade de execução das cláusulas

3- A implementação de um acordo deve compreender…

· Prazo para cumprimento

· Período de validade

· Recursos a serem utilizados em caso de não cumprimento

· Mediação como possibilidade futura

Objetiva-se então um acordo que seja voluntário com linguagem imparcial, positiva e clara. Este acordo deve ser explícito e conter com quem, o que, quando, onde e como vai funcionar devendo ser equilibrado responsabilizando as partes igualmente. É importante que considere também a resolução de questões futuras e inclua um plano de ação e de acompanhamento das alterações.

Indicações e contra-indicações

Infelizmente, a mediação não é um recurso que possa dar conta de todo e qualquer conflito. Por motivos diversos, um processo de mediação pode ser interrompido ou mesmo nem começar.

· Vontade das partes

O primeiro caso em que este recurso se torna impossível é o caso em que apenas uma das partes se encontra disponível e desejosa de encontrar uma solução compartilhada ou mais aberta ao diálogo.

· Questões éticas

Outro motivo pode se referir a questões éticas por qualquer uma das partes, inclusive o próprio mediador, conforme estipulado no regulamento do CONIMA.

· Desequilíbrio de poder e autonomia

Nos casos em que um dos membros do casal ou mesmo seus filhos sejam vítimas de violência a mediação não se adequa pelo fato de que esta pessoa poderá sofrer algum tipo de pressão. O mesmo ocorre quando uma das partes não tem controle sobre sua vontade, por alguma deficiência crônica ou passageira.

· Cronicidade do conflito

Não raro, encontramos situações em que o conflito já se estabeleceu há tantos anos que inexiste a possibilidade de escuta entre as partes. Este relacionamento que solidificou-se de forma estereotipada bloqueia e inviabiliza o surgimento de uma nova maneira de encarar os fatos e de co-construir soluções criativas.

· Função do conflito

Finalizando, também existem casos de conflitos muito estruturados em que ambos os cônjuges tem uma profunda necessidade emocional de uma convivência litigante, a qual brinda de significado suas vidas e que em realidade não desejam solucionar.

Conclusão

A prática da mediação tem se mostrado extremamente eficaz em países que a utilizam nas mais diversas áreas. Entretanto, a disseminação desta prática exige uma reformulação substancial da maneira de atuarmos no nosso dia a dia, isto é, na nossa cultura no sentido de como constituiremos nossas relações, nas nossas casas, com nossos filhos e familiares, com nossos amigos, no nosso trabalho, na nossa vizinhança. É uma cultura que propõe a substituição da relação competitiva pela relação de cooperação e compartilhamento. Que busca o respeito, a consideração e a inclusão do diferente. Que descarta a força do poder hierárquico e coloca em seu lugar a força do poder pessoal enquanto valor em si mesmo.

Insistimos, baseados em dados estatísticos, que a reação dos filhos ante à separação dos pais está diretamente relacionada à maneira como esta separação se dá. Os filhos podem superar a situação de maneira menos traumática sempre que os pais resguardam seus papeis e responsabilidade parentais.

Desta forma, a mediação familiar demostra ser um recurso extremamente adequado e útil, já que tem como fim facilitar a retomada do lugar de pais cuidadores dos filhos e de si próprios, em um momento extremamente doloroso e difícil em que ambos desviam, ao menos momentaneamente, o foco da manutenção de relacionamentos construtivos e perdem-se na desarticulação.

O mesmo ocorre na mediação de casal, onde também corriqueiramente nos deparamos com casais litigantes que buscam não a defesa de seus interesses e necessidades mas o bloqueio dos interesses do outro. Nestes casos, sempre que a mediação é possível, temos como resultado pessoas mais satisfeitas e reconhecidas. Além do mais, com um forte sentimento de justiça perante si mesmo e o outro já que ambos interesses e necessidades foram defendidos e esclarecidos, resultando num acordo mútuo de própria autoria.

No Brasil, encontra-se em estudo no judiciário a inclusão da mediação nos processos judiciais, sendo que, nas varas de família além de um advogado mediador, deverá existir um co-mediador que terá obrigatoriamente como profissão de origem psicologia, psiquiatria ou serviço social.

Em sendo aprovada a lei, torna-se então obrigatório o oferecimento da mediação como um primeiro recurso à resolução de conflitos de qualquer natureza. Mesmo que esta obrigatoriedade de oferta não possibilite que efetivamente a mediação possa ocorrer em todos os casos, tendo em vista a obrigatoriedade da voluntariedade das partes, esta decisão será extremamente benéfica no sentido de divulgar para a população a existência deste recurso. Assim como de obrigar que mais e mais pessoas estudem e se especializem no instrumento da mediação como técnica complexa e extremamente delicada que é.

Acreditamos, mais que isso, confiamos que, à medida em que os próprios profissionais da área de direito tomem contato com esta técnica e seus resultados, possam também repensar a tradicional postura litigante e substituí-la por uma atuação que busque mais vezes a composição entre as partes do que os ganhos de causas, certos de que todos sairão ganhando.

Esta é uma área de atuação da mediação extremamente profícua visto que interfere exatamente na família, célula mater de todas as relações humanas.

Grupo de Encontro: Qual o programa?

Esther Gomes de Lima Carrenho

*Texto escrito em 2002.

A maioria das pessoas quando se inscrevem pela primeira vez num Grupo de Encontro perguntam: “Qual é o programa do fim de semana?” [Mais...]

Confesso que gasto muito mais tempo para responder e tentar explicar que não há um programa do que se simplesmente apresentasse um esquema com horários e atividades especificas.

O programa do Grupo de Encontro é feito pelo próprio grupo. Não numa reunião em volta de uma mesa com caneta e papel na mão. Não numa troca de idéias considerando a melhor forma de gastar o tempo, mas numa tentativa de experimentar olhar profundo para dentro de si mesmo, no contato consigo e com o outro. Diante disto talvez podemos dizer que não há programa mas há um caminho a percorrer e este caminho é o próprio grupo que determina. Mas a determinação na verdade é apenas a de ir pelo que surge, com medo, sem saber o que vem pela frente. É um salto no novo e no desconhecido. Nem sempre o que acontece é o melhor, mas com certeza não será nem o errado e nem o certo. É o que é. E fará parte do processo de crescer e o próprio grupo encontrará a melhor forma para as mudanças, se houver necessidades delas. Rogers usa um fato que ilustra bem esta verdade:

“Um grupo, para mim, é semelhante a um organismo, possuindo o sentido da própria direção, ainda que não possa definir intelectualmente esta direção. Isto me recorda um filme médico que há tempos, me causou profunda impressão. Era um foto-microfilme que mostrava os glóbulos brancos do sangue movendo-se inteiramente ao acaso na corrente sanguínea, até que apareceu uma bactéria patogênica. Então de uma maneira que só podia ser descrita como propositada, dirigiram-se para ela. Rodearam-na e gradualmente, cercaram-na e destruíram-na. Depois voltaram para o seu caminho…De igual modo segundo me parece, o grupo reconhece no seu processo os elementos não saudáveis, centra-se neles, filtra-os ou elimina-os, e continua, tornando-se num grupo mais saudável.”(Rogers, Carl R. – Grupos de Encontro, pag. 52).

É assim também para os psicoterapeutas. Quando vamos para um Grupo levamos na bagagem toda a nossa vivencia como pessoa, toda nossa experiência como facilitadores de grupos, todo nosso conhecimento e toda nossa disposição para dar o melhor de nós mesmos, mas principalmente vamos cheios de expectativas pela surpresa de qual caminho vamos trilhar e do que vai acontecer.

Qual então a função do psicoterapeuta?

A função do profissional aqui é:

·Em primeiro lugar proporcionar um ambiente, onde haja uma facilitação para o contato da pessoa consigo mesma.

·Em segundo lugar é caminhar junto no caminho escolhido pelo grupo. Como psicoterapeuta até é possível indicar um procedimento ou uma conduta sempre dando liberdade para que o grupo concorde ou não, mas os resultados e como aproveitar o que foi proposto é sempre com os participantes do mesmo.

·Em terceiro oferecer ferramentas que possam ajudar não só o grupo, mas cada participante do grupo, neste caminhar para se encontrar da forma mais profunda e verdadeira possível.

Como terapeutas não fazemos o programa, não escolhemos o caminho mas vamos juntos como participantes, não ignorando nossos próprios sentimentos; como facilitadores criando um clima que transmita segurança e oferecendo suporte e encorajamento para aqueles que quiserem correr o risco de mergulhar no até então desconhecido e conhecer mais da sua própria realidade. Entendo que quando a pessoa encontra um ambiente onde o que for dito será respeitado e aceito como uma expressão da sua verdade, ela terá mais liberdade para se expor , desnudando-se e percebendo se a realidade ali exposta faz parte da sua essência ou eram apenas situações internalizadas que não fazem sentido no seu viver. Pior ainda, além de não fazerem sentidos, são dinâmicas adquiridas ou impostas que trazem aprisionamento e sofrimento. Na exposição à pessoa tem a oportunidade de fazer contato consigo mesmo e no acolhimento ela pode experimentar a aceitação de si mesma se fortalecendo para se tornar cada vez mais autêntica e integrada em todos seus relacionamentos, inclusive consigo mesma.

Permitir que o grupo encontre seu melhor caminho significa acreditar que esta é a melhor forma de tratarmos com o que é mais emergente e importante para o grupo e para cada um dos seus participantes. Não estou invalidando as dinâmicas e vivências preparadas por antecipação. Apenas, entendo que quando o programa é planejado apenas pelos profissionais que estão na função de psicoterapeutas a possibilidade do participante entrar e sair sem um contato profundo com a sua real necessidade é maior. Não esquematizar um programa também não significa que o psicoterapeuta é omisso e desprovido da capacidade de usar qualquer técnica quando for necessário e de forma espontânea. Todo o grupo pode participar de uma forma terapêutica mas cabe ao facilitador promover os recursos disponíveis para um movimento terapêutico do grupo. Isto significa que qualquer conduta usada de forma espontânea e democrática, respeitando o caminho que o grupo escolheu é proveitosa.

Desta forma, o programa do Grupo de Encontro pode ser você. Desde que você queira experimentar!

Experiências de um Ludoterapeuta Centrado na Pessoa.

Cíntia Bortolotto Almeida

*Artigo entregue a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como parte integrante da avaliação do Estágio Curricular em Psicologia Clínica.

Resumo

O presente artigo pretende apresentar minha prática como ludoterapeuta embasado na Abordagem Centrada na Pessoa. [Mais...] Esta experiência compôs meu estágio curricular de psicologia clínica, sob supervisão do Instituto de Psicologia Delphos. Os atendimentos ocorreram na Instituição Estadual Vida Centro Humanístico. Através da prática descrevi os pressupostos que embasam o trabalho com ludoterapia centrada na pessoa, propostos por Axline (1984), exemplificando-os. Além disto, este trabalho tem como finalidade expor o caminho que percorri durante este ano de estágio, as aprendizagens que adquiri e o desenvolvimento de minha capacidade de ser congruente, empática e de aceitar incondicionalmente o cliente, atitudes básicas de um psicólogo humanista à luz da Abordagem Centrada na Pessoa. Com o decorrer desta escrita, pude perceber que o êxito do trabalho nesta abordagem dependerá do desenvolvimento do próprio terapeuta, de seu autoconhecimento e sua autenticidade, o que permitirá ao mesmo estar livre para o contato genuíno com o outro.

Palavras Chaves: ludoterapia; abordagem centrada na pessoa; prática clínica.

Abstract

The present article intends to present my practical as therpist based in the Person Centered Approach. This experience composed my curricular period of training on clinical psychology, under supervision of the Instituto de Psicologia Delphos. The attendance had occurred in the state institution Vida Centro Humanistico. Through the practical I could describe the prerogatives that bases the work with play therapy centered in the person, considered for Axline (1984), and explain them. Moreover, this work has as purpose to show the way that I walked during this year on this training, the learnings that I acquired and the development of my capacity of being coherent and to accept unconditionally the customer, basic attitudes of a humanist psychologist through the light of the Person Centered Approach. With elapsing of this writing, I could perceive that the success of the work in this boarding will depend on the development of the therapist, his self-knowledge and his authenticity, what will allow the therapist to be free for the genuine contact with the other.

Words Keys: play therapy; Person Centered Approach; practical clinic.

Os gregos acreditavam que o famoso oráculo de Delfos era capaz de lhes dizer coisas sobre seu destino… No templo de Delfos havia uma famosa inscrição: Conheça-te a ti mesmo! (Gaarder, 1995, p.67).

O presente artigo tem como finalidade, apresentar de forma teórica e prática, minhas vivências como ludoterapeuta embasado na Abordagem Centrada na Pessoa. A prática declarada advém de meu estágio curricular em psicologia clínica, o qual foi realizado com o aporte do Instituto de Psicologia Delphos e através de uma parceria deste com o Vida Centro Humanístico, onde ocorreram os atendimentos. Os atendimentos foram oferecidos gratuitamente aos usuários da instituição, em sua maioria crianças, e a comunidade local. Durante o decorrer do artigo, serão comentados alguns atendimentos, nos quais a identidade dos clientes foi preservada.

A ludoterapia centrada na pessoa leva consigo os pressupostos humanistas. Tambara e Freire (1999) relatam que uma das características essenciais desta teoria é a não diretividade. Isto significa que o cliente, na relação de psicoterapia, é quem tem melhores condições de dirigir o processo, selecionando dentre as suas vivências aquelas que necessitam ser trabalhadas e resignificadas. Desta forma, o terapeuta não vai atrás de nenhuma informação, não realizando entrevistas de anamnese.

Segundo Rogers (1983) existem três condições básicas para que se crie um ambiente facilitador para o cliente. São elas: a congruência, a aceitação positiva incondicional e a compreensão empática.

A prática dos atendimentos veio a demonstrar que os pressupostos acima são essenciais e suficientes para que o cliente perceba o ambiente terapêutico como cálido e acolhedor, sentindo-se aceito e compreendido em sua singularidade, vindo a expor o que temos de mais íntimo: nosso próprio eu.

Ao iniciar o estágio, o primeiro passo de minha caminhada foi a montagem da sala. Em função de o Vida Centro Humanístico atender principalmente crianças, tive que refletir sobre uma sala de ludoterapia, o que isto representava e quais matérias deveria conter. Como fruto deste exercício de pensar sobre a ludoterapia conclui que se trata de uma alternativa de aproximação ao mundo da criança, fazendo com que aquele espaço torne-se menos ameaçador.Tendo em vista que o brinquedo é um instrumento terapêutico importante, a sala de ludoterapia deve dispor de diversas opções, possibilitando que cada criança encontre seu meio de expressão.

Dorfman (1992) relata que, geralmente, a criança é trazida à terapia devido ao fato de ter desagradado ou preocupado algum adulto. Desta forma, raramente chega ao encontro terapêutico com desejo de auto explorar-se. “Ela se lança nessa experiência singular do mesmo modo que penetraria em outras novas experiências – amedrontada, entusiasmada, cuidadosa, ou de qualquer outra maneira que lhe seja típica em sua reação ante situações novas”.( Axline, 1984, p.68).

No caso de meus atendimentos, as crianças eram encaminhadas pela equipe técnica do local, sendo em sua maioria aquelas crianças com problemas disciplinares e com uma vida familiar complicada, sendo rotuladas como ‘crianças problema’.

Para melhor percorrer meu caminho como ludoterapeuta, utilizarei os oito princípios básicos da ludoterapia, propostos por Axline (1984). Tais princípios nortearam minha prática e minha compreensão sobre o trabalho com crianças à luz da abordagem centrada na pessoa.

O primeiro princípio descreve que “o terapeuta deve desenvolver um amistoso e cálido relacionamento com a criança, de forma que logo se estabeleça o ‘rapport’”. (Axline, 1984, p.71). Esta atmosfera dar-se-á através das atitudes do terapeuta, de sua congruência, sua compreensão empática e sua aceitação incondicional para com o cliente.

Dorfman (1992) complementa ao colocar que “uma relação em que a criança se sente sinceramente aceita e respeitada, apesar de seus defeitos, parece ajudar esta capacidade latente de auto desenvolver-se se tornar manifesta” (p.315).

De uma forma generalizada, as crianças compareciam ao primeiro atendimento com muita desconfiança, pois além do desconhecimento do que seria este espaço de terapia, demonstraram uma certa confusão daquele momento com os diversos outros que passavam dentro da instituição. Para que a atmosfera terapêutica se estabelecesse foi necessário demonstrar que naquele momento elas não seriam julgadas e que não apresentava caráter punitivo, fazendo com que tivesse que exercitar bastante minha empatia e aceitação às crianças.

De acordo com Axline (1984) é fundamental que se estabeleça um bom rapport, onde um contrato seja firmado. Combinações essenciais de tempo, espaço e sigilo devem ser realizadas no primeiro encontro, e retomada sempre que necessário. Por se tratar de um estágio, as entrevistas foram gravadas e transcrita, necessitando de aprovação do cliente para tal.

A combinação feita em relação ao sigilo mostrou-se especialmente importante nestes atendimentos em função de acontecerem na mesma instituição que as crianças freqüentam todos os dias, pois do contrário seria demasiadamente ameaçador falar de si próprio neste ambiente. Logo abaixo há um trecho do primeiro encontro com um de meus clientes, no qual pode-se visualizar o contrato.

T: Oi.

C: Oi.

T: Meu nome é Cíntia, sou estagiária do Instituto Delphos e vou ser tua terapeuta.

C: Hahm.

T: Nós temos 50 mim juntos, se começamos às 10:30 hs, termina às 11:20hs. Neste horário, neste espaço tu fazes o que tu quereres, se quiseres pintar, brincar, mexer nas coisas, conversar, ou não fazer nada. Eu te acompanho.

C: Hahm.

T: Como sou estagiária, preciso gravar os nossos encontros para levar minhas anotações para supervisão, na Delphos. Gostaria de saber como fica para ti eu gravar nossos encontros.

C: Tudo bem.

T: Bem, tudo que acontecer aqui, tudo que nós conversarmos, fica entre nós. Eu tenho sigilo quanto ao que nós conversarmos aqui.

C: Hahm.

Neste trecho é possível observar que coloquei à ele as combinações contratuais logo no início, para que posteriormente não venha a interromper seu caminho. Estas combinações serão feitas com um linguajar adequado, de forma que permita ao cliente entendê-las, e sempre que necessário serão retomadas.

Axline (1984) coloca como segundo princípio da ludoterapia a aceitação da criança exatamente como ela é. Isto transparece nas atitudes do terapeuta, através de uma postura firme, calma e amigável. É importante ressaltar, também, que o terapeuta não deve julgar as atitudes do cliente.

A prática clínica demonstra que o não julgamento das ações, nem positivamente, nem negativamente, é um dos grandes diferenciais da relação terapêutica na medida em que não demonstrando expectativas sobre o cliente, o mesmo passa a se sentir aceito e confiante na pessoa do terapeuta.

Alguns clientes, num primeiro momento, tendem a esperar um julgamento, desafiando o terapeuta. Estes momentos foram-me de extremo crescimento, pois foi com eles que senti necessidade de aperfeiçoar minha aceitação e empatia pelo outro. Com o desenrolar dos encontros e com minhas aprendizagens pessoais, pude não me sentir mais desafiada, aceitando o sentimento de estranheza do cliente.

Esta aceitação nos remete ao terceiro princípios da ludoterapia, o de estabelecer a permissividade. Axline (1984) descreve que a hora da terapia é a hora da criança, sendo ela quem escolhe o que fazer durante este espaço de tempo e que o terapeuta a acompanhará.

A disposição dos materiais na sala é de fundamental importância quando se fala de permissividade, estes devem estar à mostra, e não guardados em algum armário fechado. Desta forma, a criança pode escolher sozinha, estimulando sua autonomia na medida em que não necessita da ajuda do terapeuta para encontrar o que deseja. Ao montarmos a sala, tivemos o cuidado para que nada ficasse inacessível ao cliente, ou escondido.

Dorfman (1992) afirma que “a crença do terapeuta é de que a decisão da criança é mais benéfica do que a realização efetiva desta atividade” (p.316).

A experiência demonstrou-me que para esta permissividade ser terapêutica ela deve estar de acordo com os sentimentos do terapeuta. Por vezes passei por situações que permiti ações as quais me deixaram muito ansiosas, e pude analisar que de nada serviram para que o cliente se sentisse aceito, pois o mesmo percebeu minha incongruência. O terapeuta deve sempre ser congruente e autêntico em relação às suas ações.

De acordo com Axline (1984), quando a criança expressa sentimentos negativos ou violentos o terapeuta deve aceitar e refletir os sentimentos, e não necessariamente a ação. Complementando, Dorfman (1992) expõe que uma das coisas que uma criança vivencia na ludoterapia é que há formas de descarga aceitáveis para seus sentimentos, não sendo necessário negá-los. Desta forma, a ludoterapia constitui-se em uma experiência socializante para a criança.

O reconhecimento e a reflexão dos sentimentos da criança compõe o quarto princípio da ludoterapia. Axline relata que “o terapeuta fica em alerta para reconhecer os sentimentos que a criança está exprimindo e os reflete de maneira tal que possibilite, a ela, uma visão interior do seu comportamento”. (p. 91).

Este princípio deixa claro o quanto o terapeuta deve estar atento as atitudes do cliente e aos sentimentos expressos durante a terapia. Axline (1984) atenta sobre as diferenças entre reconhecer e interpretar os sentimentos. Descreve que toda vez que traduzimos comportamentos simbólicos em palavra estamos, de certa forma, interpretando. Todavia, o terapeuta centrado na pessoa deve evitar ao máximo interpretar, e quando o fizer que a resposta inclua o simbólico utilizado pela criança.

Complementando, Silvia (1995) nos coloca que interpretar implica em não ouvir o outro de forma empática, afastando-se da relação e visualizando o cliente como objeto. Em minha experiência pude perceber que a reflexão dos sentimentos, se feita através do simbólico, torna-se não ameaçadora ao cliente, podendo proporcioná-lo um ‘insight’.

Complementando os cuidados que o terapeuta deve ter em uma sessão de ludoterapia, Axline (1984) descreve o quinto e sexto princípios básicos. O primeiro refere-se ao respeito e a crença que o terapeuta deve ter na capacidade da criança solucionar seus próprios problemas, sendo o mesmo responsável por suas escolhas. Desta forma, o terapeuta não deve indicar o caminho que julga melhor, mas sim acreditar no potencial da criança de encontrar suas próprias soluções. Isto vem ao encontro do sexto princípio, o qual descreve que “o terapeuta não tenta dirigir os atos ou a conversa da criança, de maneira alguma. É ela quem o faz. O terapeuta a acompanha”. (Axline, 1984, p. 111).

Na prática de meus atendimentos pude perceber que mudanças no comportamento possuem algum valor somente quando forem resultado de algum ‘insight’, sendo inútil encontrar alternativas para as crianças. Além disto, atitudes tutelares como estas demonstram descrença na capacidade das forças de crescimento do cliente, podendo vir a lhe passar a idéia de que é incapaz. Ao invés de querer amenizar seu sofrimento e seus problemas, o que só gera dependência, o terapeuta deve seguir seu caminho, dando-lhe aporte e confiança para que expresse suas necessidades, podendo vir a achar suas próprias respostas.

Silva (1995) ressalta o quinto princípio como um dos principais na medida em que a condição básica para ser um psicoterapeuta da Abordagem Centrada na Pessoa é acreditar incondicionalmente no cliente. O terapeuta deve ter para si, como princípio de vida, a crença na tendência atualizante.

O sétimo princípio descrito por Axline (1984) complementa os dois anteriores ao relatar que a terapia é um processo gradativo, o qual não deve ser apressado pelo terapeuta. Na medida em que o terapeuta segue o caminho percorrido pela criança deve esperar por seu tempo, não forçando que reconheça algo que seu self não está preparado.

Os encontros terapêuticos mostraram-me que cada criança possui seu próprio tempo para poder expressar seus sentimentos. Até este momento, estão se familiarizando com o ambiente e com o terapeuta, formando um vínculo e estabelecendo confiança para com o mesmo. Querer apressar este tempo significa não aceitar os sentimentos e o desejo do cliente, além de transparecer uma expectativa pessoal, fazendo com que este se sinta julgado a estar ou não correspondendo a última. Com isto, acaba por retardar o processo, pois estas atitudes põem em risco o vínculo com terapeuta.

Durante os atendimentos tive uma vivência de ter interrompido o silêncio do cliente, desviando-o de seu caminho. Esta atitude acarretou em um declínio na confiança do cliente em ser aceito da maneira como se coloca, sendo necessário um certo tempo para que o vínculo fosse retomado. Com esta experiência aprendi a controlar minhas próprias expectativas para com a terapia, além de perceber que a criança demonstrará aquilo que está pronta para vivenciar, sendo que o restante fica resguardado de sua própria dificuldade de lidar com certos sentimentos e fatos de sua vida.

Por fim, o oitavo princípio da ludoterapia refere-se aos limites necessários para que a terapia não se distancie da realidade. Axline (1984) refere que os limites estabelecidos são aqueles que se fazem necessários para a criança situar a terapia no mundo da realidade e para que tome consciência de sua responsabilidade neste ambiente.

Silva (1995) ressalta que o limite do tempo e o espaço como fundamentais para que a terapia seja percebida como inserida no tempo e espaço da realidade. Sempre respeitei o tempo de 50mim da terapia, sendo esta informação parte do contrato inicial. Ocorreu-me o caso de um cliente sempre pedir um tempinho a mais, nesta situação refletia sua vontade de que tivesse um tempo a mais. Sentindo-se compreendido, o cliente ia embora, sem termos ultrapassado nosso tempo.

Outro limite importante é quanto a integridade do cliente, da terapeuta e dos materiais da sala. Quanto a isto, Axline (1984) relata que este limite deve ser trabalhado somente se houver necessidade, pois do contrário pode reprimir o aparecimento de sentimentos negativos e desejos de agressões, e na terapia não há limites para a expressão dos sentimentos, somente a ações.

Em um de meus atendimentos a questão dos limites ficou muito clara, visto que a queixa que trouxe a criança à atendimento era justamente limites. Este cliente sempre demonstrou muito interesse em futebol, e certo dia decidiu jogar bola dentro da sala de ludoterapia. Refleti a ele este sentimento, mas percebendo que aquele brincar poderia feri-lo ou trazer-me problemas com a instituição devido a quebra de vidros dei-lhe o limite de jogar a bola somente rente ao chão, o que era possível naquele espaço. Depois de um certo tempo, na mesma sessão, criou outra maneira de brincar com a bola, de forma que não trouxesse-nos riscos.

Durante outro encontro, o cliente convenceu-me a jogar bola fora da sala. Aquela sessão deixou-me extremamente confusa, fazendo com que não estivesse autêntica naquela atitude de aceitação. Ao refletir sobre este dia, percebi que o que estava acontecendo era que o cliente estava expressando na terapia toda sua dificuldade de lidar com limites. Sendo assim, percebi a necessidade de trabalhar estes limites com esta criança.

Com este caso podemos pensar na necessidade de o terapeuta oferecer permissividade ao cliente, mas não deixar de estabelecer limite, quando se fizer necessário. Axline (1984) relata que a ludoterapia deve ter o mínimo de limites possível, possibilitando a livre expressão do cliente, mas sempre de forma a manter a terapia no mundo da realidade. Dorfman (1992) ressalta ainda que “os limites têm valor positivo, porque conferem alguma estrutura à situação terapêutica” (p.299).

Vindo ao encontro de Dorfman (1992), acredito que a definição dos limites da terapia irão variar de acordo com a capacidade do terapeuta de continuar a aceitar incondicionalmente o cliente de forma autêntica e congruente.

Conclusões

Através da descrição dos princípios da ludoterapia é possível ter uma real percepção de como se procede a prática do psicoterapeuta centrado na pessoa quando em atendimento de ludoterapia e no que se baseia a última.

A utilização da ludoterapia no atendimento de crianças justifica-se por aproximar o terapeuta do mundo do cliente, fazendo com que ele possa expressar-se de forma livre, através do brincar. Esta prática vai ser embasada de acordo com os princípios gerais que norteiam qualquer intervenção sob o enfoque humanista da Abordagem Centrada na Pessoa. As atitudes básicas do terapeuta de congruência, empática e aceitação incondicional do cliente devem estar presentes, bem como a percepção destas atitudes pelo último.

Os atendimentos que vivenciei durante este ano de estágio puderam clarear e dar sentido a bibliografia na medida em que os pressupostos humanistas e os norteadores da ludoterapia centrada na pessoa foram vivenciados intensamente.

No decorrer dos atendimentos pude aperfeiçoar minha capacidade de ser empática, congruente e de aceitar incondicionalmente o cliente. As supervisões foram essenciais para que pudesse dar-me conta de minhas dificuldades e aprender a superá-las. Neste sentido, gostaria de agradecer ao Instituto de Psicologia Delphos pela atenção e pelo comprometimento, pois, às vezes, é difícil caminhar sozinho, e quando nos sentimos acompanhados esta estrada parece menos sinuosa e perigosa. Assim como na psicoterapia, a supervisão no início de nossa vida profissional exerce o papel de oferecer um suporte e de um auxílio para que possamos dar-nos conta de algo que ainda nos é confuso.

A experiência de ser terapeuta de acordo com a abordagem centrada na pessoa clareou-me que o êxito desta função não está unicamente em leituras e estudos, mas principalmente em seu desenvolvimento pessoal, podendo desta forma estar livre e autêntico para o contato genuíno com o outro, vindo a realmente aceitá-lo incondicionalmente.

Referências Bibliográficas

AXLINE, Virginia. Ludoterapia. Belo Horizonte: Interlivros, 1984.

DORFMAN, Eliane. Ludoterapia. In Carl R. Rogers. Terapia Centrada na Cliente (p.268-317). São Paulo: Martins Fontes, 1992.

GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983.

SILVA, Sueli Dias. Da Ludoterapia Não-diretiva à Ludoterapia Centrada na Pessoa: Reflexões: à luz da prática clínica e do desenvolvimento da Abordagem Centrada na Pessoa, sobre os “Oito Princípios da Ludoterapia Não-Diretiva” propostos por Virginia Mãe Axline. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Formação em Psicoterapia Centrada na Pessoa) Instituto Sedes Sapiense. São Paulo: 1995.

TAMBARA, Newton, FREIRE, Elizabeth. Terapia Centrada no Cliente: teoria e prática: um caminho sem volta. Porto Alegre: Delphos, 1999.