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Olhando… se vendo: big Brother Brasil.

Alex Sandro Alves de Azeredo

*Texto escrito em 2000.

Observação: Quando escrevi esse artigo, estava ainda no ar o primeiro Big Brother Brasil. [Mais...] Como vocês podem ver, já se faz algum tempo que este artigo foi redigido, devido a isso, acho importante relembrar ao leitor algo sobre os participantes do BBB 1e como eles se comportavam no meu ponto de vista:

Caetano: Homem de meia idade. Ficou muito triste e magoado quando foi indicado para o primeiro paredão. Quando o pessoal da casa recebeu de presente uma cadela, ele se apegou bastante a ela e a escolheu como confidente, tendo contato com o pessoal da casa apenas quando nescessário.

Bruno: Um rapaz de boa aparência, rico, falava três idiomas. Mimado, infantil e imaturo, segundo os participantes do programa

Bambam: Um rapaz musculoso. Não tinha muito estudo. Construiu uma boneca de lata “Eugênia”, e a ela, contava seus segredos e dores. Foi o grande vencedor do BBB1

Sérgio: Um gringo, inteligente. Foi o namorado de Vanessa durante todo o programa. Não se mostrou no programa .

André Gabé: Um rapaz com uma voz impecável. Se enturmou muito com as moças da casa. Quando lhe perguntaram se ele era gay, ele respondeu que não tinha sexo.

Alessandra (Leca): Uma jovem bastante bonita. Sofria de Bolimia e bebia até cair.

Vanessa: Namorada de Sérgio. Totalmente neutra no programa.

Adriano: Um baiano que não consegiu fazer muitas amizades.

Xaiane, Estela, Helena, Cristiana: Também participaram do programa.

Fiquei pensando sobre o Big Brother Brasil (BBB). Assisti a 1ª edição e torci muito. Às vezes penso: será que eu conseguiria ficar dois meses enfurnado numa casa? Eu que gosto tanto de andar, de ir à praia, ver gente… Talvez até surtaria!!

Deve ser interessante e ao mesmo tempo assustador, saber que todos me olham.Todos olham… Mas porquê olham? Porquê ficam sentados em frente à televisão assistindo a privacidade dos outros? O que estão querendo ver? Quem estão querendo ver?

Não sei se posso pensar que os doze participantes do 1º BBB são os representantes da nossa sociedade. Ou indo até mais fundo, que eles são o espelho, a referência de nós mesmos, que quando assistimos o BBB, estamos nos assistindo. Estamos nos vendo. Somos nós.

Nada a ver ? Viajei ? É, pode ser, mas me permitam continuar viajando. A professora do Departamento de Psicologia da Ufes Vânia Reis, no Dia Internacional da Mulher, participou de um debate sobre a ascensão da mulher na sociedade durante os anos. Ela apresentou um estudo que mostrava como houve essa transformação do lugar feminino e do lugar masculino, principalmente no âmbito familiar nas décadas de 50, 80 e 2000. No estudo da professora ela resgata três seriados de televisão de cada época, muito famosos então.

Em 1950 havia o seriado Papai Sabe Tudo, onde o lugar central pertence ao homem. A mulher está apenas como coadjuvante. O homem é quem comanda, ele é quem lidera.

Na década de 80 havia o seriado Família Dó Ré Mi, que conta a saga de uma mulher que tem que criar cinco filhos sozinha, porque o marido a abandonou. Onde está o lugar do homem? Não existe mais. Foi abandonado, foi substituído.

Na década de 2000 é o seriado Os Simpsons que está em voga. Nesse seriado é a mulher quem lidera. É a mulher quem toma as decisões . O homem volta a ter lugar, só que este é representado por um homem babaca, imbecil, beberrão, neutro para não falar inútil, etc, etc, etc.

O homem volta a ter um lugar, só que agora um lugar ridicularizado, onde ele não serve para nada, onde é manipulado por tudo e por todos.

O BBB me fez pensar como está o lugar do homem e da mulher em nossa sociedade de hoje. Como está sendo representado o lugar do homem e da mulher? Que “tipo” de homens e de mulheres temos no BBB? Nele temos homens musculosos, bonitões, mas burros iguais a uma porteira, como diria a minha avó. Temos homens intelectuais, letrados, poliglotas, mas sem nada para oferecer.Temos homens que acreditam piamente que o melhor amigo do homem é um cachorro, ou uma boneca de lata e devido a isso, se esquivam do animal homem e do homem carne e osso. Temos homens que falam que não têm sexo. Se não têm sexo, não são homens, mas também não são mulheres. Temos homens chorões e outros fortes como rocha. Temos homens centrados, que aparentam ter algum caráter, mas não se mostram, não se permitem conhecer. Temos mulheres lindas e maravilhosas, mas fúteis. Temos mulheres bolímicas, onde comem tudo e depois quase morrem de tanto vomitar. Temos mulheres beberronas, que vivem de ressaca em ressaca.Temos mulheres que choram à toa e outras que tem que se mostrar fortes.

Paro agora para refletir. De quem estamos falando? Estamos falando dos 12 participantes do BBB ou estamos falando de nós mesmos? Creio que estamos falando de todos nós.

Muitas vezes nos escondemos na nossa força muscular ou no nosso intelectualismo e não nos permitimos SER. Muitas vezes queremos chorar, mas “os outros” têm que pensar que somos fortes, afinal de contas, se chorarmos, o que vão pensar de nós? E devido a isso, não podemos SER. De outra forma, muitas vezes só conseguimos chorar e não reagimos, porque não temos força. E o nosso EU se perde.

Quantas vezes engolimos todas as podridões do mundo, engolimos o ódio , a raiva, o preconceito de todos, da família, do pai, da mãe, do colega, do professor, do cara ao lado no ônibus e depois vomitamos tudo isso nas pessoas que nos rodeiam e reproduzimos essa bolimia social.

Muitas vezes não confiamos em ninguém. É melhor confiar nos cachorros e nos cachorrinhos a confiar no homem, e aí vem a solidão e o nosso Eu de novo se perde. Hoje, quantos não assumem o seu lugar de pai, o seu lugar de mãe, o seu lugar de homem , o seu lugar de mulher. Não tenho sexo! Se não tenho sexo, não tenho um lugar. Então não me cobrem nada. Se não tenho sexo, eu não SOU.

Falando em ser homem, falando em ser mulher… O que vem a ser isso? Hoje, parece estar muito confuso para o jovem definir este lugar. O que é ser homem? O que é ser mulher? Estamos perdendo a referência. Que exemplo seguir? ” Eu imito meu pai., mas meu pai não, ele não é um bom exemplo. Então eu imito a minha mãe, que foi pai e mãe ao mesmo tempo. Mas ela não é homem? Eu imito quem então?! A quem sigo como exemplo?!” Será mais fácil fugir da responsabilidade de SER, e dizer eu não tenho sexo?

Do Papai Sabe Tudo aos Simpsons, o homem sofreu uma trágica transformação. Ele se perdeu. Saiu do lugar de “todo o poderoso” para o “todo o nada”. Isso tem confundido os jovens, tem nos ameaçado.

Em relação à mulher, ela saiu do lugar de uma simples coadjuvante, para o lugar principal, de líder, de chefe do lar. Os homens a deixaram só. Eles fugiram! Será que as mulheres querem essa responsabilidade? Será que não tem pesado para elas esse lugar?

Estamos vivendo uma época onde está muito difícil SERMOS nós mesmos. Está muito difícil nos assumirmos, ser quem queremos ser, e com isso, nosso eu se perde. Quando isso acontece os outros “eus” tomam forma, os outros “eus”, que eu chamo aqui, de eu-outro, impostos pelos pais, pelas mães, pelos outros.

O eu-outro que é bonzinho, por que todos querem que sejamos bonzinhos, mas quando na realidade o nosso eu-próprio quer ser bravo, quer enfrentar a vida, não abaixar a cabeça.

O eu-outro que se mostra forte, mas na realidade o eu-prório quer chorar, quer berrar, quer se mostrar fraco, carente. O eu-próprio quer ser abraçado, quer abraçar, quer se relacionar. Ele quer ser, enquanto o eu-outro o segura, o cala. E o nosso eu-próprio se perde.

Creio que o BBB 1 veio retratar de todos esses “eus” e o BBB 2 não será diferente. Ele ainda vem falar de nós.

Qual “eu” tem falado em nós? Estamos SENDO? Estamos alcançando o Devir humano, o Ser enquanto Ser? Ou estamos nos permitindo, por ser mais cômodo, viver num esconderijo, numa masmorra interna, seja ela física, intelectual ou de outra forma qualquer, onde relacionamentos não existem, onde o ser e o outro não se encontram, onde eu escolho não ser, onde o meu eu se perde?

Não sei se minha “viagem” é pertinente, não sei se ela faz sentido para você. Se fez, que ótimo! Se não fez brother, que pena! Um big abraço.

O trabalho do psicólogo no Pronto Socorro ma intervenção da dor psíquica.

Adriana Coscia Graner de Azevedo Marques

*Trabalho apresentado no XXIV Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo/2003.

Objetivo:

Avaliar os pacientes que chegam ao Pronto Socorro, com queixa de dor no peito e mal estar, relacionando às mesmas com fatores emocionais. [Mais...]

Casuística e Método

Foram acompanhados no período de Outubro de 2001 à Outubro de 2002, 47 pacientes entre 30 e 50 anos. Destes, 17 eram do sexo masculino.

O atendimento foi realizado através dos pressupostos teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa, que visa estabelecer uma relação de ajuda, no sentido de facilitar condições para o indivíduo compreender o que a dor representa para ele.

Princípios da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP)

Empatia;

Acolhimento do paciente;

Escuta da dor, mobilizando para a busca da compreensão de seu problema emocional;

Tendência Atualizante, capacidade natural do indivíduo de se auto dirigir no sentido de seu crescimento.

Tendência Atualizante na ACP

O psicólogo irá buscar a melhor forma de ajudar o paciente e seus familiares respeitando este princípio, onde acredita-se que as pessoas possuem um movimento interno dinâmico em busca da melhor maneira de lidar com os seus sentimentos e dificuldades.

Doença:Dor Psíquica X Dor Orgânica

A doença faz parte e se inter relaciona não só com o corpo físico, mas também com o contexto relacional e as atitudes do indivíduo consigo mesmo e frente à vida.

A doença pode se desenvolver como resultado de algum tipo de excesso-físico, emocional e/ou mental.

Doença: Dor Psíquica X Dor Orgânica

Como a doença se instala num momento de crise ou transição, esta serve como oportunidade de mudança e crescimento, de ultrapassar antigos padrões e condicionamentos, e de expressar-se de modo mais aberto e direto no mundo.

Doença: Dor Psíquica X Dor Orgânica

A doença surge como um alarme, mostrando ao paciente, que de algum modo ele não respeitou os seus limites e as suas necessidades.

A doença se for representada como uma perturbação da harmonia, ela ocorrerá primeiro na consciência e, depois, se concretizara no corpo.

Doença: Dor Psíquica X Dor Orgânica

O sintoma vem a ser a manifestação da perda do equilíbrio interno da pessoa.

É necessário ouvir o sintoma e entender o seu significado.

Doença: Dor Psíquica X Dor Orgânica

A saúde não corresponde apenas a ausência de distúrbios físicos, mas a uma maneira saudável de estar e se expressar na vida.

Para muitos pacientes que se sentiram subitamente perdendo a sua saúde, a doença lhes possibilitou o contato com suas necessidades, alcançando a partir dela, uma melhor qualidade de vida.

Doença:Dor Psíquica X Dor Orgânica

A doença não é um problema unicamente físico, envolvendo também os aspectos emocionais e mentais.

Dor Psíquica

A escuta do psicólogo, possibilita ao paciente entrar em contato com experiências dolorosas e estressantes, ajudando- o a perceber o significado que ela lhes atribuiu, de acordo com suas crenças.

Dor Psíquica

Focalizando estas experiências e examinando suas crenças o paciente poderá dar novos significados a esses eventos, percebendo outras maneiras de lidar com e responder a elas.

Desta forma, a energia que havia ficado retida naquelas experiências, interferindo negativamente em sua saúde, volta a fluir, ajudando a restaurar o funcionamento do organismo.

Dor Psíquica

A cura da doença envolverá mudanças afetando a sua vida como um todo. E caberá ao paciente ser o agente dessas mudanças, e ele só poderá executá-las a partir do seu próprio processo de conscientização.

Resultados:

Através do atendimento psicológico constatou-se que os pacientes puderam entrar em contato com sua história de vida, seus problemas emocionais e consequentemente com sua dor.

A percepção da dor fez com que o paciente visse a necessidade dela ser cuidada e valorizada, pois ela traz desequilíbrio e sofrimento ao corpo.

Resultados

Dos 47 pacientes atendidos, 65.95% dos pacientes foram encaminhados a Psicoterapia, pois compreenderam que a dor era psíquica.

Conclusão

O psicólogo ao escutar o sofrimento que apareceu como dor, possibilitou aos pacientes falarem sobre suas representações, demonstrando que à medida que a dor é expressada, aumenta a experiência e compreensão sobre ela, fazendo-os perceber que podem buscar alívio para suas dores emocionais.

O sonho de um rebelde: Reflexões em torno da herança religiosa de Carl Rogers.

César Roberto Avendaño Amador

Campus Iztacala, U.N.A M

*Extraído (com permissão) do livro: Psicologia y Religión – Tensiones y Tentaciones

Editora Kairos Ediciones – 1999 – Buenos Aires – Argentina

Compilador: César Roberto Avendaño Amador

Traduzido por: Sayda Pischinger e Ludmilla Anne Rodrigues Correa de Brito

Revisado por: Rebeca Simão da Fonseca e Esther Carrenho

Nota de introdução aos consultores deste texto.

Quando me deparei com este texto pela primeira vez vi a relevância da importância do mesmo, uma vez que o autor leva em consideração o contexto religioso familiar em que Rogers viveu até os 17 anos, quando vai para a universidade, e o contexto religioso também da universidade que Rogers estudou quando abandonou o curso de agronomia e passou a cursar história para posteriormente ingressar no curso de teologia . [Mais...] Nem Rogers mesmo falou muito do seu contexto religioso em seus livros, mas o autor foi um pouco mais longe em suas pesquisas e traz ao nosso conhecimento informações das influencias e tendências vividas no meio protestante da época, no qual Rogers passou seus primeiros 20 anos.E esta foi a razão principal em que me empenhei para que o texto fosse traduzido e exposto aos leitores de língua portuguesa.

A crença num Deus onipotente, que tem como único caminho para chegar a Êle o reconhecimento de que Jesus Cristo é o redentor, faz com que muitos seguidores do cristianismo se percebam como privilegiados. Isto pode levar a duas atitudes que podem danificar a vida de uma pessoa: A primeira é cercear a liberdade dos filhos e dos fiéis de forma tão exagerada a ponto de comprometer a autonomia pessoal e a segunda é tentar forçar goela abaixo a fé praticada tirando o direito da pessoa de escolher o que ela entende que é o melhor para si. Os pais de Rogers não foram diferentes. Tanto que quando os filhos chegam a adolescência – Rogers tinha doze anos nesta época – eles se retiram da cidade indo para a zona rural na tentativa de preservar os filhos de qualquer contaminação que viesse a desviá-los da crença, tal como eles viam. Quando Rogers faz opção por teologia, ele encontra outros cristãos com crenças diferentes dentro do protestantismo e nem por isso menos importante que as pessoas com as quais tinha convivido até aquele momento. Aos 20 anos ele começa a perceber os danos da rigidez e do autoritarismo religioso e parte para construir sua autonomia religiosa e resgatar sua liberdade. Sua viagem a China em 1922 para uma conferência organizada para jovens[1] o coloca em contato com dois conferencistas e líderes cristãos, que muito chamavam a atenção e influenciavam o mundo de então: Dwight L. Moody e John R. Mott. Principalmente Mott que veio a ganhar o prêmio Nobel da Paz em 1946 tinha um discurso que visava o bem não só espiritual mas também social, físico e educacional. E é na volta desta viagem que Rogers abandona a teologia e vai cursar psicologia.

Nesta busca ele toma conhecimento de perto das causas de uma divisão existente até hoje no meio evangélico: o calvinismo e o arminismo. No calvinismo a crença é que a pessoa é eleita por Deus e uma vez escolhida não tem como escapar desta escolha. No arminismo, há o reconhecimento que a pessoa tem livre arbítrio para aceitar ou não a fé e a vida cristã. E justamente nestas áreas onde Rogers se vê lesado que está a maior contribuição dele ao mundo da psicologia. Ninguém mais do que ele defendeu a crença de que cada pessoa tem em si todo potencial para fazer suas escolhas e seguir os caminhos que entende ser os melhores para sua vida. E por isso ela não necessita de alguém que lhe dite o que fazer. Ela apenas precisa de alguém que a acolha, que a aceite e que facilite o desabrochar do seu potencial para o próprio desenvolvimento. E ninguém mais do que Rogers defendeu que um grupo deve ser livre, sem uma direção autoritária, na organização em comunidade em busca do bem para si e para os participantes da mesma. Para isto basta observar um pouco as dinâmicas dos Grupos de Encontros que foram facilitados por ele. E o mais surpreendente de tudo é que Rogers tornou-se também portador da crença de que a aceitação, o acolhimento e a transparência juntamente com o respeito pelo potencial intrínseco de cada pessoa rumo a busca do crescimento poderia fazer do mundo um lugar melhor. Mas diferentemente dos religiosos fundamentalistas ele defendeu sua crença de forma marcadamente democrática.

Que a leitura deste texto possa no mínimo fortalece a nossa luta pela liberdade, democracia e respeito mútuo em todos os âmbitos dos relacionamentos humanos.

E termino citando uma frase de Martin Buber, que muito marcou nosso querido Rogers:

“Aquele que se impõe tem o poder fraco, aparente; aquele que não se impõe tem o poder grandioso, secreto.”

Esther Gomes de Lima Carrenho

São Paulo, 28 de fevereiro de 2006

“Este sou eu” um psicólogo cujo principal interesse,

durante anos, tem sido a psicoterapia”

(Carl R. Rogers, 1961)

O projeto de recuperar a herança cultural de personalidades que deixaram marcas no contexto da ciência psicológica, faz com que sejamos levados irremediavelmente às fontes das quais eles beberam para nutrir as suas reflexões. A pretensão é redimensionar o saber de um homem, tendo como referência seu processo formativo, junto a cenários e atores que foram determinantes para gerar certos pensamentos, que instituíram um saber que de outro modo tomaria um outro rumo.

Neste contexto, interessa-nos referir a cultura religiosa na qual Carl Rogers formou-se. Não creio que esta investigação seja irrelevante, porque se trata de uma vida marcada por uma formação religiosa familiar, na qual formulou, ao longo das primeiras duas décadas da sua vida, perguntas que tentou responder até sua morte. Rogers tinha sérias intenções de converter-se em um cidadão participativo, desejava cooperar no engrandecimento da sua nação e pensava em diversos projetos de vida. Já com uma formação de engenheiro agrícola, decide concentrar-se como ministro religioso, e assim, surpreendentemente, desenvolve um projeto cujo cerne apóia-se na psicologia clínica. [2]Mesmo que a idéia de unir a prática do psicólogo, com a de ministro religioso seja tentadora não seguirei esse caminho. Tentarei estabelecer uma reflexão, que nos aproxime da compreensão deste autor, cujo impacto na psicologia será definida nos próximos anos.

A União Americana do começo do século perfilava-se como uma nação que prometia muito, era na “terra prometida” em que os novos imigrantes encontravam a renovação das suas esperanças. Esta visão não era compartilhada pelos herdeiros fiéis das tradições puritanas originadas na Nova Inglaterra. Eles viam no desenvolvimento industrial e no surgimento de novas cidades um perigo para a integridade das mais sagradas tradições herdadas pelos pais da República.

Era uma época de enormes ganhos econômicos, que assumia um sentimento paternalista da grande maioria: enviavam missões culturais a outros países para civilizar, missões religiosas para transmitir “as verdades” dos grupos protestantes, missões militares para restabelecer a “pax americana” e missões para desenvolvimento social. Era o auge, a bonança, a riqueza, a era do ajuste de contas internas e de externas.

Em 1893, o reverendo Josiah Strong escreveu A nova era, a chegada do Reino – texto em que citou (apud Marty 1987: 270): “Com toda segurança, ser um cristão, um anglo-saxão e um americano nesta geração, é estar situado acima do monte do privilégio”. Nota-se que Strong não ignorava as estatísticas que mostravam que o rápido crescimento das cidades ameaçava a hegemonia do pensamento puritano. Em 1890, existia no âmbito nacional uma igreja protestante para cada 48 cidadãos, mas em Boston, a cidade puritana originária, teria somente uma para cada 3.601 habitantes. Na última década do século XIX, Strong iniciava uma cruzada para recuperar a unidade dos cidadãos do antigo e do original cunho puritano, desse modo, recuando o avanço das forças subversivas que atentavam contra a nação protestante (Marty 1987).

A estratégia era unir, seguindo uma meta: usufruir a cooperação dos descendentes e herdeiros do puritanismo contra os inimigos comuns, católicos e representantes de outros ritos religiosos e ainda socialistas e anarquistas que corrompiam as cidades com suas instituições educacionais e seus programas sociais. Tratava-se de unificar para aumentar propósitos comuns, que permitiriam receber o “Reino de Deus” cuja sede era na América do Norte.

É neste contexto de visão “missionária” dos religiosos protestantes norte-americanos que tento iniciar uma discussão sobre as abrangências e as limitações do pensamento de Rogers. Reconheço que esta forma de abordar o pensamento rogeriano corre o risco de perder muitos detalhes que formam parte do processo de construção, reconstrução e aperfeiçoamento do seu sistema de pensamento. De especial dificuldade são os matizes que cruzam seu pensamento teórico em diferentes momentos, já que a natureza de suas proposições causa debates intensos. O contexto da ciência psicológica na União Americana é o debate entre três tendências teóricas: a psicologia cientista e psicologia dinâmica, por um lado e a aproximação humanista defendida por Rogers, por outro. (Rogers, 1964).

Desde o princípio, surge a pergunta: Como iniciar um ensaio que permita esclarecer as formas que elaboram um sistema de pensamento, cujas raízes se aprofundam no protestantismo, perante o risco de perder-se no caminho detalhes, que poderiam ser de grande importância para a compreensão do processo de construção desse sistema? A proposta não é simples, já que estamos considerando um pensador cuja produção teórica é extraordinária, não só pela quantidade de textos publicados, mas pela quantidade de temas que aborda. Estes vão desde a prática clínica, educativa e industrial, terrenos conhecidos para qualquer psicólogo, até a abordagem de temas filosóficos, sociológicos e antropológicos.

Apesar das dificuldades, gostaria de ensejar uma resposta: Carl Rogers tinha uma visão religiosa do homem e, em conseqüência, suas proposições teóricas da psicoterapia contêm ingredientes da teologia protestante. Proponho estudar seu pensamento, especialmente no âmbito antropológico, em três momentos. Em primeiro lugar, o contexto e as circunstâncias nas quais ele decide pela profissão de psicólogo; em segundo, suas incursões no mundo da psicologia norte-americana e finalmente, a análise de algumas premissas relacionadas com a sua idéia de homem e de sua herança protestante. Inicio do ponto de vista de que suas idéias relacionam-se com a expressão da vida: objetos, idéias, familiares, livros etc são os espaços de onde adquirem forma e conteúdo os conceitos desenvolvidos por qualquer pensador.

Definindo um projeto de vida: entre a obediência e a rebeldia

Carl Rogers nasceu, num período de definições para a psicologia e para as ciências humanas em geral, no dia 8 de janeiro de 1902 (Mousseau,1978), em Oak Park, no subúrbio da cidade de Chicago, numa família protestante com fortes princípios puritanos. Rogers descreve que em sua infância respirou “uma atmosfera ética e religiosa muito estrita e intransigente que se sintetizava na veneração do trabalho árduo” (Rogers, 1989).

Sendo o quarto de seis filhos, participava do rigor religioso que incluía uma prática caracterizada pela obediência e disciplina e uma ética que pondera o trabalho, o esforço e os “costumes sadios”. Seus pais, participantes do chamado religioso “segundo despertar” na América do Norte, compartilhavam das preocupações da paróquia. Marsden (1980) garantiu que suas paróquias preocupam-se por levar uma “vida vitoriosa”. Essas preocupações paroquiais estão centradas em volta do que Marty chamou de crise no império protestante e que fundamentalmente refere-se a quatro obstáculos ou crises que enfrentou o protestantismo norte-americano no final do século XIX.

Dois dos obstáculos, dos quais Marty referiu-se, foram principalmente intelectuais com mais motivos de atenção para os líderes religiosos que para os milhões de norte-americanos que cuidavam das paróquias. O primeiro obstáculo referia-se a teoria da evolução e o segundo, a discussão sobre o caráter da bíblia, que divide os protestantes em liberais e conservadores. Perguntas, tais como: “Qual é a natureza da autoridade da bíblia?”, se tornaram em questões fundamentais para muitos norte-americanos. Os pais de Roger não estiveram às margens dessas discussões.

O terceiro obstáculo refere-se à prática da fé protestante e o quarto, às estratégias que deveriam operar para as nações protestantes com a finalidade de se converter em um instrumento divino e eficaz no processo de industrialização. Como viver num mundo que muda e que demanda ao mesmo tempo recompor as formas tradicionais em que viviam e operavam a fé protestante? A resposta que os crentes norte-americanos davam a esta pergunta, como pensa Marty, situava-os nos grupos conservador ou liberal.

Ser um protestante que defende o progresso do capitalismo, apesar da inadequada distribuição da riqueza, pressupunha-se simpatizar com os conservadores. Já uma prática protestante que tivesse uma atitude crítica do suposto desenvolvimento, proporcionado pelo processo industrializador da nascente União Americana, suporia simpatizar com o “modernismo liberal” ou representar este pensamento. Qualquer caminho escolhido marcava a prática e as crenças neste contexto de crise.

O surgimento de novas cidades impôs aos protestantes novas perguntas sobre a natureza de sua missão. A rápida urbanização de um povoado, que se edificou basicamente a partir do trabalho agrícola, em muitos casos superava a capacidade de reação da religiosidade tradicional. Surgiam novas práticas sociais que no fundo eram modeladas pela técnica e desenvolvimento da ciência. Fazer, dizer, proclamar, defender o pensar definia a posição do norte-americano médio. A partir dessas práticas, o pensamento e as ações avaliariam se o indivíduo “era cristão ou não”. Quando Carl Rogers fez doze anos, seus pais retornaram para o campo, espaço de maior seguridade espiritual, porque supunham que nesse lugar os seus filhos adolescentes ficariam longe, “das tentações da vida suburbana” (Rogers 1989).

A teoria da evolução, a natureza da bíblia, a prática da fé e o crescente processo de industrialização são elementos que dão forma às novas práticas socioculturais da União Americana ao final do século XIX. Tudo isto, criaria as condições para implantar novas inquietudes na geração da primeira década do século XX.

O teólogo e historiador José Miguez Bonino ressalta que o que caracteriza a vida religiosa da grande maioria dos protestantes norte-americanos, das últimas décadas do século XIX e das primeiras do século XX, é uma mudança nos assuntos doutrinais que o protestantismo defende na primeira metade do século XIX. Tais mudanças modelam a fé e a vida das congregações que vão formando-se ao longo dessas décadas e dominam o protestantismo até a Grande Guerra (Miguel Bonino, 1995:38).

As mudanças, realizadas nos grupos de protestantes, eram resposta a “ameaça” que representava os novos sinais sociais do final do século XIX e que, segundo Miguez Bonino, basicamente sintetizavam-se num enfrentamento com os desafios de uma cultura urbana protestada pelo secularismo; de uma ciência que apresentava “verdades”cristãs consideradas fundamentais e do liberalismo teológico – chamado genericamente modernismo – que parecia pôr em risco a confiabilidade [das crenças fundamentais do protestantismo]. (1996:38-39)

Carl Rogers participa com a sua família nesta “guerra santa” e pelo menos nas primeiras duas décadas de século XX, a participação de Rogers é ativa. Miguez Bonino (1996) comenta que as armas que os religiosos protestantes usaram para repelir a “ameaça” a sua fé”, eram três:

a) A filiação e militância no “movimento de santidade”. Este movimento combina a tradição wesleyana da santificação e da perfeição cristã com a tradição calvinista que enfatiza a permanente luta contra o pecado (p.39). As duas tradições, ao unirem-se neste movimento, confirmam um espírito individualista no qual cada membro é responsável por combater as forças do mal. A fórmula quase infalível para manter-se perto da divindade é a vida de santidade, ou seja, a prática da oração, a devoção, visitas regulares à igreja, a leitura da bíblia e manter-se a uma distância prudente do pecado, entre outras coisas.

b) A ética derivada dessa prática social devia resolver o dilema: “evangelizar ou impulsionar reformas sociais”. A reforma, na qual se pretendeu dar resposta, tem dois momentos: de 1870 a 1900, os protestantes, preocupados por levar uma “vida vitoriosa”, negaram-se a participar da vida política e preferiram concentrar sua atividade no âmbito privado da caridade (p. 40). O segundo momento, depois de 1900, tem características peculiares que marcaram os primeiros anos da vida de Carl Rogers. Cabe ressaltar que toda a atividade política, qualquer preocupação social ou privada, qualquer tentativa de modificar as condições sociais no país ou no estrangeiro era considerada subversiva para “a vida cristã”. Assim, a evangelização foi considerada de maior valor (Miguez Bonino, 1995: 40).

c) Finalmente se levantou uma fortificação ideológica denominada fundamentalismo. Tal concepção “aparece como a reação de uma fé que se sente ameaçada pelo avanço do secularismo e da ciência, que nega a realidade do sobrenatural” (ibid, 41). Deste movimento, derivou-se um zelo espetacular entre os fiéis para defender sua fé e seu espaço territorial, frente aos movimentos científicos, culturais e ideológicos, que eram uma ameaça a suas crenças.

A enumeração que se faz das “armas”, que os protestantes utilizaram no final do século XIX e princípios do século XX, é uma caricatura em relação à complexidade de cada uma delas, mas apresenta uma idéia do efeito que tiveram sobre a família Rogers e em particular sobre Carl pelo menos até o ano de 1922.

Aproximando-nos mais sobre o que pensava, Carl Rogers ilustra em seus dados autobiográficos a maneira em que seus pais aplicaram suas crenças e práticas religiosas em sua educação e a de seus irmãos:

Controlavam estritamente nossa conduta de muitas maneiras sutis e afetuosas. Para eles era um fato e eu aceitava, que éramos diferentes de outras pessoas; nada de bebidas alcoólicas, nem bailes, jogos ou espetáculos, pouca vida social e muito trabalho (Rogers, 1989:17).

Apesar de Rogers não registrá-lo, infere-se que a vida social nula substituía-se com uma intensa vida religiosa. Nessa vida, as expectativas giravam em torno da redenção dos “pecadores” e os pais levavam seus filhos freqüentemente a paróquia, onde aprendiam a filosofia, a ética e o rigor constante que se queria transmitir no lar.

A mudança organizada pelo pai de Carl a uma fazenda que tinha adquirido no ano de 1914 demonstra o interesse que os pais tinham em transmitir aos filhos as práticas e a ética que os protestantes deveriam utilizar para defenderem-se das “tentações da vida”. Segundo Carl, essa mudança tinha dois propósitos: um deles era “encontrar um passatempo”, mais logo afirma:“(…) creio, que mais importante foi o fato de que meus pais consideravam necessário afastar os adolescentes da família das “tentações da vida suburbana”. (Rogers 1989:17)

O que poderia ser ruim na vida suburbana? De que maneira seria uma ameaça para esses adolescentes, que estavam em plena transformação biológica e mental? A visão dos Rogers estava permeada pelo “movimento de santidade” no qual se acreditava que o mundo, a sociedade e a vida requeriam mudanças, mas que estas mudanças só eram possíveis através de Cristo e do Deus da bíblia. O argumento que os militantes desse movimento da santidade apresentavam era: já que o homem interrompeu a relação com seu criador e nega-lhe obediência, portanto não só ele, mas também tudo o que ele produz, está corrompido. A perspectiva que os Rogers tem da vida se entende em termos da redenção: tudo o que importa é o conhecimento de que os seus pecados são perdoados, de que são novas criaturas aos olhos de Deus. No mundo suburbano poderia acontecer qualquer coisa, mas os Rogers estavam empenhados em conseguir a participação dos seus filhos na redenção divina, inclusive que fossem portadores de tal ato do redentor.

Carl Rogers viveu nesse ambiente até os dezessete anos, sob a proteção dos seus pais e da comunidade protestante à qual pertencia a sua família. Sua partida a universidade coincidiu com o início de um longo e silencioso distanciamento da tradição paterna, a que deixou de aparecer em suas lembranças e no desenvolvimento de suas idéias psicoterapêuticas.

Rogers chegou à universidade de Wisconsin influenciado pelas idéias e práticas familiares. Aos dezessete anos, considerou seriamente em se formar como profissional de agricultura. Neste momento, estava impressionado pelas atividades que, em seus anos recentes, tinha desenvolvido na fazenda familiar. Porém, seus projetos pessoais foram modificados a partir das experiências vividas entre 1919 e 1920. Durante esse ano, foi influenciado por uma série de conferências religiosas universitárias cujo conteúdo, basicamente, estava impregnado pelo pensamento de dois grandes pregadores protestantes daquele momento: Dwight L. Moody e John R. Mott. Ambos conseguiram que os crentes se interessassem fundamentalmente em defender a fé e converter os incrédulos, juntamente a um matiz ecumênico, especialmente por parte do pregador Mott.

Essas conferências religiosas universitárias, às quais nos referimos, convocavam os estudantes para que pensassem na formação pastoral como uma opção profissional. Rogers mudou seus planos, em virtude desse ambiente universitário, decidiu abandonar o trabalho agrícola pelo pastoral. Decidiu graduar-se em História para continuar posteriormente sua formação como ministro religioso (Rogers, 1989). Teria seguido esse rumo, porém outras circunstâncias preparavam-lhe um caminho diferente.

Nas seguintes linhas pretendo ilustrar como as novas experiências e as novas amizades transformaram sua visão do mundo, incluindo suas práticas religiosas.

Graças ao seu interesse no tema religioso, Rogers entra em contato no ano de 1922 com as idéias do modernismo teológico. Sua participação em uma conferência internacional efetuada na China, favorecida pela Federação Estudantil Cristã Mundial, orientaria seus novos interesses profissionais. Para Rogers, essa viagem foi uma experiência que transformou seu projeto de vida. O contato inicial com a Federação geraria uma mudança radical na sua prática e em seu pensamento (Musseau, 1978; Rogers, 1989).

Quanto à Federação Estudantil Cristã Mundial, podemos dizer de maneira geral que era um grupo estudantil fundado na Suécia em 1895 por um pregador metodista John R. Mott junto a outros cinco protestantes. Entre esses fundadores, quatro eram candidatos a missionários e estavam motivados principalmente pela evangelização dos estudantes do mundo inteiro; especialmente Mott, homem dinâmico e ganhador do prêmio Nobel da paz, em 1946. Mott pensava da seguinte maneira: “A minha vida poderia ser resumida como um sério e infatigável esforço para unir todas as nações, todas as raças e todas as comunidades religiosas em paz, em amizade e cooperação” (Marty, 1987:272).

Mas essa atitude ecumênica de Mott contrastava com a consigna de difundir “a evangelização do mundo”, que Mott repetia de maneira incansável e que captou, durante décadas, a imaginação do protestantismo norte-americano. Este registro permeou as atividades e o pensamento da Federação Estudantil Cristã Mundial durante os primeiros momentos de sua existência. No entanto, em 1910, o movimento havia perdido muita força que lhe dera Mott e mantinha muito debilitada a mística religiosa que lhe teria dado origem. E em 1928, ocorreu a primeira divisão oficial por diferenças doutrinais.

O movimento se manteve na tradição puritana e evangélica durante a liderança de Mott (Latourette 1957), que esperava que o trabalho das igrejas protestantes nas escolas derivasse na formação de verdadeiras trincheiras que permitissem propagar a mensagem do protestantismo. Marty se refere a isso da seguinte maneira:

As igrejas deveriam retomar essas aulas das universidades e colégios americanos e canadenses. Se tivermos de avançar para tentar conquistar o mundo, não devemos deixar em nossa retaguarda fortalezas. Pra se desfazer dos males morais e das tradições escolares desfavoráveis, os estudantes cristãos deveriam apelar para o heroísmo… Pela primeira vez grupos de protestantes americanos se uniram sem utilizar os católicos como seu inimigo comum. Pela primeira vez também, esses cristãos se uniram sem denunciar os judeus ou pagãos no processo. (1987:275)

A perspectiva ecumênica de Mott foi um modo que manteve unido o movimento estudantil protestante, enquanto seus líderes compartilhavam esta visão ligada a uma atitude puritana e evangélica. No entanto, o movimento sofreu severas transformações na medida em que foram assumindo o controle grupos anglo-católicos e protestantes liberais. Em 1919, a federação adotou o liberalismo teológico com ênfase no Evangelho Social. A federação da década de 1920 não se interessava pela evangelização e sim pela promoção humana. Os intelectuais da federação tinham modificado a linguagem dos fundamentos filosóficos do movimento com a finalidade de poder concentrar o maior número de crenças religiosas, filosóficas, políticas e culturais. Nesse contexto, as reuniões dos grupos estudantis protestantes, membros da federação, haviam abandonado “a ênfase da oração diária, da conversão pessoal e do espírito missionário” (Escobar, 1978:22).

Na segunda década do século XX, a federação era aberta a todo tipo de discursos filosóficos, éticos, religiosos e culturais. Que conseqüências produziram a prática estudantil da federação nos estudantes que saíam de lares conservadores e envolviam-se nas atividades do movimento? Carl Rogers lembra desta experiência cinqüenta anos depois da sua participação na conferência de 1922:

Um dos acontecimentos relevantes da minha vida tem sido a minha viagem à China na idade de 20 anos, como membro de uma conferência internacional de estudantes. Reuni-me com pessoas de diversas nacionalidades, franceses, australianos, japoneses etc. Esta viagem permitiu-me desenvolver largamente minhas idéias. Penso que tem sido um acontecimento notável na minha educação. (Mosseau, 1978:19)

Rogers qualifica a experiência como um “acontecimento notável”. Procurando mais informação sobre o que pode ter ocorrido, encontramos alguns dados que nos ilustram em que consiste esse acontecimento notável:

Esta foi uma experiência muito importante para mim. A conferência aconteceu em 1922, quatro anos após o fim da 1ª Guerra Mundial. Observei quão amargamente os franceses e alemães continuavam a odiar-se, apesar dos indivíduos parecerem ser muito agradáveis. Vi-me obrigado a ampliar o meu pensamento e admitir que pessoas muito sinceras e honestas acreditavam em doutrinas religiosas muito diferentes. Emancipei-me em certos aspectos fundamentais do pensamento religioso dos meus pais, e compreendi que já não podia estar de acordo com eles (…) A ruptura fundamental se produziu durante os seis meses de ausência na viagem ao oriente e, em conseqüência, foi elaborada longe do lar. (Rogers, 1989:18)

O extraordinário desta vivência são as diferenças radicais encontradas por Carl Rogers entre as práticas e crenças do lar e ainda há outras que encontrou durante a conferência e durante a sua viagem ao Oriente. Para muitos de seus companheiros da Federação, as doutrinas seguidas no lar dos Rogers não eram tão fundamentais e também não tinham tanta relevância muitas das práticas “cristãs” defendidas por eles. Mesmo assim o rompimento não foi imediato. Passaram ainda dois anos até que Carl atrevesse a ter um confronto com a sua herança religiosa. Para levar ao término o mencionado confronto, Rogers se preparou no Union Theological Seminary, em Nova Iorque, instituição que representava a teologia mais radical desse momento, ou seja, um verdadeiro núcleo do modernismo teológico. O seminário alcança seu momento mais radical durante os anos 1922-1924. Neste seminário, Carl Rogers encontra-se com o extremo oposto da formação que seus pais lhe deram, dando continuidade ao rompimento que havia iniciado em sua viagem à China e radicalizando ainda mais a separação com a sua própria tradição religiosa e com seus pais.

O Union Theological Seminary tinha quase cem anos de fundação quando Rogers ingressou nele e transformou-se num instituto tradicional das relações americanas. O alemão E. Bethge nos apresenta uma visão geral do seminário nas duas primeiras décadas do século:

O seminário… [é um] antigo College presbiteriano que ao final do século modificou a sua primeira orientação no sentido de um Seminário interconfessional, transformando-se no ponto central dos espíritos liberais mais progressistas. Mas com isso, atraiu ao mesmo tempo a desconfiança das igrejas fundamentalistas, cujos alunos – muitas vezes contra a vontade de seus superiores -, assistiam aquela atrativa Escola Superior, o “temido e respeitado baluarte da crítica” contra o conservadorismo político, social e eclesiástico. (1970:224)

Para o seminário, o período entre 1910 e 1920, foi de um crescimento contínuo que antecedeu o clímax que viveu de 1922 a 1924. Era um espaço em que se sustentavam de ambições ecumênicas, mas também era um lugar obrigatório de referência para os pensadores europeus. Neste espaço, Rogers põe-se “em contato com grandes eruditos e mestres, em particular com o doutor A.C. McGiffert[X1] , que acreditava na liberdade de procurar e esforçar-se para encontrar a verdade, onde quer que esta nos leve” (Rogers, 1989:19). A herança do mestre soma-se ao sentido de liberdade que se respirava nas paredes do seminário, pois havia uma permanente disposição entre os estudantes pra falar de qualquer tema, com qualquer membro do corpo estudantil, sem excluir os professores (Bethge, 1970).

O Union Theological Seminary foi o primeiro espaço de resolução para Rogers. Ali encontraria suas primeiras respostas para a ruptura com sua família, com sua tradição religiosa e com seus próprios projetos de vida e também suas idéias a respeito do homem teriam de sofrer uma severa metamorfose. Os seres humanos eram, segundo havia acreditado anos antes, objetos do amor de Deus e objeto de suas próprias preocupações, já que havia de trabalhar para aproximá-los da salvação que o cristianismo podia oferecer. No entanto, agora a teologia liberal oferecia-lhe novas ferramentas para pensar em um homem capaz de desenvolver seus potenciais, liberar-se das suas preocupações, se encontrar em si mesmo e por si mesmo a liberdade e despojar-se dos obstáculos que lhe impediam desenvolver seus propósitos.

No seminário, Rogers encontrou espaço para desenvolver suas próprias idéias e procurar suas próprias respostas. Para isso, desenvolveu, junto com alguns colegas, um grupo de reflexão para desenvolver suas próprias inquietudes e procurar encontrar suas próprias respostas, sem restringir-se a um programa prévio. Esse espaço, disse-nos Rogers:

(…) constituiu uma experiência particularmente rica e esclarecedora. Sinto que me impulsionou durante uma boa parte do caminho que haveria de percorrer até desenvolver minha própria filosofia de vida (…) Sentia que talvez sempre me interessariam as perguntas relacionadas com o sentido da vida e também a possibilidade de lograr um melhoramento da índole construtivo da vida individual, mas não podia trabalhar em um campo no qual me via obrigado a crer em uma determinada doutrina religiosa. Minhas crenças haviam-se modificado radicalmente e podiam continuar mudando. Parecia-me horrível ter que professar uma série de crenças para poder permanecer em uma profissão. Queria encontrar um âmbito no qual pudesse ter a segurança de que nada limitaria minha liberdade de pensamento. (1989: 19)

Essas são as questões que inquietavam Rogers ao final de seu distanciamento com sua antiga tradição: as perguntas sobre o sentido da vida, a construção da vida individual, a potencialização da existência e a necessidade de vencer os obstáculos. Não sabia as respostas. Ao se afastar da sua herança, abandona-se e dedica-se a buscar as respostas, não mais nos textos sagrados, mas sim na ciência psicológica; tampouco em um trabalho profissional vinculado a uma confissão religiosa, mas sim no campo da psicoterapia. De 1924 a 1928 fez cursos de psicologia; de 1928 a 1940 foi um período de busca intensa; Rogers combinou o estudo de diversas aproximações psicológicas com a prática clínica no Child Study Department, que era sustentado pela Society for the Prevention of Cruelty to Children. Daí em diante toda sua prática profissional se voltou para a psicoterapia.

Carl Rogers e seus encontros com a psicologia

A separação de Carl Rogers da filosofia permitiu-lhe ingressar no mundo da psicologia, trincheira na qual passará o resto de seus dias tentando compreender o fenômeno humano. Os espaços que percorreu a partir do ano 1924, permitiram-lhe impregnar-se das diversas aproximações teóricas. Ele entra em um diálogo franco com autores, sistemas explicativos e noções filosóficas acerca do homem e sua natureza psicológica. E também, teve a oportunidade de entrar em contato com personalidades que hoje em dia são lendas; os encontros de maior ressonância no mundo acadêmico da psicologia são, por exemplo, os que Rogers teve com B. F. Skinner (Rogers e Skinner, 1956; Rogers, 1964; 1965; 1972b).

Seu trabalho no departamento de estudos infantis em Rochester prolongou-se durante doze anos dedicando todo seu esforço ao trabalho terapêutico com as crianças e com os adolescentes. Neste contexto de trabalho clínico, gerou sua primeira dissidência a respeito das teorias psicológicas mais populares na união americana. Na clínica da universidade de Rochester, a maioria dos terapeutas trabalhava inspirados em propostas derivadas de diferentes vertentes freudianas. Estas propostas não eram compartilhadas com Rogers na medida em que comprovava que as expectativas fincadas na eficácia da psicoterapia analítica não proporcionavam, em muitos de seus pacientes adolescentes, os resultados que supunham e esperavam seus defensores. (Mousseau, 1978).

Se por um lado, a permanência em Rochester afinou seu sentido de dissidência, também é certo que, por outro lado, produziu nele uma sensação de ambigüidade com relação à profissão, já que seus empenhos por participar de maneira ativa nos eventos que organizavam seus colegas foram improdutivos. Não encontrava relação alguma entre o que os psicólogos universitários discutiam e a prática que ele desenvolvia na clínica. Seriam momentos de desencanto e enfrentamento com a psicologia comportamental. (Rogers, 1989).

Se a viagem para a China havia causado um confronto entre Rogers e a sua tradição familiar os doze anos que passou em Rochester o conduziu a novos enfrentamentos, desta vez com as autoridades acadêmicas. Sua prática clínica sugeriu-lhe que seria possível que os especialistas em psicoterapia estivessem errados em seus diagnósticos e que, em conseqüência disso, as propostas teóricas das quais partiram, também estariam. Assim, essa situação o leva a pensar “que ainda restavam conhecimentos a descobrir” (Rogers, 1989:21). Para Rogers não era somente a questão de novos “descobrimentos”, mas sim de uma séria consideração do lugar que a prática clínica outorga ao “paciente”. Em seu passado, Rogers foi dirigido por seus pais de maneira “sutil e amorosa”; mas as entrevistas (anamneses) empregadas pelos clínicos para identificar a patologia acaso não tinham, em certo sentido, o mesmo estilo de condução? A resposta está na férrea crença que elabora Rogers sobre a capacidade do paciente de saber pra onde se dirigir, o que lhe afeta, quais são seus problemas principais e como reorganizar sua vida. A brecha na direção da psicologia não diretiva abria-se cada vez mais.

Segundo alguns de seus biógrafos, a partir de 1940, as idéias de Rogers não só começaram a consolidar-se, mas também começam a adquirir um lugar no contexto da prática psicológica. Por exemplo, Lafarga (1989) sugere que o desempenho profissional de Rogers, a partir da década de 1940, atravessou cinco períodos, os mesmos que descreve em seu texto sem entrar em detalhes. A intenção de Lafarga é apresentar a obra rogeriana sem deter-se em observações, críticas ou menções sobre o desenvolvimento dos fundamentos teóricos da psicoterapia não-regente.

A divisão sugerida por Lafarga é a seguinte: no primeiro período, de 1940 a 1945, Rogers dedicou-se à identificação das variáveis que intervém no paciente durante o processo terapêutico. No segundo, que abrange os anos de 1946 a 1953, dedicou-se ao estudo das implicações do papel do terapeuta durante o processo da relação entre o cliente e o terapeuta.

No terceiro período, que se estende de 1950 a 1955, o trabalho de Rogers centrou-se no estudo das condições necessárias e suficientes para o processo psicoterapêutico. De 1955 a 1963 quarto período, Rogers investigou intensamente os efeitos do processo psicoterapêutico sobre o progresso da pessoa, nos aspectos mais significativos da sua existência, tanto interna como externa, e no sentido que adquirem a partir do espaço proporcionado pela terapia. Finalmente, no quinto período, a partir do ano de 1964, Lafarga mostra que Rogers dedicou-se a realizar uma avaliação do impacto do seu pensamento teórico sobre o trabalho em grupo, a comunicação interpessoal, as relações conjugais e o campo educativo.

Sem determo-nos a considerar a pertinência da divisão cronológica que Lafarga desenvolve, apontamos um fato que já comentamos na primeira parte do trabalho: que a concepção e os pressupostos teóricos do pensamento de Rogers têm sustento nas perguntas que ele fez sobre a sua existência. Estas perguntas são as mesmas que formularia durante seu período de definições a respeito da eleição profissional, sua independência de qualquer autoridade e a sua convicção na capacidade humana para ter um sentido positivo e construtivo da vida. É a partir de 1940 que fica claro a Rogers que as perguntas seguirão as respostas. O processo é lento, doloroso em ocasiões, sem que faltem momentos de satisfação e realização.

Durante a mensagem anual de 1972 a Associação Americana de Psicologia (APA), Rogers aponta um feito que é significativo; refere-se a como, em seu desenvolvimento profissional e pessoal no marco da psicologia, atreveu-se a investigar a área emocional, fato pelo qual havia sido condenado durante muitos anos pela psicologia “mais científica”, e como, além disso, ousou a aproximar-se de mundos os quais os psicólogos acadêmicos geralmente não queriam. O discurso oculta muita história: seus confrontos com a psiquiatria para conseguir que os psicólogos praticassem a psicoterapia na União Americana; suas disputas com psicanalistas, comportamentais, gestaltistas e teóricos da personalidade, por problemas relacionados à “cientificidade” da psicologia, às práticas clínica, educativa, industrial, familiar e profissional. Rogers declarou:

Sinto-me tentado a recordar, a pensar e falar sobre os quarenta e cinco anos que tenho dedicado a psicologia clínica ou a trabalhos relacionados a ela ajudando a indivíduos com problemas, conduzindo investigações, promovendo o crescimento pessoal e o desenvolvimento de indivíduos e grupos, procurando trabalhar com organizações como o sistema educativo, e expressando a minha preocupação pela nossa sociedade doente e a quase doença fatal da nossa cultura (…)

Estas lembranças abrangem o enorme esforço necessário para dar espaço na APA a esse pequeno infante que é a psicologia clínica (o que atualmente parece ridículo); o esforço para construir teorias que liberariam o trabalho clínico do dogma psicanalítico ortodoxo moribundo, e promover o pensamento criativo e diferente; os esforços por ampliar o campo de ação e a visão do psicólogo clínico e outros psicólogos; e quem sabe finalmente o esforço de ajudar aos psicólogos a chegarem a ser verdadeiros agentes de transformação, não simplesmente provedores de remédios como band-aids psíquicos. Cada uma destas frases poderia ser motivo de uma longa história. (1972:183)

A leitura do discurso completo permite-nos apreciar em sua dimensão o que Rogers transmite. Suas lutas dentro da psicologia são, em muitos sentidos, mostras de um psicólogo que assume sua profissão como um verdadeiro ministro de religião, cuja visão mística é melhorar o que acredita, o que se pratica e o que se pensa no contexto do trabalho psicológico. Comparar Rogers com um ministro de religião não tem como intenção desqualificar sua obra, mas sim redimensionar a percepção que temos dele. Rogers vê o mundo como um lugar de luta e de intervenção salvadora. Um mundo que deve ser arrumado, modificado e reorientado. Rogers arrasta em sua subjetividade a sua tradição familiar. Mesmo que negada, sua trajetória anterior aparece com insistência.

No mesmo discurso encontramos suas considerações sobre as suas diferenças teóricas com representantes de outras orientações. A sua opinião a respeito de outras teorias psicológicas é que “todo projeto científico tem a marca permanente, de uma visão guia formada subjetivamente” (Rogers, 1972:183). À luz dessa crença, é compreensível o feito de que Rogers partiu de perguntas fundamentadas em sua própria existência: Quanto do que diz Rogers em suas deliberações teóricas é produto de suas lutas internas? Quais resíduos de seus projetos originais de vida (ser agrônomo, missionário, pastor protestante) ainda restam em sua visão guia? De onde vem a idéia de que o ser humano é capaz de dar sentido, solução, dimensão, projeção e guia à sua própria existência? Sugiro, mesmo que não me detenha nos detalhes da demonstração, que muitas das possíveis respostas que Rogers elabora têm a ver com a disputa teológica que tiveram os protestantes no final do século XIX e começo do século XX. Rogers não só esteve à margem dessa disputa, mas também participou dela. Refiro-me a tradicional luta entre calvinistas e arminianos que Rogers viveu de perto durante a sua estadia na Universidade de Wisconsin e no Union Theological Seminary.

Sperry Chaffer (1974), que foi fundador e primeiro presidente do Seminário Teológico de Dallas – Texas sugere que a disputa entre calvinistas e arminianos estava centrada, fundamentalmente, nas diferentes concepções que cada uma delas tinha em relação às formas de aperfeiçoamento humano. O centro da disputa entre essas duas concepções teológicas relacionava-se com a possibilidade de um avanço e aperfeiçoamento da condição humana. Este é, certamente, o ponto de tensão entre o posicionamento teológico e ideológico.

O cerne da doutrina Calvinista, no que diz respeito ao aperfeiçoamento humano, sugere que Deus tem conhecimento de quem e de que maneira entrará no processo de santificação. O argumento aponta que a natureza corrompida do ser humano impossibilita-o de melhorar a sua condição, mas se vê submetido por completo a vontade divina. Por seu lado, a postura arminiana defende que a vontade humana pode mudar a vontade divina e pode participar do seu próprio aperfeiçoamento, de modo que Deus permite que o homem tenha ampla liberdade para ser artífice do seu próprio destino. Rogers evidencia os efeitos desta disputa teológica, anos depois de separar-se da tradição religiosa da família ao avaliar o efeito que tem os grupos de encontro como técnica grupal de enfoque centrado na pessoa. Assim, apresenta claros sinais do caráter humanizante e libertador da técnica:

Quanto mais se difunde o movimento, quanto mais os indivíduos se percebem como pessoas, singulares, dotados da capacidade de escolher e que recebem um profundo carinho de outras pessoas singulares, mais caminhos encontrarão para humanizar as nossas atuais forças desumanizadoras… Será uma pessoa e se consolidará como tal. (1990:172)

Em outra parte, Rogers aponta em relação a esse novo homem:

(…) ele é uma pessoa sumamente consciente, capaz de comunicar-se consigo mesmo com uma maior liberdade que qualquer homem que tenha existido antes. As barreiras da repressão, que excluem o homem dele mesmo, são definitivamente mais baixas que em gerações prévias. Ele não só é capaz de comunicar-se consigo mesmo, mas também é capaz de expressar aos outros seus pensamentos e sentimentos (…) (Rogers 1990:226).

Rogers recorda a posição de suspeita de seus pais em relação às mudanças operadas nas cidades e como duvidavam da capacidade de seus filhos em desenvolver uma vida de santidade, de tal maneira que se mudaram para o campo e procuram a segurança que proporciona a vida rural para a prática da sua fé. As rápidas mudanças operadas nas cidades são consideradas como uma verdadeira e real ameaça contra a pureza das suas convicções. Diferente de seus progenitores, Carl Rogers encontra, nas doutrinas opostas, o material necessário para assegurar-se de muitas respostas que, ao menos a ele, satisfaçam. Enquanto seus pais se aferram às crenças calvinistas, ele encontra nos discursos arminianos os argumentos iniciais para promover a idéia do potencial humano para superar qualquer obstáculo. Na teologia da desmistificação, encontrará o material necessário para pensar que o homem pode vencer qualquer barreira que se interponha em sua busca de sentido. Nem moral, nem religião, nem filosofia alguma podem impedir que se desenvolva um novo homem, capaz de assimilar a mudança num contexto de incerteza (Rogers, 1977).

Ao longo de sua vida, Carl Rogers enfrentou-se e reencontrou-se com a sua formação inicial. Coincidiu-se com ela e manteve diferenciais significativos, como ele mesmo testemunha. O seu homem novo surge nas relações profundas, na procura de individualização e no auto-respeito, nas dissidências culturais e sociais (Rogers, 1963). Carl Rogers é o protestante dissidente que sonhou, no contexto de sua prática clínica, com seu desejo juvenil de ser ministro de religião e talvez por isso ele se esforçou em ajudar seus pacientes a desenvolverem seus potenciais humanos. Isto também lhe permitiu sustentar e lutar por uma filosofia que confie em um futuro mais bondoso para o homem.

O Conceito: Que é o homem?

Em meados da década de 1950, o pensamento de Carl Rogers alcançou reconhecimento na psicologia americana; possuía um lugar, meios de difusão e espaço nas diversas universidades do país. Seu pensamento estava ultrapassando as fronteiras dos Estados Unidos, pelo que já se criavam disputas em torno de seus pressupostos teóricos. O tempo encarregou-se de regar o pensamento e a prática da psicoterapia não-diretiva, mas também permitiu o amadurecimento de pensamentos opostos. Enquanto os seguidores de Rogers aplaudiam, pois consideravam que o status humano e o fazer científico recebiam um renovado avanço, os pensadores e investigadores que se consideravam ofendidos pelos questionamentos teóricos de Rogers buscavam espaços para debater as idéias promovidas pelas psicoterapias não-diretivas.

O status do científico, do fazer da ciência, os parâmetros de cientificidade, o papel da psicoterapia no concerto da disciplina, as aplicações dos descobrimentos e outras questões fundamentais para qualquer ciência, permearam o desenvolvimento da psicologia ao longo das primeiras cinco décadas do século XX. Neste ambiente não poderia faltar um debate do qual ninguém pudesse permanecer alheio, pois representa o fundo e o contexto da disputa: falamos da discussão dos aspectos antropológicos presentes em qualquer teoria que se interesse no estudo do homem.

No outono de 1957 aparece no Journal of Couseling Psychology um artigo de Rogers no qual ele tenta sistematizar suas idéias antropológicas. Ao mesmo tempo, busca esclarecer sua posição com respeito ao tema, já que havia se produzido uma série de especulações em relação aos seus pontos de vista antropológicos, em especial desde a trincheira psicanalítica. Desde o início enfatiza que seu ideal de homem desprendeu-se de sua experiência como psicoterapeuta, e sugere o que o homem não é com as seguintes afirmações:

- Não encontro que o homem esteja bem caracterizado em sua natureza básica mediante termos tais como fundamentalmente hostil, anti-social, destrutivo ou mau.

- Não encontro que o homem seja, em sua natureza básica, completamente sem natureza, uma tabula rasa na qual se pode escrever qualquer coisa, nem tampouco uma massa maleável que possa ser configurada em qualquer forma.

- Não encontro que o homem seja essencialmente um ser perfeito, tristemente desviado e corrompido pela sociedade, (citada em Lafarga 199:29)

Rogers faz referência ao pensamento religioso e filosófico e os desqualifica por verem o homem como um ser corrompido e distante do seu criador ou como um ente aberto às forças que o rodeiam. Ao mesmo tempo, nega crédito às teorias racionalistas que consideram os desvios humanos como o produto de forças sociais desviantes que corrompem uma condição original de perfeição.

A confrontação que Rogers empreende contra o pensamento religioso e filosófico se baseia fundamentalmente na defesa da crença em uma natureza básica do homem. Rogers acredita que o homem tem características, ao que parece, inerentes à sua espécie: é positivo, move-se para frente, é construtivo e digno de confiança. Tais características, segundo Rogers, ele só as reconheceu na medida em que trabalhou com os princípios da psicoterapia não-diretiva, é dizer, fomentar uma relação doadora de segurança, eliminando qualquer tipo de ameaça sem importar em quem e onde se manifesta e conceder completa liberdade para ser e escolher.

A certeza de suas afirmações se finca na convicção que os pacientes, ainda que expressem toda classe de sentimentos negativos (que vão desde o sentimento anti-social até os desejos assassinos) mostram mudanças significativas na medida em que se envolvem na relação terapêutica, pois nela se encontram e falam de si mesmos de modo que emerge sua natureza humana. Rogers chega à conclusão, depois de 45 anos de experiência clínica, que o homem tende ao desenvolvimento, à diferenciação e às relações cooperativas; move-se da dependência à independência; tende à harmonização de seus impulsos num complexo e mutante padrão de auto-regulação de modo tal que busca preservar-se e preservar a espécie (Rogers, 1957).

Um homem que se reencontra com sua natureza básica é:

…capaz de viver totalmente em e com todos seus sentimentos e reações. Está usando todo seu organismo para sentir, tão exatamente quanto seja possível a situação existencial dentro e fora. Está utilizando todos os dados que seu sistema nervoso possa fornecer-lhe, usando-os na consciência e reconhecendo que seu organismo total pode ser e freqüentemente é, mais sábio que sua consciência…

É capaz de experimentar todos seus sentimentos e não tem medo de nenhum deles, ele é seu próprio fornecedor de provas, mas está aberto a informações de todas as fontes; encontra-se completamente comprometido no processo de ser e tornar-se ele mesmo e assim descobre que é realmente sensato e social… (Rogers, 1963 b:101-102)

Independente da forma que seja observado, as concepções antropológicas de Rogers arrastam consigo uma influência considerável dos pontos nodais que a discussão teológica tem tido. Sain-Arnaud (1972) enumera as posturas adotadas por psicólogos e ministros religiosos tanto protestantes como católicos em relação às propostas de Rogers, e não podemos esquecer sua ponderação da influência que este tem sobre o pensamento e a ação da pastoral protestante e católica. O que parece, a questão segue e seguirá sendo a expressa na pergunta: Pode o homem desenvolver suas potencialidades por e para ele mesmo?

É fácil apreciar que para Carl Rogers o homem tem uma natureza básica que o capacita para encontrar suas próprias respostas. O homem pode e é capaz de criar seu próprio mundo, suas próprias soluções e eliminar seus temores, suas barreiras, suas impossibilidades auto-impostas. Esta aproximação à existência humana parte de uma visão fenomenológica e compartilha espaços com as filosofias existenciais, ainda que também compartilha pensamentos afins às posturas teológicas mais liberais do protestantismo, apesar do que possam dizer os próprios defensores do pensamento rogeriano.

Rogers desenvolve uma antropologia que eu denominaria da esperança e na esperança; passo a explicá-lo melhor. Se o homem, como aponta nosso autor, tem uma natureza básica que consiste fundamentalmente nos atributos mais positivos que pudéssemos imaginar, teríamos o seguinte quadro:

Em primeiro lugar, afirma-se a crença em um homem que tem a tendência a buscar uma plena liberdade. Daí a proposta psicoterapêutica estar centrada no cliente, pois é a pessoa por si e em si mesma a que deve encontrar-se e decidir o que é mais conveniente e o que mais alegra sua vida. Este pensamento busca a defesa da autodeterminação e a independência. Se o indivíduo vive num mudo de mudanças, onde ele é o centro, Rogers pensa que finalmente, cada qual deverá decidir como quer viver e expressar-se (Rogers, 1988).

Em segundo lugar, o homem é capaz de dirigir-se a si mesmo, desenvolver-se e amadurecer. Não se trata então de resolver os problemas de ninguém, mas de ajudar as pessoas a se desenvolverem com o fim de que possam não só resolver esse problema de imediato, mas os que se lhe apresentem na posteridade. Os que se dedicam a resolver e dirigir a vida de outras pessoas, o que na realidade estão fazendo é entorpecer seu desenvolvimento. A máxima rogeriana seria “chegar a ser e permitir ser” (Rogers, 1975:16)

Em terceiro lugar, um elemento imprescindível na natureza básica do homem é a autenticidade. Rogers pensa que

…todos tendemos a reconhecer a congruência ou não-congruência dos indivíduos com quem nos relacionamos. Com freqüência percebemos que tal pessoa, na maioria dos terrenos, não somente expressa realmente seu pensamento, mas que este coincide exatamente com seus sentimentos mais profundos, já seja a cólera, a rivalidade, o afeto de solidariedade. Então, temos a sensação de saber exatamente em que ponto se encontra…(Rogers, 1964:98)

Da confiança que Rogers mantém para com a natureza básica do homem, se desprende um otimismo singular. A natureza do homem, quando lhe é permitido funcionar livremente, é construtiva e digna de confiança. As suspeitas de Rogers se dirigem às disputas tradicionais relacionadas com o controle da conduta humana. Enfrenta-se, a partir das implicações de sua visão com os conceitos que supõem um certo controle para manter à risca a tendência humana ao mal e à violência que enfatiza a crença tradicional. Uma citação a respeito ilustra o que estamos assinalando. Rogers diz:

O homem, quando é completamente ele mesmo, não pode evitar estar socializado de maneira realista. Não precisa perguntar quem controlará seus impulsos agressivos, porque quando está aberto a todos seus impulsos, sua necessidade de agradar e sua tendência a dar afeto são tão fortes como seus impulsos por bater ou ver por ele mesmo. Será agressivo em situações em que a agressão é realmente apropriada, mas não haverá necessidade de se desviar da agressão. Seu comportamento total nestas e outras áreas, quando ele está aberto a toda sua experiência, é balanceado e real, além de ser apropriado para a supervivência e melhoramento de um animal altamente social… O comportamento do homem é excepcionalmente racional, movendo-se com astúcia e ordenada complexidade às metas que seu organismo está empenhado em atingir. (Rogers, 1964:105-106)

Algumas perguntas ainda não resolvidas

É evidente o esforço que representa elaborar um quadro mais ou menos coerente do conceito de homem que tem um autor como Carl Rogers. Este foi apenas um rascunho. No entanto, a complexidade não está nas afirmações que pudessem ser feitas sobre sua aproximação antropológica, assim como está expresso nos textos por ele publicados, mas nas implicações culturais e sociais que estão por trás de suas afirmações.

O que significa pensar no homem em uma sociedade como a norte-americana? Não há respostas que deixem satisfeitos aos que conhecem um pouco a história da América do Norte. Neste ensaio tentei apresentar alguns dados das condições sócio-religiosas pelas quais a América do Norte passou durante as últimas décadas do século IXX e as primeiras do XX. Mas Rogers vive também o surgimento de uma nação pós-cristã na qual muitos protestantes voltam-se ao que Harold Bloom qualificou de “religião estadunidense”; aqui a liberdade contemporânea definida, significa estar a sós. E isto implica solidão pelo menos no sentido mais íntimo. Nos Estados Unidos, Bloom afirma, “nenhum estadunidense se sente pragmaticamente livre se não está só” (1994:11).

As milhares de horas que Rogers passou na clínica, fizeram com que ele descobrisse o que ele denomina “a natureza básica do homem”. No entanto, uma linha de investigação que não se responde neste trabalho é a referida à natureza das crenças antropológicas do americano médio que consultou a Rogers. O que será que os pacientes de Rogers lhe transmitiam? Como respondiam os rastros deixados por cada um deles aos seus próprios questionadores? Aqui não há respostas fáceis. Se Rogers confia em um homem em constante desenvolvimento de sua natureza básica, compartilha a idéia de um Adão primordial, não limitado pelo tempo nem marcado pela finitude. A força imaginativa desta proposta é extraordinária, apesar das conseqüências políticas e sociais que se desprendem de sua visão.

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[1] Esta conferencia foi organizada pela YMCA “Young Men´s Christian Association” que no Brasil recebe o nome de ACM “Associação Cristã de Moços”. Rogers teve participação ativa na YMCA.

Bibliografia

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O refinamento das condições essenciais para a transformação terapêutica: o apr(e)ender de uma escuta sensível (1)

Ticiana Paiva de Vasconcelos[2]

RESUMO

As discussões da contemporaneidade apontam para uma constante atualização das abordagens humanistas, principalmente no contexto da clínica psicológica. [Mais...] O presente estudo surgiu inicialmente do entrelaçamento da psicoterapia centrada na pessoa com a arte, buscando assim vislumbrar um fazer psicológico experiencial permeado por sensibilidade, criatividade e delicadeza. Na Abordagem Centrada na Pessoa, há uma carência de estudo ao tratar do refinamento do clima propício ao crescimento da pessoa, ou seja, do que há para além de sustentar as condições facilitadoras. Todavia, há de se observar a recorrente preocupação de seu próprio fundador, Carl Rogers, com a busca do terapeuta sensível. Rogers, sempre associando a sutileza e sensibilidade com a compreensão empática, estabelece assim, o pilar fundamental que desencadeia o processo psicoterapêutico. Entende-se, portanto, por resposta empática, quando o terapeuta ressalta, com sensibilidade, o senso-sentido que o cliente está experienciando, ajudando-o a melhor focalizar-se na experiência e assim se atualizar. Este estudo constituirá que, o trabalho pessoal objetivando a construção de si, terapeuta, exige o refinamento da ferramenta da escuta ativa, que caberia melhor ser chamada de escuta sensível – esta enquanto ação sensível de cuidado ao adentrar a experiência do cliente, sustentando as três condições, e organismicamente perceber o outro em seu movimento de experienciação.

Palavras-chave: Arte – escuta sensível – ACP – experienciação

“Serei eu, porque nada é impossível,
Vários trazidos de outros mundos, e
No mesmo ponto espacial sensível
Que sou eu, sendo eu por estar aqui?”

(Fernando Pessoa)

O constante atualizar-se que permeia o processo da vida, aproxima-me gentilmente a uma tomada de posição séria em relação aos eventos que experiencio. É o movimento de sentir e extrair sentido, imagens, significados. Esse artigo nasce da minha vida – e é somente a partir dela que se pode compreendê-lo integralmente. Após uma longa e sentida gestação em meu útero de pessoa, de psicoterapeuta, nasce esse filho bem íntimo, cujo quase nove meses serviram de maturação para que, de forma plena, pudesse ser apresentado com toda sua mestiçagem: quinas, cores e contornos. Então, a partir da busca de um contato mais profundo com a pessoa que sou, adentro o desconhecido mundo da minha experiência para, conseqüentemente, refinar e buscar um entendimento teórico vivo – onde conceitos são gestados e gerados a partir do que foi sentido por mim.

E pensar o manejo científico da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) da forma como eu a concebo, remete-me a seu fundador, Carl Rogers, ter construído, da mesma forma, seu fazer psicológico acordado com sua experiência e ressoando nela. As idéias de Rogers revolucionaram o campo das relações humanas, atribuindo um novo sentido tanto da valorização do cliente, quanto da própria relação terapêutica (Messias, 2006). E foi com um rigor primoroso e um nível de detalhamento raro que Rogers descreveu as condições essenciais para a transformação terapêutica, atuais e pertinentes, forma esta que me serve de inspiração para pensar o conhecimento científico com o sabor da vida: visceral, vivido, humano.

É fato que a minha motivação para este artigo extrapola as minhas incursões na clínica psicológica, mesmo sendo esta um grande definidor. Há ainda outras incursões onde fui profundamente implicada. Enfatizo minhas aproximações com a pesquisa etnográfica numa escola de música[3], onde mergulho nos estudos do sensível na arte. Esta pesquisa possibilitou-me a compreensão de que há algo da experiência humana impossível de ser captada pelo olhar – este sendo uma analogia ao puramente observável, o saber intelectual, teórico – mas que é percebida profundamente pelo ouvido orgânico, sensível. A partir dessas reflexões pude questionar a minha prática clínica e fui mobilizada a pensar a construção da arte de ser terapeuta centrado na pessoa.

Rogers (1961) afirma não vê distinção entre o processo criativo de pintar um quadro, compor uma sinfonia, desenvolver uma teoria científica, descobrir novas formas e relações humanas ou criar novos processos que desenvolvam a personalidade humana como a psicoterapia: “A causa principal da criatividade parece ser a mesma tendência que descobrimos a um nível profundo como a força curativa da psicoterapia – a tendência do homem para se realizar a si próprio, para se tornar no que em si é potencial” (p. 407, grifo do autor).

A minha experiência leva-me a ousar, permeando campos desconhecidos, ao propor refinar as condições facilitadoras em psicoterapia com o saber sensível, sentido. Considera-se a psicologia enquanto processo pelo qual auxilia o sujeito a desenvolver sentidos e significados diante do mundo. A pessoa ao ser aceita incondicionalmente é vista como processo em constante atualização (Rogers, 1961) na direção de tornar-se o que si é, verdadeiramente. O psicoterapeuta oportuniza o campo experiencial, compondo-se o instrumento que proporcionará o desdobrar do cliente. É a reunião de condições facilitadoras e necessárias para o reinventar criativo da pessoa do cliente.

O fluxo experiencial em psicoterapia foi conceitualizado por E. Gendlin (1964) como experienciação. Original do inglês, a palavra é cunhada no gerúndio (experiencing) para conotar processo, fluxo, movimento. Não se pode entender tal conceito sem ter em mente a equivalência de algo necessariamente em processo.

Na relação terapêutica, a experienciação ocorre no presente imediato. Trata-se do sentimento que está sendo vivido no exato momento (Messias, 2001). O foco está no sentimento e não no conteúdo – fatos, vivências, idéias, situações –, ou seja, “qualquer coisa que o cliente venha a referir como conteúdo tem pouca importância diante do sentimento presente, imediato” (p. 64).

Os sentimentos são matéria-prima da experienciação, pois, a partir do fluxo experiencial, símbolos (senso) são adotados para representar o que a pessoa sente (sentido). Em psicoterapia, o apreender dos sentidos do cliente é a dimensão do senso sentido. Senso enfatiza a qualidade corporal concreta, palpável da experiência organísmica – experienciação. É ao senso sentido que a resposta empática se dirige, pois o cliente ao focalizar sua queixa no conteúdo, permite-se que seja dercoberto, com sensibilidade, o potencial simbólico implícito da incongruência.

O modo de experienciar denuncia o grau processual da pessoa. É através desse movimento experiencial perceptivo-intuitivo que se sustenta o “pano de fundo” conceitual da psicoterapia centrada na pessoa. Pois é certo que o estabelecimento satisfatório das condições facilitadoras é o cerne da relação com o cliente, contudo, a sustentação e desenvolvimento do processo encontra-se na experienciação.

A chave para a transformação terapêutica é a empatia (May, 2004). Não basta, contudo, desenvolver a capacidade de uma resposta empática se não há profundamente gentileza, delicadeza, cuidado, para se caminhar na experiência do cliente. Ao adentrar o mundo perceptual do outro, através da compreensão empática, inclui ser sensível, em cada instante, às mudanças das significações sentidas (senso sentido) que fluem na outra pessoa. É em busca dessa dimensão de percepção profunda da empatia, que a escuta sensível oportuniza um campo de possibilidades sentidas. O psicoterapeuta que estabelece uma escuta profunda do senso sentido é permeado pela dimensão do cuidado que são as cores da escuta sensível.

Por toda a literatura psicológica, acredito não ter conceito semelhante ao desenvolvido neste trabalho. A escuta sensível é citada por Barbier (1998) relacionada à capacidade que o professor tem em não se fixar sobre interpretação de fatos, procurando compreender, por “empatia”, o seu aluno. Poderia esta se assemelhar à escuta ativa que Rogers (1983) tão bem definiu, sendo a escuta sensível, portanto, necessária para adentrar ao campo experiencial do cliente.

O instrumento da escuta sensível possibilita ao psicoterapeuta a percepção profunda e clara do senso sentido do cliente e das mudanças sentidas, pois uma escuta ativa pode supostamente ser dirigida ao conteúdo já revelado pelo cliente (como era feito em larga escala no começo do desenvolvimento da ACP com as respostas redundantes a expressões de sentimentos do cliente).

No campo de conhecimento da psicoterapia, permeia a articulação entre o sentir e o simbolizar. Por sentimento compreende-se “a apreensão da situação em que nos encontramos” (Duarte Jr, 1998, p.16) que precede a qualquer significação apriorística. O sentir é anterior ao pensar e compreende aspectos perceptivos e aspectos emocionais. A definição de sentimento e a sua expressão não podem se dar através da utilização de símbolos construídos pela consciência pensante, racional; dar-se-á por meio de uma consciência que se opunha ao pensamento racional (Duarte Jr, 2001). É devido a essa necessidade em apreender os sentidos que a Arte, por meio da experiência estética, instrumentaliza a ponte necessária para compreendê-los.

Assim, a própria atitude do psicoterapeuta possui uma dimensão estética: levar o cliente a buscar os sentidos que fundamentem sua ação, de modo que haja coerência entre o sentir, o pensar e o fazer. A arte, sem dúvidas, possui uma dimensão experiencial. Bem como o processo psicoterapêutico é em si experiencial. Rogers (1983) afirma que o experienciar do cliente, a experiência do processo, é a suprema autoridade da psicoterapia.

Destarte, observo a necessidade de uma melhor apropriação do sensível proveniente da arte pelos psicoterapeutas em formação. Há algo que não foi possível se apropriar na formação do psicoterapeuta, pois as condições facilitadoras podem ser acessadas, e até medidas da sua profundidade, mas não se sabe se essa postura está oportunizando o processo de atualização do cliente.

As universidades que formam para o humano são cada vez mais raras atualmente (Gendlin, 1992). Penso ser possível unir arte e Psicologia também devido a um enorme interesse pessoal e por acreditarmos que o contato com conteúdos referentes à arte possibilita um outro olhar sobre si mesmo e o mundo, podendo conduzir a novos processos mentais ao provocar diferentes formas de pensar e de ver o cotidiano.

Na formação profissional, merece atenção especial a construção de um olhar e de uma escuta atentos, ampliados e aprofundados ao contexto em que o profissional está inserido. Para isso, acreditamos que a arte tem um imprescindível papel desde a entrada do futuro psicólogo na academia. A construção de um psicoterapeuta-artista não se trata de uma zona mística, não se refere a uma sensibilidade dada ou herdada, mas sim a uma sensibilidade adquirida através de um processo de construção, obtendo uma clínica psicológica feita por humanos para o humano.

Ao descrever a psicoterapia como um processo que se constitui numa relação de aceitação e compreensão, a qual se funda no encontro de psicoterapeuta e cliente, torna-se imprescindível compreender a atitude terapêutica objetivando ao florescimento humano. Conhecendo essa atuação, pode-se vislumbrar na construção do psicoterapeuta a sua atitude artística para facilitar o processo de atualização do cliente, que possa ser percebido o quanto de gentileza, delicadeza, poesia e cuidado, ou seja, o quanto há de sensível em sua relação. Sua Santidade o Dalai Lama alude que “Num nível simples e prático, a gentileza cria uma atmosfera humana e acolhedora que permite uma comunicação mais fácil com as pessoas” (Dalai Lama, 2004).

E devido à necessidade em apreender os sentidos que a Arte, por meio da experiência estética proporcionada pela poesia e, mais profundamente ainda quanto esta se transforma em música, torna-se o instrumento mais hábil de compreensão não racional. Então para decorar[4] este artigo apelo às palavras de Chico Buarque e Cristóvão Bastos para o despertar da compreensão sentida.

Todo o sentimento (Cristóvão Bastos – Chico Buarque/1987)

Preciso não dormir

Até se consumar

O tempo

Da gente

Preciso conduzir

Um tempo de te amar

Te amando devagar

E urgentemente

Pretendo descobrir

No último momento

Um tempo que refaz o que desfez

Que recolhe todo o sentimento

E bota no corpo uma outra vez

Prometo te querer

Até o amor cair

Doente

Doente

Prefiro então partir

A tempo de poder

A gente se desvencilhar da gente

Depois de te perder

Te encontro, com certeza

Talvez num tempo da delicadeza

Onde não diremos nada

Nada aconteceu

Apenas seguirei, como encantado

Ao lado teu

A única forma legítima para fechar este artigo onde propõe chancelar o tempo da delicadeza em psicoterapia, são as próprias palavras de Carl R. Rogers – escritos de sua biografia, ainda inéditos em português – que anuncia: “I hope someday more people catch up to the fact that not only active listening, but also very sensitive listening is extremely important”. [Eu espero que um dia mais pessoas despertem para o fato de que não apenas a escuta ativa, mas também, a escuta muito sensível é extremamente importante]” (Rogers, 2002, p. 285).

Desta forma, o refinamento sistemático da ACP, em suas nuances mais peculiares, possibilitará o descortinar da escuta sensível enquanto um instrumento chave para o movimento do florescimento humano, essencial para os terapeutas humanistas contemporâneos.

REFERENCIAS

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[1] Trabalho apresentado no VII Forúm da Abordagem Centrada na Pessoa, em Nova Friburgo-RJ, em 11 de outubro de 2007.

[2] Mestranda em Psicologia pela UNIFOR e assistente de pesquisa do Laboratório de Pesquisa RELUS – Rede Lusófona de Estudos da Felicidade. E-mail: ticianapaiva@gmail.com

[3] Pesquisa realizada pelo GT1 da RELUS, no correr do segundo semestre de 2006. Comunidade visitada foi o Instituto Pão de Açúcar de Desenvolvimento Humano.

[4] Decor- (de decorar); cor, do latim coração, sentido, sentimento.

Ao longo de minha vida profissional, de forma explícita ou não, tenho ouvido isto durante vários atendimentos quando em seu início. Esta é uma questão, a meu ver, preocupante.

Num mundo ágil, onde não podemos “perder tempo”, as pessoas que buscam ajuda, ingenuamente (mas com todo o direito), esperam soluções prontas, direcionamento e maneiras “certas” de viver. Buscam no outro o melhor jeito.

Talvez esta seja uma das explicações das vendas cada vez maiores dos livros de “auto-ajuda”. Onde “profissionais” viram verdadeiros “gurus”, ensinando normalmente o óbvio, contudo colaborando para que a pessoa se desvie cada vez mais de sua unicidade e de seu caminho.

Este é o assunto que desejo focar-me convidando o leitor a fazer uma reflexão a respeito. Não com o intuito de pôr um ponto final na questão, mas sim, com o interesse de provocar uma discussão.

Atenho-me aqui ao psicoterapeuta, que ao meu ver, em função do papel que exerce, deve estar atento para não induzir a falsa expectativa de que a solução vem do outro. Todo cuidado é pouco uma vez que o cliente muitas vezes pede, e entrega as rédeas de sua vida ao psicoterapeuta, sentindo-se incapaz de se auto-dirigir. Em várias situações, bem intencionado, porém ingenuamente, o psicoterapeuta menos atento, ou aquele que crê realmente em seu poder, acaba colaborando com o cliente a acreditar que a resposta realmente vem de fora (através das vária técnicas que facilitam a indução). Isto sem contar os psicoterapeutas que fazem desta maneira,para suprir a sua necessidade de se sentir capaz ou aceito pelo cliente.

Muitas vezes para nos livrarmos da sensação de impotência ou para mostrarmos ao outro o nosso supremo “saber” nos iludimos através do direcionamento, como se fossemos seres dotados de capacidades superiores, e tivéssemos condições de direcionar ou responder, com opiniões, técnicas ou crenças pessoais. Desta forma, talvez num papel muito mais confortável, criando um distanciamento, vistos como “seres superiores”, dificultamos condições para que o cliente conclua por si, através de seus olhos, do seu caos pessoal, de forma visceral, sua vida, história, problemas, desejos, alternativas e soluções.

Para nós psicoterapeutas é difícil abrir mão do poder, colocarmo-nos num papel de facilitador, livrarmo-nos de nossos próprios rótulos, experiências, pré conceitos e pré supostos e nos mostrarmos como pessoas presentes, compartilhando com o outro, olhando através dos seus olhos, sem encontrar soluções, apenas procurando facilitar condições favoráveis para o outro se ouvir.

Através da Abordagem Centrada na Pessoa, ganhamos condições de refletir e perceber a armadilha que nos colocam para implicitamente mantermos um padrão, uma fachada, um status, que comodamente nos alimenta. Compartilhar nos tira a distância, desfaz a muralha, mas nos dá vínculo, possibilidade de aceitação e de acolhimento, imprescindíveis ao psicoterapeuta centrado na pessoa.

Para todos nós, que olhamos ajuda sob orientação centrada na pessoa, é imprescindível que nos olhemos com honestidade. Os requisitos básicos da ACP só existem, quando verdadeiros, quando parte de dentro de nós. Nunca como técnica. Ou “somos” a Abordagem Centrada na Pessoa ou não. Não há meio termo. Esta é, sem dúvida, uma das razões da importância de olharmos para nós mesmos antes de olharmos o outro.

Posso verdadeiramente acolher, aceitar, não julgar, ser honesto, colocar-me no lugar do outro? Quero abrir mão do distanciamento, das explicações e do poder?

Estas são perguntas que talvez devam ser respondidas por todos aqueles que desejam se aprofundar no estudo e atendimento tendo como refer6encia a Abordagem Centrada na Pessoa.

Desmitificando os papéis. Aceitando a sabedoria antes do conhecimento, crendo na capacidade do outro, dentro de condições favoráveis de buscar em si suas soluções.

Crendo na sua condição de criar a partir das propostas centradas na pessoa, o seu jeito, e não no jeito ideal, que não existe como algo global. Individualizar o outro é uma maneira de nos individualizarmos também, para irmos, a partir de nós em uma direção global.

Acreditando que no fundo, todos nós, que escolhemos uma profissão de ajuda, buscamos cada vez mais a nossa maneira de nos aperfeiçoar, para que atinjamos nossa expectativa em colaborar, a nossa maneira, com o crescimento das pessoa.

Talvez, sejam quebradas muralhas, e doa em nós, assumirmos que não temos condições de ensinar o outro a viver, mas talvez seja mas honesto estar ao lado da pessoa ajudando-a a aprender por si, o que é para se viver.

O estudo do potencial humano na Psicologia contemporânea: A corrente Humanista e a corrente Transpessoal.

Elias Boainain Jr.

A leitura histórica que contextualiza este artigo, inicialmente proposta por Abraham Maslow, afirma que a Psicologia se desenvolveu, e contemporaneamente se estabelece, em quatro grandes Forças, isto é, grandes correntes ou movimentos congregadores de teorias, escolas, estudiosos e praticantes da ciência psicológica. [Mais...] De acordo com essa classificação, a Primeira Força é o Behaviorismo, ou Psicologia Comportamental, corrente iniciada por John Watson e cujo maior expoente talvez seja B. Skinner, sendo a Psicanálise, criada por Sigmund Freud, apontada como a Segunda Força. Não obstante o inegável valor e importância das contribuições dessas duas primeiras Forças para a compreensão psicológica do ser humano, elas despertaram, no meio científico psicológico, diversas oposições ao mecanicismo de suas propostas deterministas de compreensão do psiquismo e ao pouco otimismo de suas concepções relativas à natureza humana e suas potencialidades intrínsecas. Estas potencialidades, afirmam os opositores, teriam sido negligenciadas, ignoradas ou deturpadas nas propostas de Psicologia do Behaviorismo e da Psicanálise, cujas principais descobertas e teorias fundamentaram-se, respectivamente, no estudo de animais e de doentes mentais. Assim, congregando diversas escolas e investigadores, dois outros grandes movimentos, em que o estudo do potencial humano é privilegiado, tem emergido nas últimas décadas e sido apresentados e propostos como novas Forças da Psicologia: A Psicologia Humanista, ou Terceira Força, e a Psicologia Transpessoal, ou Quarta Força. O objetivo deste artigo é apresentar, de forma didática e sintética, o histórico e as características principais dessas duas correntes da Psicologia contemporânea que enfatizam o estudo e o desenvolvimento das potencialidades do psiquismo humano.

Ao contrário do Behaviorismo e da Psicanálise, entretanto, nem a Psicologia Humanista nem a Psicologia Transpessoal podem ter suas origens associadas a determinado autor ou escola, embora líderes e expoentes possam ser identificados. Ambas se constituem, na verdade, como movimentos congregadores de profissionais e abordagens de origem, por vezes, bastante diversa e independente. A articulação e institucionalização, tanto do Movimento Humanista quanto do Transpessoal, nasce da insatisfação e sensação de isolamento de investigadores, teóricos e praticantes não identificados com as tendências predominantes no cenário psi e traduz seu anseio de constituir um grupo de pertença, intercâmbio, atuação e fortalecimento mútuo, a partir da convergência em torno de algumas propostas, tendências, posicionamentos, interesses, pontos de vista e mesmo linguagem assumidos em comum, mas sem prejuízo das perspectivas mais particulares e das diferenças entre as escolas específicas com que se identificam.

Essa heterogeneidade típica das duas correntes, e que dá margem a caracterizações e definições por vezes bastante discrepantes entre os autores que as apresentam, acaba por vezes confundindo o estudante ou profissional de Psicologia que se propõe a entender o que é afinal a Psicologia Humanista ou a Psicologia Transpessoal.

Sem a pretensão de poder acabar com essa confusão, mas desejando lançar alguma luz sobre o assunto, a caracterização que aqui apresento não terá a preocupação de discriminar ou comparar os posicionamentos e as contribuições de cada autor ou escola que se identifica ou é identificado como humanista ou transpessoal. O enfoque adotado será o de, após uma sintética exposição dos aspectos históricos e contextuais a que o nascimento de cada um dos movimentos esteve associado, centrar a exposição nas tendências mais gerais e consensuais,

examinando-as em quatro tópicos, ou dimensões, que me parecem essenciais na caracterização de qualquer escola ou corrente de Psicologia: a Temática Privilegiada; o Modelo de Ciência; a Visão de Homem; e os Métodos e Técnicas.

No caso da Psicologia Humanista, como esta, em suas diversas abordagens, é hoje bem mais difundida e estabelecida no meio acadêmico e profissional da Psicologia de nosso país, a exposição será mais resumida e menos fundamentada em citações e esclarecimentos. Preferi ocupar um espaço maior na apresentação da Psicologia Transpessoal, a qual, não obstante o crescente interesse que vem despertando (demonstrado, por exemplo, no aumento da tradução e edição de livros sobre o assunto), é ainda bem pouco conhecida e aceita nos meios mais oficiais da Psicologia no Brasil.

A PSICOLOGIA HUMANISTA

HISTÓRICO

O Nascimento da Psicologia Humanista

A Psicologia Humanista, conforme historia DeCarvalho (1990), surgiu, com esse título, no final da década de 50 e início os anos 60. Foi sobretudo graças ao trabalho de dois homens, Abraham Maslow e Anthony Sutich, que o Movimento Humanista pode ser articulado, organizado e institucionalmente fundado como a Terceira Força da Psicologia.

No início da década de 50, Maslow era um promissor psicólogo experimental e professor de Psicologia na Universidade de Brandeis, mas seus interesses pouco ortodoxos e pouco afinados à forte predominância do Behaviorismo no ambiente acadêmico, apenas confrontado pela influência da Psicanálise nos meios clínicos, tendiam a levá-lo ao isolamento profissional e intelectual. Era-lhe inclusive difícil arranjar veículo adequado para publicar seus artigos, que não encontravam ressonância na linha editorial e teórica adotada pela maior parte das revistas técnicas de então. Como forma de contornar o problema, em meados dos anos 50, organizou uma lista de nomes e endereços de psicólogos e grupos envolvidos em visões menos ortodoxas e mais afinados com suas próprias idéias, para com eles manter intercâmbio de artigos e discussões, na forma de uma rede de correspondência, a que chamou Rede Eupsiquiana e que viria a ser o embrião do Movimento Humanista.

Sutich, psicólogo que conhecera Maslow no final dos anos 40 e que nos anos 50 tornara-se ativo participante da Rede e intenso colaborador na discussão das novas idéias, veio a ter fundamental papel no lançamento e institucionalização da Psicologia Humanista. De suas discussões com Maslow nasceu a percepção de que uma nova Força estava se configurando e já era a hora, ao final dos anos 50, de fundarem uma revista própria que difundisse e veiculasse a proposta. Sutich foi encarregado de encabeçar o empreendimento, dedicando-se intensamente à tarefa de articulação e organização. Após considerável deliberação sobre o nome da nova revista – foram sugeridos Ser e Tornar-se, Crescimento Psicológico, Desenvolvimento da Personalidade, Terceira Força, Psicologia do Self, Existência, e Orto-Psicologia – foi adotado o título Revista de Psicologia Humanista, sugerido por S. Cohen, e que desde então passou a designar o Movimento, oficialmente lançado com o primeiro número da revista, em 1961.

O sucesso da revista acabou levando à organização da Associação Americana de Psicologia Humanista, fundada em 1963, consolidando-se o movimento de forma definitiva em 1964 quando, em uma conferência realizada na cidade de Old Saybrook, compareceram em aberta adesão grandes nomes inspiradores do movimento. Com sua rápida e sólida difusão a Psicologia Humanista se mostra hoje uma Força firmemente estabelecida e respeitada no panorama da Psicologia mundial, generalizadamente reconhecida nos campos teóricos, acadêmicos e de aplicação.

Principais Influências e Adesões

Ao contrário das Forças anteriores, a Psicologia Humanista não se identifica ou inicia com o pensamento de um determinado autor ou escola. Tratando-se primariamente de um movimento congregador de diversas tendências, unidas pela oposição ao Behaviorismo e à Psicanálise, assim como pela convergência em torno de algumas propostas comuns, várias afluências, adesões e influências podem ser apontadas, destacando-se as que se seguem:

Teorias Neo-Psicanalíticas

A crítica que a Psicologia Humanista faz à Psicanálise, centra-se sobretudo na visão pessimista, determinista e psicopatologizante que atribui à teoria de Freud, assim como na impessoalidade da técnica transferencial. Já algumas teorias de discípulos dissidentes de Freud são vistas com bons olhos e citadas como importantes influências em relação ao trabalho de destacados humanistas. São vistas com simpatia as teorias de Adler, Rank, Jung e Reich, assim como são bem recebidas contribuições da Psicanálise americana, representada por Horney, Sullivan, Erikson, e toda a corrente de Psicanalistas do Ego e Culturalistas em geral. Psicanalistas não ortodoxos, como Nuttin e Fromm, chegam mesmo a tornar parte ativa no Movimento.

Gestaltistas e Holistas

A Psicologia Humanista retoma em grande parte as propostas da Psicologia da Gestalt alemã, em especial a visão holista (que privilegia o todo em detrimento das partes, opondo-se ao elementarismo e ao reducionismo) do ser humano e seu envolvimento ambiental. Trazida aos Estados Unidos pelos seus criadores – Wertheimer, Koffka e Köhler – e outros psicólogos imigrantes, fugitivos das conturbações políticas européias, a influência da Psicologia da Gestalt está presente em praticamente todos os psicólogos humanistas. Para citar apenas os principais autores envolvidos no surgimento da Psicologia Humanista e para os quais a formação gestáltica foi decisiva lembremos Goldstein, Angyal e Lewin, sendo que este último, ao lado das propostas do Psicodrama de Moreno, foi também uma das principais influências no extraordinário desenvolvimento e aplicação de técnicas de trabalho grupal, que tão caracteristicamente marcaram o movimento da Psicologia Humanista. E, ainda neste tópico da influência gestáltica, não pode ser esquecido Perls, o polêmico Fritz, que em suas originais leituras da Psicanálise, da Psicologia de Gestalt e do Existencialismo, foi, com a Gestalt-Terapia por ele criada, uma das presenças mais marcantes no extraordinário sucesso e desenvolvimento da Psicologia Humanista nas décadas de 60 e 70.

Psicologias Existenciais

As articulações para o lançamento da Psicologia Humanista coincidiram, no final da década de 50, com a maior difusão nos Estados Unidos do trabalho que havia décadas vinha sendo realizado na Europa por diferentes escolas de Psicologia e Psicoterapia inspiradas em filósofos existencialistas e fenomenólogos(1). Essa difusão ocorre não só pela tradução para o inglês de obras de psicólogos existenciais, como Boss, Binswanger e Van Den Berg, mas também pelo trabalho de divulgação realizado no meio psicológico pelos escritos de Tillich e Rollo May, tendo este último organizado, em 1959, o primeiro simpósio sobre Psicologia Existencial realizado nos Estados Unidos, para o qual foram convidados expoentes e futuros líderes do Movimento Humanista, como Maslow e Rogers. Não tardaram a serem encontrados pontos em comum nas respectivas propostas e, sobretudo pela participação ativa de May e outros psicólogos existenciais que aderiram ao movimento, como Bugental e Bühler, a Psicologia Humanista foi amplamente enriquecida com a perspectiva fenomenológica e existencial, a ponto de por vezes ser denominada Psicologia Humanista-Existencial (Greening, 1975). Não cabe aqui uma discussão mais aprofundada do relacionamento nem sempre fácil e pacificamente aceito entre a perspectiva humanista americana – em muitos sentidos muito mais essencialista, ligada antes a Rousseau que a Heidegger e Sartre, menos filosoficamente sofisticada, mais otimista e vinculada a interpretações biológicas da natureza humana – e a perspectiva existencial européia. Entre os filósofos existencialistas cujas idéias foram mais abertamente abraçadas pelos humanistas americanos, destacam-se Kierkegaard e Buber, sem contar com a influência de Nietzche que, sobretudo por via indireta (as idéias de Adler), é notada em algumas propostas da Terceira Força. De uma maneira geral, o Movimento Humanista acabou por absorver a maioria dos psicólogos existenciais americanos e, do outro lado, a proposta humanista recebeu a adesão de pelo menos um teórico europeu de destaque, Viktor Frankl, criador da Logoterapia, que posteriormente integraria também o Movimento Transpessoal. Ronald Laing, o anti-psiquiatra inglês que sofreu forte influência das idéias de Sartre, pode também ser apontado como interlocutor e simpatizante da Psicologia Humanista e, à semelhança de Frankl, assíduo freqüentador do meio transpessoal.

Escolas Americanas de Psicologia da Personalidade

Outra importante influência na constelação do Movimento Humanista, diz respeito à afluência de importantes escolas de Psicologia da Personalidade desenvolvidas nos Estados Unidos. Afora a sempre lembrada homenagem póstuma aos pragmatistas John Dewey e Willian James, destacados teóricos independentes como G. Allport, G. Murphy, Murray, Kelly, Ellis, Maslow e Rogers, assim como toda a escola de Psicologia do Self e a corrente de fenomenólogos americanos, associaram-se ao movimento, em diferentes graus de apoio e envolvimento.

Outras Afluências como movimento aberto e inclusivo de novas tendências, idéias e experimentações pouco ortodoxas, a Psicologia Humanista não tardou a integrar em suas fileiras de simpatizantes e proponentes toda sorte de marginais contestadores do sistema. A espetacular revolução que o movimento propiciou no campo das psicoterapias, entendidas a partir de então na perspectiva ampliada de técnicas de crescimento pessoal ou de desenvolvimento do potencial humano, estimulou o estudo, experimentação e aplicação – infelizmente de modo nem sempre tão sério e criterioso como seria de se desejar – de novas formas de ajuda psicológica. Entre as tendências que se aproximaram da Psicologia Humanista, destacam-se as novas psicoterapias que vinham se desenvolvendo a partir do trabalho mais ou menos independente de seus criadores, como a Terapia Primal de Arthur Janov, a Análise Transacional de Eric Berne, e a Psicossíntese de Roberto Assagioli (que posteriormente abraçaria o Movimento Transpessoal); as escolas e técnicas de trabalho não verbal e corporal, com suas propostas de relaxamento, sensibilização e desbloqueio psíquico e energético; as variadas formas de trabalho intensivo com grupos que se associaram no que ficou conhecido como Movimento dos Grupos de Encontro; e enfim toda sorte de touchy-feelly terapeutas envolvidos na experimentação alternativa de técnicas de desenvolvimento pessoal ou simplesmente navegando em uma superficial e consumista adesão à nova onda. Influências matizadas de aspectos que em breve dariam origem ao Movimento Transpessoal, especialmente relativas ao estudo e aplicação de técnicas de meditação e experimentação psíquica com drogas psicodélicas, também podem aqui ser incluídas, embora alguns humanistas mais ortodoxos as rejeitem como parte das superficiais e pouco sérias contribuições e adesões que o movimento acabou por atrair, em grande parte devido ao clima cultural mais amplo a que o surgimento da Psicologia Humanista esteve associado e que examinaremos a seguir.

A Questão da Contracultura

A institucionalização e o rápido desenvolvimento e aceitação da Psicologia Humanista coincidiu, no contexto cultural da década de 60, com os anos de acentuado questionamento e mudança nas sociedades ocidentais. Anos de revoltas políticas e de costumes, sobretudo entre a juventude, e em que mais do que nunca a contestação ao Sistema e aos valores estabelecidos esteve na ordem do dia. Anos marcados pelo que, na expressão cunhada por Theodore Roszak (s. d.), foi chamado de Contracultura: revoltas estudantis, movimento hippie, mobilização pacifista contra a guerra do Vietnã, ativismo político, organização de minorias raciais e feministas, desafio à autoridade, revolução underground nas artes, oposição ao materialismo consumista, valorização do corpo, do sentimento, do amor livre, da experimentação psíquica através das drogas psicodélicas, da ecologia, da auto-expressão espontânea, e das experiências meditativas e espirituais. Essas tendências todas convergiam na rejeição aos modelos tradicionais de família, de trabalho, de escola, de relações interpessoais, de igreja, de governo, de instituições em geral, e da própria cultura ocidental.

Muito do extraordinário sucesso da Terceira Força da Psicologia se deve ao Espírito do Tempo, o Zeitgeist, desse momento histórico, ao qual de várias maneiras suas propostas eram ressonantes e coincidentes, ao ponto de, em diversos sentidos, ter sido o Movimento da Psicologia Humanista abarcado como uma das facetas da Contracultura. Apesar dos excessos, equívocos, ingenuidades e superficialidades cometidas no calor da revolução cultural, não compartilho a opinião daqueles (como Smith, 1990) que lamentam como infeliz distorção a associação da imagem da Psicologia Humanista aos movimentos contestatórios dos anos 60. Na Verdade, mais do que qualquer outra corrente da moderna Psicologia, a Psicologia Humanista é marcada por um compromisso de engajamento em favor da mudança social e cultural, em direção a uma sociedade de valores mais humanos, menos controladora, mais atenta às necessidades intrínsecas de auto-realização, mais criativa e lúdica, envolvendo relações pessoais mais abertas, autênticas, auto-expressivas e prazerosas, em que a exploração alternativa das dimensões humanas da intimidade corporal e emocional fosse sancionada ao invés de reprimida; enfim, onde a pessoa, em sua liberdade e auto-determinação no desenvolvimento de suas possibilidades, fosse o valor supremo, contra todos os dogmas, valores e autoridades externamente constituídos. Ora, em grande parte, isso me parece coincidir com as propostas e os valores abraçados pelos movimentos contraculturais de então.

CARACTERÍSTICAS

Temática Privilegiada

Além da oposição ao Behaviorismo e à Psicanálise, e da absorção de escolas não identificadas com essas correntes, o Movimento Humanista é caracterizado pela congregação de estudiosos em torno de alguns tópicos e interesses que podem ser apontados como temáticas típicas e preferenciais da Psicologia Humanista. Sutich (1991), relembrando o início do Movimento e o lançamento da Revista de Psicologia Humanista, informa como uma definição de Terceira Força formulada por Maslow em 1957, foi utilizada na introdução da primeira edição, para assim descrever a proposta:

A Revista de Psicologia Humanística foi fundada por um grupo de psicólogos e profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, interessados naquelas capacidades e potencialidades humanas que não encontram uma consideração sistemática nem na teoria positivista ou behaviorista, nem na teoria psicanalítica clássica, tais como criatividade, amor, self, crescimento, organismo, necessidades básicas de satisfação, auto-realização, valores superiores, transcendência do ego, objetividade, autonomia, identidade, responsabilidade, saúde psicológica, etc. (p. 24).

Nessa significativa listagem elaborada por Maslow como resumo dos interesses editoriais do veículo oficial do movimento, pode-se perceber o delineamento das principais tendências e ênfases temáticas que, relacionadas entre si, caracterizam-se como típicas da Psicologia Humanista.

Em primeiro lugar, a Psicologia Humanista destaca-se como a corrente que, afastando-se do tradicional enfoque clínico de privilegiar o estudo das psicopatologias, passa a enfatizar a saúde, o bem estar, e o potencial humano de crescimento e auto-realização. Já em seu livro Introdução à Psicologia do Ser, de 1957, Maslow (s. d.) aponta para a necessidade do desenvolvimento de uma Psicologia da Saúde, criticando as teorias, como a Psicanálise, que generalizam suas conclusões sobre o ser humano a partir de dados obtidos quase que exclusivamente no estudo de indivíduos mentalmente perturbados, resultando conseqüentemente em um retrato pessimista e desabonador da natureza humana. Maslow, ao contrário, se propõe o estudo das mais saudáveis e admiráveis pessoas, por ele denominadas personalidades auto-atualizadoras, dando início à tradição humanista de abordar a Psicologia a partir do prisma da saúde e do crescimento psicológico. Tão forte é essa tendência que forneceu o termo Eupsicologia, cunhado nas primeiras tentativas de articulação e caracterização do movimento. Também, em sua proposta de enfatizar o desenvolvimento das melhores capacidades e potencialidades do ser humano, a Psicologia Humanista é muitas vezes identificada como o Movimento do Potencial Humano. Assim, ao invés de empenhar-se em exaustivas descrições e teorizações sobre os mecanismos das enfermidades psíquicas, reservando à saúde a definição negativa de ausência de doença, é mais típico da Psicologia Humanista buscar definir as características do pleno e saudável exercício da condição humana, em distanciamento do qual as patologias podem então serem entendidas.

Em segundo lugar, outra importante orientação temática geral da Psicologia Humanista, diz respeito ao privilegiar das capacidades e potencialidades características e exclusivas da espécie humana. Criticam os humanistas, sobretudo ao Behaviorismo, a tendência a generalizar conclusões obtidas a partir de experimentos realizados quase que exclusivamente em pesquisa animal; assim como a forte tendência da psicologia experimental em, mesmo quando dedicada a trabalhos com pessoas, centrar-se em aspectos fisiológicos, ou muito parcializados, perdendo de vista a própria dimensão psicológica característica do ser humano, que deveria em princípio ser o enfoque prioritário de uma ciência dedicada ao estudo da mente e da psiquê. A volta ao humano como objeto de estudo é uma das bandeiras do Movimento, importante a ponto de fornecer-lhe o título designativo. Qualidades e capacidades humanas por excelência, tais como valores, criatividade, sentimentos, identidade, vontade, coragem, liberdade, responsabilidade, consciência, auto realização, etc., fornecem temas de estudo típicos das abordagens humanistas. Essas e outras temáticas, igualmente características (organismo, self, significados, intencionalidade, necessidades básicas, experiência subjetiva, encontro, etc.), estão também associadas à visão de homem, à proposta de Ciência, e aos métodos e técnicas desenvolvidos e assumidos pela Psicologia Humanista, que serão examinados nos próximos itens, e representam as diversas influências recebidas pelo Movimento, sucintamente referidas nos itens anteriores.

Ao leitor mais atento não terá por certo escapado a inclusão, na listagem de Sutich, do tema transcendência do ego. Tal assunto, embora em algumas abordagens possa ser entendido como a mera superação da identificação com uma defensiva e socialmente imposta imagem de si, em seu sentido mais amplo, caracteriza antes uma temática transpessoal, cuja inclusão aqui serve para ilustrar a vinculação dessa tendência ao Movimento Humanista, no qual era inicialmente vista como uma facção ou topifição de interesses, assunto que será melhor esclarecido quando tratarmos do surgimento da Psicologia Transpessoal.

Visão de Homem

De forma bem mais declarada que as Forças anteriores, a Psicologia Humanista, enquanto movimento organizado, reconhece, assume e propõe a inevitabilidade da adoção de um Modelo de Homem, ou seja, uma concepção filosófica da natureza humana, como ponto de partida e princípio norteador de qualquer projeto de construção da Psicologia. Neste tópico, talvez mais que em qualquer outro, destila a Psicologia Humanista suas maiores críticas e discordâncias às escolas a que se opõe, contestando veementemente os modelos de homem que identifica nas formulações psicanalíticas e behavioristas.

Opõem-se os humanistas à concepção psicanalítica do homem como um animal lúbrico e feroz, movido por necessidades instintivas de prazer e agressão, ao qual só a custa de muitas restrições e sublimações da natureza animalesca básica se pode, na melhor das hipóteses, trazer algum verniz de racional sociabilidade, mas não sem um inevitável ônus de frustração, infelicidade e Mal-Estar da Civilização. Recusam-se também a conceber o ser humano como uma espécie de máquina, robô ou marionete, cuja natureza passiva e amorfa, assim propõe o Behaviorismo, é absolutamente moldada, manipulada e controlada pelas contingências de estimulação e condicionamento ambiental, a quem na melhor das hipóteses se poderá oferecer a escolha (ela própria condicionada) entre um condicionamento fortuito e um planejado. Negando-se a aceitar que o homem seja assim reduzido por tão pessimistas e desalentadoras visões, a Psicologia Humanista se afirma em um compromisso com uma visão otimista e engrandecedora, na qual as melhores qualidades e potenciais positivos manifestados pelos homens sejam valorizados como a própria essência da natureza humana.

Grosso modo, a visão psicanalítica costuma ser comparada, pelos humanistas americanos, à pessimista opinião de Hobbes (o homem é o lobo do homem), e a visão behaviorista à concepção de Locke, que vê o ser humano como uma tabula rasa; ao passo que seu próprio modelo é considerado como uma reedição da generosa visão de Rousseau: O homem é naturalmente bom, a sociedade é que o corrompe.

Vejamos, em algumas tendências e consensos das abordagens humanistas, um sucinto esboço da visão de homem que elas propõem:

Enxergando o homem como um todo complexo e organicamente integrado, cujas qualidades únicas vêm de sua configuração total, rejeitam os humanistas as concepções elementaristas e fragmentadoras da psiquê. Retomando para o Movimento a proposta holista que Adler foi buscar em Smuts, e que de outra parte caracterizou a Psicologia da Gestalt, vêem no homem uma natureza tal que a totalidade da pessoa humana é sempre maior que a soma de suas partes tomadas isoladamente. Em especial nas teorias desenvolvidas nos Estados Unidos – o ramo americano e mais caracteristicamente humanista do Movimento, e para o qual as idéias do neurologista e teórico gestaltista Goldstein foram especialmente influentes – a compreensão organísmica do ser incluí suas raízes biológicas. Assim, concebem o homem como marcado pela necessidade, que vêem como intrínseca a todo organismo vivo, de atualizar seu potencial e se tornar a totalidade mais complexa, organizada e autônoma que for capaz. Esta hipótese da necessidade de auto-realização fornece, em diversas versões, a teoria básica de motivação da maioria das psicologias humanistas. Mesmo que as escolas existenciais, dada sua ênfase na liberdade e sua compreensão do ser humano como criatura cuja natureza consiste em criar sua própria natureza (Sartre), rejeitem a consideração de tendências biológicas determinantes, há quem remonte à vontade de potência de Nietzsche a origem da formulação humanista da existência de uma tendência intrínseca de busca da auto-realização. Igualmente associada à concepção holista, está a compreensão que os humanistas em geral tem do homem como implicado e indissociavelmente configurado – mas não determinado – em seu relacionamento com o ambiente, seja este físico, fenomenológico-experiencial, interpessoal, ou sócio-histórico-cultural.

O ser humano, na visão humanista-existencial, é proposto como um ser livre e intencional, recebendo esta noção especial destaque nas psicologias existenciais, as quais por vezes rejeitam a concepção mais essencialista e rousseauniana dos americanos, que crêem ser a natureza humana positivamente orientada, devendo as relações psicossociais deletérias ser responsabilizadas por qualquer desvio dessa bondade original. Para os existencialistas, sendo o homem livre e auto-orientado pelos propósitos e sentidos que dá à própria existência, não pode eximir-se de se responsabilizar plenamente pelo que é, apesar da inevitável angústia que esse assumir-se evoca, pois qualquer outra atitude seria auto-engano, má fé, inautenticidade no existir. De qualquer forma, de uma maneira geral, as teorias humanistas propõem que o comportamento do ser humano não pode ser adequadamente entendido a partir de referências exclusivas a influências determinantes externas à sua consciência e aos significados atuais que imprime ao mundo, sejam essas influências provenientes do ambiente, do passado, ou do inconsciente. Associadas portanto à aceitação da liberdade, da responsabilidade e da intencionalidade como características intrínsecas à condição humana, resultam a ênfase nas interpretações teleológicas (que enfocam a finalidade ao invés da causa passada) do comportamento; o privilegiar da dimensão consciente e do vivenciar da experiência presente; assim como o enfoque fenomenológico (que se atem à experiência subjetiva e consciente) e compreensivo (que contrapõe a compreensão por empatia à explicação por referenciais exteriores); os quais, com maior ou menor destaque, são defendidos pelos humanistas.

Enfim, vendo o homem como um ser em busca e construção de si mesmo, cuja natureza continuamente se desvela e exprime no realizar de suas possibilidades e na atualização de seu potencial, compreendem os humanistas que só se é pessoa, só se é realmente humano, no autêntico, livre e integrado ato de se desenvolver. Daí o generalizado consenso, que alguns entendem como a característica mais marcante da visão de homem que a Psicologia Humanista apresenta, em rejeitar concepções estáticas da natureza humana, considerada antes como algo fluido: uma tendência para crescer, um movimento de sair de si, um projetar-se, um devir, um incessante tornar-se, um contínuo processo de vir a ser.

Modelo de Ciência

O desenvolvimento da Psicologia Humanista é caracteristicamente marcado por uma reflexão e tomada de posições em questões filosóficas e epistemológicas sobre a natureza da Psicologia enquanto Ciência. É, sob alguns novos aspectos e nuances, retomada a discussão que envolveu o nascimento e as primeiras décadas da Psicologia Científica contemporânea, em torno da questão do modelo, dos métodos e do objeto dessa nova ciência. A controvérsia principal referia-se à adequação do Modelo de Ciência, até então bem sucedido nas modernas ciências naturais, estender-se às nascentes ciências humanas, as quais, justificadas pela singularidades de seu objeto de estudo, congregavam arrebatados defensores do desenvolvimento de um modelo próprio e diferenciado. Embora na Europa o debate tenha prosseguido e frutificado, principalmente no desenvolvimento de escolas de psicopatologia e psicoterapia inspiradas na Fenomenologia e no Existencialismo, no panorama americano a discussão parecia ter estagnado, com a aparente vitória dos modelos naturalistas, fosse o modelo positivista de determinismo ambiental adotado pelo Behaviorismo, com sua ênfase na experimentação animal e na observação objetiva; fosse o modelo médico, mecanicista em sua ênfase no determinismo psíquico, de inspiração darwiniana, e igualmente naturalista, da Psicanálise. Os humanistas, reeditando em novas versões propostas da Psicologia Compreensiva de Dilthey, da perspectiva holista da Psicologia da Gestalt, da primeira Fenomenologia de Husserl, e dos questionamentos existencialistas sobre a a singularidade e irracionalidade da existência concreta, tendem a acordar que a Psicologia deve se afirmar em um modelo de ciência do homem, respeitando e se adaptando às especificidades de seu objeto de estudo. Embora a este respeito não se possa encontrar unanimidades indiscutíveis entre as diversas propostas que se articulam no movimento humanista, algumas tendências parecem se destacar, sobretudo em decorrência do Modelo de Homem que, como vimos, esse movimento defende.

De uma maneira geral, a Psicologia Humanista não se opõe aos parâmetros de racionalidade e objetividade empírica, quando utilizados na busca de explicação, controle e previsão dos fenômenos do mundo das coisas. Entretanto, quando se trata do homem, que os humanistas entendem como tão distinto do restante da criação, opõe-se, em maior ou menor grau, a diversos princípios e procedimentos consagrados em modelos de ciência natural e nas propostas de Psicologia das Forças a que se opõe. Há considerável consenso na crítica da aplicação, ao estudo do homem, de abordagens reducionistas, deterministas, elementaristas e objetivantes; ao passo que o racionalismo empírico-indutivo e hipotético-dedutivo é, com adaptações, menos rechaçado. Vejamos brevemente estas questões.

Opondo-se ao reducionismo, que vêem como associado aos modelos de homem do Behaviorismo e da Psicanálise, recusam-se os humanistas a entender o ser humano como um mero jogo de forças instintivas e culturais, ou intermináveis cadeias de estímulo-resposta, sujeito aos mesmos processos comportamentais que os animais de laboratório. Reconhecem os humanistas na pessoa humana uma complexidade tal que implica numa mudança qualitativa, e não apenas quantitativa, em relação às espécies inferiores, de tal ordem que o princípio metodológico de se compreender pelo mais simples o mais complexo deva, no caso do homem, ser invertido, pois até os processos psíquicos mais simples e primitivos adquirem novos sentidos na configuração total da personalidade humana. Ao determinismo e mecanicismo será desnecessário nos estendermos, pois para abordagens que enfatizam a liberdade e a intencionalidade como condição humana, é evidente que o determinismo não vai ser de muito auxílio ou relevância.

A questão da objetividade científica, em nome da qual o Behaviorismo mais radical tentou esterilizar de toda vida psíquica a ciência da Psicologia, é talvez a posição que recebe maiores ataques, pois é justamente a dimensão subjetiva dos sentimentos, das emoções, dos valores, das inter-relações, dos significados, da vontade, dos anseios, da criatividade, da experiência e vida consciente, o objeto de estudos que prioritariamente a Psicologia Humanista quer abordar. Como se pode então, em nome da Ciência, fechar os olhos ao que de mais significativo e característico há para se investigar no objeto que se tem para estudo?

No que tange a levar a maiores extremos ainda o questionamento da natureza da investigação científica da psiquê humana, mesmo dentro do próprio Movimento Humanista as posições tendem a divergir. A maioria das escolas humanistas americanas se inclina a professar fé na Ciência, e seus investigadores, muitos com sólida formação empírica e experimental, são bastante criativos em renovar e adaptar formas de pesquisa, inclusive experimentos laboratoriais, às dimensões do ser que desejam estudar, enquanto a tradição fenomenológica européia tem possibilitado a enorme ampliação de vias no desenvolvimento de procedimentos para Psicologia, e fornecido talvez os principais subsídios para a discussão da natureza desta, enquanto ciência do homem. É entretanto em algumas propostas existencialistas que talvez se encontrem as posições mais radicais do questionamento. Tomadas até as últimas conseqüências, certas concepções básicas da visão existencial de homem e de universo, como as que propõe o caráter singular e único de cada existência, a imprevisibilidade das possibilidades e dos projetos decorrentes da liberdade e escolha autênticas, assim como a irracionalidade de um universo que, afora os mutantes sentidos que cada homem a cada momento lhe imprime, é de uma absurda e absoluta gratuidade, parecem tornar irrelevante qualquer noção de previsibilidade, constância, replicabilidade, generalização, racionalidade e mesmo comunicação de resultados, no estudo do humano. Sem se aceitar uma possibilidade mínima dessas condições, é de fato difícil acreditar que seja possível chegar a algum tipo de verdade científica, o que leva alguns psicólogos existenciais ao questionamento cético da utilidade de investigações empíricas, formulações teóricas, ou mesmo da Psicologia enquanto Ciência. Deste ponto de vista mais extremado, algumas abordagens mantém-se muito mais próximas da Antropologia Filosófica que da Psicologia Científica, à qual parecem se manter ligadas apenas pelas preocupações de natureza clínica de suas propostas de psicoterapia.

Enfim, não pode deixar de ser dito, os questionamentos e respostas que a Psicologia Humanista levanta e esboça sobre a natureza da Psicologia enquanto Ciência e sua possibilidade de contribuir para a felicidade, saúde e auto-realização humana, encontram-se no cerne de todo um processo mais amplo que marca a crise da moderna Civilização Ocidental. Se a Ciência colaborou para esvaziar e isolar o homem, reduzindo-o à sua mera dimensão material e aos frios mecanismos lógico-racionais a serviço de considerações mesquinhas e doentias, a justa revolta cultural contra esse estado de coisas que nos tem retirado o sentido, a maravilha e a profundidade da experiência de ser humano entre humanos, mobilizou também os psicólogos. Assim, a Psicologia Humanista se compromete, em seu projeto de Ciência, a estar sempre voltada a favorecer o movimento da aprisionada alma humana, em sua busca de um mundo que se possa chamar humano, e em que, entre os da nossa espécie, seja realmente um prazer viver.

Métodos e Técnicas

Mantendo-se fiel às suas opções temáticas, e tendo sempre em vista as dimensões do ser que seu enfoque privilegia, a Psicologia Humanista desenvolve, adapta e renova variadas técnicas e metodologias de abordagem da pessoa, com finalidades de estudo ou intervenção. Os questionamentos e posições assumidas sobre a natureza da Ciência Psicológica e seu objeto próprio de estudo, fazem do projeto humanista de construção da Psicologia uma fonte de inspiração e parâmetros no desenvolvimento de abordagens adequadas, sendo sobretudo o compromisso com sua visão de homem que orienta a criação e desenvolvimento de novas formas de estabelecer a saúde psíquica e promover o desenvolvimento dos melhores potenciais humanos.

No campo da pesquisa, a Psicologia Humanista é marcada não só pela eleição de temas e faixas da experiência humana até então negligenciadas como objeto de investigação, mas também pelo desenvolvimento e utilização de inovações metodológicas. O instrumental de pesquisa e investigação desenvolvido e utilizado sob a égide da Terceira Força é bastante rico e diversificado. Para um breve apanhado das contribuições mais significativas e características, podem ser brevemente lembradas as variações dos métodos inspirados na Fenomenologia, aí incluídas as chamadas pesquisas qualitativas; a crescente consideração da influência da pessoa do investigador nos experimentos, que em muitos estudos é complementada com a inscrição dos sujeitos da pesquisa como co-investigadores; a larga realização de estudos idiográficos (interessados nas singularidades, ao invés das características generalizáveis do sujeito da investigação); e o eclético e criativo uso com que investigadores humanistas renovam abordagens mais tradicionais de pesquisa, desde os experimentos laboratoriais até o consagrado recurso do estudo de caso.

É entretanto no campo das psicoterapias e técnicas de crescimento pessoal, mais do que em qualquer outro, que a contribuição da Psicologia Humanista é especialmente exuberante e espetacular, resultando em uma verdadeira revolução nos conceitos e formas de ajuda psicológica. O espaço aqui seria pequeno, caso eu desejasse fazer a mínima justiça da citação nominal das novas escolas e propostas que foram desenvolvidas na vanguarda ou na esteira do Movimento Humanista. Optei então por me restringir apenas à discriminação comentada de algumas das principais tendências que se associam ao Movimento.

Embora a diversidade das teorias e técnicas psicoterápicas abrangidas pela Psicologia Humanista seja quase inumerável, o reconhecimento do potencial positivo e saudável da natureza humana tende a congregá-las em um objetivo de trabalho comum, distinto do apresentado pelas Forças anteriores. Para a concepção psicanalítica de ser humano, a psicoterapia visa obter um equilíbrio entre a voracidade irracional das forças do Id, as restrições culturais internalizadas no Superego, e as condições objetivas da realidade, mediante as articulações parcialmente conscientes do Ego e seus mecanismos de defesa, resultando, na melhor das hipóteses, na transformação, como afirmou certa vez Freud, de uma infelicidade neurótica em uma infelicidade normal. Para o Behaviorismo, o conceito determinista e valorativamente neutro que faz da natureza humana, implica que a terapia é bem sucedida ao propiciar o descondicionamento dos comportamentos indesejados e a aprendizagem do repertório que propicie melhor adaptação e atenda ao desejado, sendo que as questões desejado por quem? ou adaptado a que? não encontram no Behaviorismo resposta, que deve ser buscada na ideologia da moda ou no senhor de escravos que estiver de plantão. Já para a Psicologia Humanista, o objetivo de qualquer tratamento pode ser formulado numa frase quase redundante: levar a pessoa a ser ela mesma. Propiciar ao cliente, ou estudante, a conquista de uma existência autêntica, auto-consciente, transparente, espontânea, verdadeira, congruente e natural, sem máscaras, jogos, couraças ou divisões (splits) internas: eis o que pretendem os humanistas.

A ênfase na saúde ao invés de na doença, assim como a proposta de desenvolvimento do potencial humano, tem levado as terapias humanistas a entender suas técnicas de ajuda muito mais como formas de estimular o desenvolvimento e a aprendizagem do que como tratamento de enfermidades, disfunções ou anomalias psíquicas. A troca do modelo médico pelo de auto-realização tem levado muitas abordagens a se apresentarem – não obstante o tradicional designativo psicoterapia mantenha sua força – como sendo métodos e técnicas de desenvolvimento ou crescimento pessoal. De qualquer forma é bastante generalizada a concepção de que toda psicoterapia bem sucedida é um processo de aprendizagem profunda e ampla, assim como toda aprendizagem verdadeiramente significativa é profundamente liberadora e curativa, sendo diversos dos métodos humanistas utilizados quase que indiferenciadamente no consultório e na sala de aula.

Uma das conseqüências da visão holista, e da concepção do homem como um todo bio-psíquico-social, é o destacado desenvolvimento das chamadas técnicas e abordagens corporais, em que massagem, toque, sensações, dança e movimento, catarses expressivas de cólera, choro, riso, vômito, grito e orgasmo instrumentalizam o crescimento psíquico e a maior vivência de si. Ainda neste tópico do enfoque pluridimensional, podem ser incluídas as técnicas não verbais, o uso do poder da expressão artística, e até mesmo práticas meditativas e espirituais, cujo potencial curativo viria a ser posteriormente assumido como um dos principais recursos da terapias transpessoais.

Noções existencialistas do homem como um ser de natureza dialogal, que só se mostra – e verdadeiramente é – no encontro pessoal, tem favorecido as terapias relacionais, em que o terapeuta abdica das posturas e defesas profissionais, para entrar em relação como pessoa real, pois é no encontro de pessoa para pessoa, na relação Eu-Tu, que, acreditam os humanistas, a mudança se dá.

A aceitação da tendência inata e intrínseca para o crescimento e auto-realização favorece a compreensão do terapeuta como sendo antes um facilitador, do que alguém que atua sobre o outro. A ênfase no fluir constante, na liberdade e na singularidade de cada ser, tende a abolir os planejamentos, os objetivos e estratégias, e a desenvolver uma atitude abertura ingênua e incondicional ao que vem do outro em seu processo de desenvolvimento e auto-criação.

O extraordinário desenvolvimento de terapias e técnicas de trabalho com grupos, especialmente na forma de vivência intensiva, é uma das tendências que marca a Psicologia Humanista. Além das ricas e inovadoras contribuições teóricas e técnicas a essa modalidade de atuação, até então negligenciada, o chamado Movimento dos Grupos de Encontro representou, ao menos nos anos 60 e 70, a faceta de maior impacto da Terceira Força, traduzindo em ações efetivas o compromisso transformação sócio-cultural que a Psicologia Humanista se impõe.

Enfim, é no teste empírico de suas idéias, muitas vezes taxadas de ingênuas ou utópicas, e no sucesso e aceitação de suas práticas, que a Psicologia Humanista tem se consolidado como uma psicologia afinada ao Zeitgeist de nossa época, em que apesar de toda crise, amargura, cinismo, solidão e desesperança, o anseio mudo e oculto por uma vida mais autêntica e humanizada torna-se eloqüente e fulgura ao encontrar quem nele acredite e se disponha a ajudar.

A PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

HISTÓRICO

Antecedentes

O reconhecimento da existência e importância, assim como o interesse em seu desenvolvimento, das potencialidades humanas relacionadas à espiritualidade, auto-transcendência e ampliação da consciência – temática que contemporaneamente caracteriza o objeto de estudos privilegiado da Psicologia Transpessoal – é imemorial nas culturas e sociedades humanas. Embora esse interesse, assim como a visão de homem e universo a ele associada, sejam com justiça habitualmente relacionados ao campo da Religião ou da Filosofia, é igualmente justo e apropriado, sob uma ótica mais atual, considerar grande parte da produção cultural desenvolvida nessa área como pertencente ao campo do que hoje chamamos Psicologia. De fato, abstraída uma leitura mais ingênua dos aspectos mitológicos, doutrinários e ritualísticos específicos, a maioria das religiões e tradições espirituais acaba propondo um modelo teórico-operativo da psiquê humana – ou seja, uma teoria da personalidade – e tecnologias de mudança da personalidade em direção ao considerado mais saudável pelo modelo adotado – ou seja, um tipo de psicoterapia.

Este ponto de vista de aceitar as tradições espirituais como psicologias, e mais ainda psicologias transpessoais, é ponto pacífico dentro do Movimento Transpessoal e, mesmo fora deste, encontra hoje ampla aceitação, em grande parte graças ao trabalho de Jung , que em suas pesquisas sobre a Alquimia e as religiões orientais e ocidentais, revolucionou a concepção cientificista com que tais tradições eram encaradas. Assim vemos hoje populares manuais acadêmicos de teorias da personalidade, largamente utilizados fora do círculo transpessoal (como o de Fadiman e Frager, 1979) e mesmo de autores não identificados com a perspectiva transpessoal (como Hall e Lindsey, 1984) dedicarem capítulos às chamadas Teorias Orientais.

Ainda examinando o passado histórico da Psicologia, vamos encontrar nas psicologias pré-científicas desenvolvidas sob a égide da Filosofia, toda gama de concepções sobre a natureza humana e suas relações com o universo circundante, em que são privilegiadas perspectivas metafísicas e enfatizado o potencial de espiritualidade e transcendência da consciência. Tais concepções, permanecendo atuais e dando margem a estudos adequados ao arcabouço teórico e conceptual da Ciência atual, podem ser considerados como patrimônio pela moderna Psicologia científica e, nos aspectos relacionados à espiritualidade, como contribuições à Psicologia Transpessoal.

Mesmo na história recente de nossa ainda jovem ciência da Psicologia, são encontrados significativos precursores do atual Movimento Transpessoal, sendo três os nomes mais amplamente reconhecidos:

Em primeiro lugar, é lembrado o psiquiatra canadense Richard Maurice Bucke, que em fins do século passado realizou estudos sobre vivências de ampliação e transcendência da consciência, as experiências místicas, de farto relato na literatura religiosa e, mais recentemente, também na psiquiátrica. Foi Bucke quem adotou o termo consciência cósmica, como designativo mais ou menos genérico para a vivência subjetiva de abarcar o cosmos como conteúdo da consciência. Título de seu livro Consciência Cósmica, hoje um clássico da Psicologia Transpessoal, o termo ainda é largamente utilizado, em grande parte como uma homenagem a esse grande pioneiro no estudo científico dos estados superiores da consciência humana.

Em segundo lugar, já na virada do século, fulgura William James, que em seus estudos sobre As Variedades da Experiência Religiosa (título de seu livro de 1902) e, sobretudo, em suas teorias sobre a natureza da consciência, seu fluxo e estados, formulou arrojadas concepções transpessoais que hoje são recuperadas e revalorizadas pelos psicólogos da Quarta Força. Não são poucos os que vêem na Psicologia Transpessoal, a qual retoma a consciência como objeto central da Psicologia (ênfase que desde James havia sido abandonada), uma continuidade de seu trabalho. Esse grande luminar, cuja obra nas últimas décadas vem sendo redescoberta e retirada das empoeiradas páginas da História da Psicologia, é aclamado como precursor não só da Psicologia Transpessoal, mas também do movimento fenomenológico, humanista e existencial da Terceira Força.

E por fim vamos encontrar o extraordinário Carl Gustav Jung, outro gênio cuja filiação póstuma em suas fileiras, como membro honorário e precursor, é disputada tanto pelo Movimento Humanista como pelo Transpessoal. Psicólogo adiante de seu tempo, em muitas de suas revolucionárias concepções antecipou em décadas diversas tendências assumidas hoje pela Psicologia Transpessoal, sendo impossível, neste curto espaço, traçar ainda que um resumo de suas contribuições ao estudo das dimensões transcendentes da consciência – ou do inconsciente, como ele preferiria dizer. Apenas para citar, noções como arquétipo, inconsciente coletivo, psiquê objetiva, Self, sincronicidade, psicóide, entre outras, assim como seus já referidos estudos sobre Religião e Alquimia – e mais, Parapsicologia, Astrologia e métodos divinatórios – encontram-se, e por certo se manterão por muito tempo, na ordem do dia para os psicólogos transpessoais deste e do futuro século.

A Emergência da Psicologia Transpessoal

Não obstante o interesse milenar do ser humano pelas dimensões superiores e espirituais de sua psiquê e experiência, e do significativo trabalho desenvolvido no campo da Psicologia por pioneiros como os que foram referidos, é somente de meados para o final da década de 60 que uma série de fatores contribui para o aumento de investigações, teorizações e práticas psicológicas relacionadas ao tema, criando condições para a emergência e institucionalização da Psicologia Transpessoal enquanto movimento organizado que se propõe como a Quarta Força da Psicologia.

Entre os fatores mais comumente apontados, e que examinaremos a seguir, estão as necessidades decorrentes de fenômenos da mudança sócio-cultural; as novas perspectivas de compreensão e abordagem científica da realidade abertas pelos desenvolvimentos mais recentes das ciências naturais; e , no âmbito da Psicologia, certas decorrências do desenvolvimento da própria Psicologia Humanista.

Mudanças no Contexto Cultural

No contexto das intensas transformações culturais observadas na cultura ocidental nas últimas décadas e que, como vimos, estiveram também associadas ao desenvolvimento da Psicologia Humanista, houve um crescente interesse em espiritualidade, assim como um significativo aumento do número de pessoas envolvidas em espetaculares vivências de alteração e ampliação da consciência. Isto tem sido explicado, ao menos em parte, pela difusão do uso de substâncias psicodélicas, pela popularização de práticas meditativas e espirituais importadas do oriente ou difundidas a partir da abertura de antigas tradições esotéricas, e mesmo pela crescente valorização cultural desse tipo de experiência, antes inibida e reprimida como sinal de transtornos mentais, ou ainda de ignorância, primitividade, superstição e mesmo farsa.

Fossem tais vivências experienciadas como positivas, perturbadoras, ou meramente divertidas, o fato é que colocaram os psicólogos e as psicologias numa desconfortável posição. Chamados a explicar o que se passava e interferir como autoridades no assunto, pouco tinham a dizer ou fazer. Salvo referências a eruditos estudos antropológicos do que até então podia ser considerado como uma exótica curiosidade de culturas primitivas ou de fechados grupos religiosos, os psicólogos só tinham para repetir surradas lições de psicopatologia psiquiátrica, que logo se mostravam como inadequadas respostas àqueles que os procuravam em busca de explicações e ajuda para entender e integrar tão extraordinárias vivências. Mesmo jovens psicólogos e pesquisadores, dentro do caldeirão de auto-experimentação psíquica que caracterizou os anos da Contracultura, vivenciavam essas alterações dramáticas, desconcertantes, intrigantes, e sobretudo instigantes, da própria consciência. Viu-se então a Psicologia desafiada a abordar o fenômeno com todos os instrumentos técnicos, metodológicos, teóricos e conceituais conhecidos, ou mesmo criando outros que se fizessem necessários.

Surgia todo um novo campo de estudos, até então negligenciado nos meios mais oficiais, e que agora se mostrava no descortinar de uma vasta gama de desconhecidos estados alterados da consciência, para utilizar uma expressão difundida no meio transpessoal por Charles Tart (1977). Em consequência dessa situação, verificou-se o explosivo aumento de pesquisas e teorizações na área, estudos estes que não poderiam ser adequadamente encaixados nos ramos de estudo anteriormente delimitados para a Psicologia, nem tão pouco eram adequadamente abarcados pelas formulações teóricas mais correntes.

Da necessidade de intercâmbio de pesquisas e pontos de vista desses estudiosos isolados e deslocados nos meios mais oficiais, como outrora ocorrera com os psicólogos que se associaram no lançamento da proposta humanista, emergiam as condições para a articulação de um novo movimento congregador, envolvido agora na investigação privilegiada das experiências inusuais e ampliadas da consciência humana.

Mudanças no Paradigma Científico

Entre os fatores extrínsecos mais comumente relacionados à emergência da Psicologia Transpessoal, é apontado o extraordinário desenvolvimento observado neste século no campo das ciências naturais, tais como a Física, a Química, a Biologia e a Fisiologia. Novas descobertas e teorias em ramos de ponta da pesquisa científica têm a tal ponto abalado as concepções estabelecidas de realidade e Ciência que, recorrendo-se à conhecida concepção de história da Ciência apresentada por Kuhn (1987), tem sido freqüentemente apontado que estaríamos em plena crise e revolução paradigmática, testemunhando o nascimento de um novo paradigma científico, isto é, uma nova concepção de realidade e Ciência. Tal revolução, de implicações não só científicas como sócio-culturais, teria significados e conseqüências tão transformadoras, ou mesmo mais ainda, que aquela iniciada outrora por Copérnico, que subvertendo a cartografia da realidade propiciou, entre outras coisas, o próprio nascimento das ciências naturais e da Civilização Moderna. Está sendo solapada em suas próprias bases a visão de mundo cartesiano-newtoniana, cujos princípios de ordenação lógica e causal, e de objetividade confiável das dimensões espaço-temporais, tinham até agora fornecido alicerce seguro para a paulatina e inexorável construção do edifício da Ciência. O novo paradigma que se insinua, e tem sido chamado de pós-moderno, holístico, holográfico, e mesmo transpessoal, parece nos falar de um universo mais amplo, do qual a realidade em que até agora transitávamos em nossos projetos de investigação científica, não passa de uma estreita faixa, cuja existência, ao invés de se revestir de materialidade, parece dever à nossa consciência tanto quanto as delirantes visões de um psicótico se associam à sua subjetividade doentia. Na nova perspectiva científica, tempo e espaço são conceitos relativos; matéria e energia, uma questão de ponto de vista; parte e todo são sinônimos; relação causa e efeito um conceito anacrônico; consciência subjetiva e objetividade concreta, duas faces inseparáveis e intercambiáveis de uma mesma realidade unitária.

Essa insólita visão de mundo, inicialmente restrita a esotéricos círculos de pesquisadores e teóricos, acabou por despertar curiosidade no insatisfeito e questionador panorama da cultura em crise e, atravessando as fronteiras disciplinares, chega também à Psicologia, onde encontra eco e confirmação nos extravagantes interesses e interrogações de isolados psicólogos envolvidos em estudar os limites da consciência. Este surpreendente encontro entre ciências de tão distinto campo – o âmago da matéria e os confins da alma humana – é mediado por uma constatação mais desconcertante ainda: a nova visão de mundo e realidade, vislumbrada nas pesquisas mais especulativas e arrojadas, não era tão nova assim, mas imemorialmente vivenciada nas tradições religiosas, na experiência dos místicos, e nos relatos transpessoais.

Assim, contextualizando-se em um quadro de revolução paradigmática, a Psicologia Transpessoal recebe estímulo para se consolidar como movimento de contribuição e resposta da ciência psicológica que se atualiza, ao desafio e tarefa que – tradicionalmente colocado a todo empreendimento científico – recebe agora renovados significados: conhecer, colocando este conhecimento a serviço da humanidade, a realidade do universo que nos cerca.

A Psicologia Humanista e o Nascimento da Psicologia Transpessoal

Embora auto-intitulada a Quarta Força da Psicologia, a Psicologia Transpessoal não surge em oposição à Psicologia Humanista. Pelo contrário, como movimento de proposta mais inclusiva que contestatória, mantém estreita ligação com a Psicologia Humanista e, não obstante desta difira qualitativamente nas posições e interesses a ponto de caracterizar um novo movimento, a Psicologia Transpessoal é em geral entendida como uma ampliação ou extensão do Movimento Humanista, a partir de tópicos que haviam sido apenas perifericamente considerados nas formulações iniciais da Terceira Força. É aliás no próprio seio da Psicologia Humanista que se iniciam as articulações para o lançamento do novo movimento:

Na década de 60, durante o rápido desenvolvimento da psicologia humanística, tornou-se evidente que uma nova força emergia de seus círculos internos. Entretanto, a posição humanística, enfatizando o crescimento e a auto-atualização, era muito restrita e limitada para tal força. A nova ênfase residia no reconhecimento da espiritualidade e das necessidades transcendentais como aspectos intrínsecos da natureza humana e no direito de cada indivíduo escolher ou mudar seu caminho. Muitos renomados psicólogos humanísticos mostraram crescente interesse por várias áreas antes negligenciadas e por tópicos de psicologia como experiências místicas, transcendência, êxtase, consciência cósmica, teoria e prática de meditação ou sinergia inter-espécie ou interindividual. (Grof, 1988, p. 138).

Mais uma vez, a percepção de que as circunstâncias favoreciam a emergência de uma nova Força, e a iniciativa de encabeçar as articulações para seu lançamento, coube a Maslow e Sutich. Conforme relembra este último (Sutich, 1991), foi a partir das idéias que transpiraram em um seminário sobre Teologia Humanística promovido em 1966, que Maslow e ele amadureceram a constatação de que uma nova Força estava se impondo e fora erroneamente identificada como parte da Psicologia Humanista. De fato, em 1968, Maslow assim se expressaria na introdução à segunda edição de seu livro Introdução à Psicologia do Ser:

Devo também dizer que considero a Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Força ainda “mais elevada”, transpessoal, trans humana, centrada mais no cosmos que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e quejandos (…). Necessitamos de algo “maior do que somos” (Maslow, s. d., p.12).

A proposta, divulgada em conversas, seminários, artigos e troca de correspondências, logo encontrou destacados adeptos, sendo formado um comitê para organização de uma nova revista, dedicada ao que àquela altura chamavam Psicologia Trans-humanística. Das discussões desse comitê, presidido por Sutich e integrado por, além de Maslow, nomes do calibre de James Fadiman, Sidney Jourard, Michel Murphy e Miles Vich, completa em finais de 1967 a definição e declaração de objetivos da nova Força. Em 1968, em discussão de que participaram também Viktor Frankl e Stanislav Grof, é adotado o título Psicologia Transpessoal em substituição ao anteriormente proposto, e a revista lançada em 1969, sendo o movimento assim apresentado :

Psicologia Transpessoal (ou “Quarta Força”) é o título dado a uma força emergente no campo da Psicologia, representada por um grupo de psicólogos e profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, que estão interessados naquelas capacidades e potencialidades ÚLTIMAS que não possuem um lugar sistemático na teoria positivista ou behaviorista ( “Primeira Força”), na teoria psicanalítica clássica ( “Segunda Força”), ou na psicologia humanística (“Terceira Força”). (Apud Sutich, 1991, p. 29).

Nos próximos itens, procurarei caracterizar a Psicologia Transpessoal em termos dos temas que privilegia em seus estudos; das posições que adota em sua proposta de Psicologia científica; da visão de natureza humana desenvolvida em suas teorias; e das técnicas e métodos que utiliza para investigação e atuação. Em todos os tópicos, na medida do possível, serão enfatizadas as relações e diferenças entre as posições transpessoais e humanistas.

2. CARACTERÍSTICAS

Temática Privilegiada.

Na declaração dos conteúdos de interesse para publicação, impressa no frontispício do primeiro numero da Revista de Psicologia Transpessoal, pode-se ter uma expressiva idéia dos campos temáticos caracteristicamente privilegiados na proposta da Quarta Força:

A Revista de Psicologia Transpessoal ocupa-se da publicação da pesquisa teórica e aplicada, de contribuições originais, estudos empíricos, artigos e estudos sobre meta necessidades, valores últimos, consciência unitiva, experiência de pico, êxtase, experiência mística, valores B, essência, felicidade, respeito, milagre, auto-realização, significado último, transcendência do eu, espírito, sacralização da vida cotidiana, unidade, consciência cósmica, jogo cósmico, sinergia individual e da espécie, máximo encontro interpessoal, responsividade e expressão, e sobre os conceitos, experiências e atividades relacionadas. Como declaração de objetivos , esta formulação deve ser entendida como sujeita a interpretações opcionais individuais ou de grupos, tanto parcial quanto totalmente, com relação à aceitação de seus conteúdos como essencialmente naturalistas, teístas, sobrenaturalistas, ou qualquer outra classificação que se lhes dê. (Apud Sutich, 1991, p. 31)

Trata-se de uma listagem bastante extensa, cuja topificação em grande parte refere-se a termos relacionados a certas perspectivas teóricas mais específicas, sendo apresentada aqui mais pelo interesse histórico da declaração e para que se tenha um apanhado geral da amplitude e abertura de perspectiva dos interesses do Movimento Transpessoal. Ao invés de discorrer sobre cada um dos temas relacionados, o que além de resultar demasiado extenso provavelmente forneceria uma visão em tanto confusa e dispersiva, optei em centrar minha apresentação em torno de três tópicos gerais que, relacionados entre si, tem mais comumente sido apontados como a área privilegiada e característica das abordagens transpessoais: as potencialidades últimas; a espiritualidade; e os estados alte

O comprometimento político-ideológico da psicologia e a formação do psicólogo

Walter Andrade Parreira (*)

*Trabalho apresentado no “I Encuentro Latinoamericano de Psicologia Humanista-Existencial”, em Medellín, Colômbia em setembro de 2006,

INTRODUÇÃO

O conhecimento é produzido socialmente, gerado por uma determinada sociedade, em um dado momento histórico, concretamente situado. [Mais...] Essa origem traz marca de um atravessamento ideológico, de um comprometimento político. Isso significa que o conhecimento estará a serviço da manutenção ou da transformação da sociedade e, numa estrutura de classes, a serviço, portanto, da dominação ou da libertação.

O presente trabalho pretende apontar para a importância de se refletir sobre o comprometimento ideológico-político da Psicologia, mais especificamente na área clínica. Procura detectar expressões desse comprometimento nas teorias e práticas psicoterápicas e na formação do psicólogo clínico.

Para tanto, repassa a historia da educação brasileira, área em que análise semelhante já foi realizada, e extrai da mesma um referencial que contribui para a pretendida reflexão.

O trabalho faz, também, uma análise da história da Psicologia em Minas Gerais – a partir do seu surgimento na área educacional – e da Psicologia Industrial, no sentido de encontrar subsídios para a mesma reflexão na área clínica.

A avaliação do comprometimento de classe da Psicologia tem como objetivo contribuir para a discussão, que se faz ao final, sobre a formação do psicólogo clínico.

(*) Universidade Fumec (Fundação Mineira de Educação e Cultura) – Belo Horizonte, MG.

walterparreira@gmail.com

Capítulo I

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

I.1 – As políticas educacionais brasileiras e sua articulação com o contexto econômico

“… o processo capitalista de produção reproduz (…) a separação entre a força de trabalho e as condições de trabalho, perpetuando, assim, as condições de exploração do trabalhador. (…) A produção capitalista, encarada em seu conjunto, ou como processo de reprodução, produz não só mercadoria, não só mais valia; produz e reproduz a relação capitalista; de um lado o capitalista e, do outro, o assalariado.”[1]

Toda sociedade precisa produzir e reproduzir as condições materiais de sua existência, ou seja, os meios de produção e a energia necessária para colocá-los em operação – a força de trabalho. De outro lado, precisa reproduzir as condições sob as quais se dá essa produção material da sua existência; reproduzir, em outras palavras, as relações sociais de produção (de exploração ou de cooperação). Para tanto, a sociedade dispõe de dois mecanismos: os Aparelhos Repressivos de Estado (ARE) e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), conforme Althusser (1980: 61); ou a sociedade política e a sociedade civil, segundo Gramsci (1979: 10-11) – o uso da força, da coerção, e o uso da persuasão, do consenso.[2]

Na sociedade brasileira, até o Século XIX, os aparelhos ideológicos eram, principalmente, a família e a Igreja. Predominava no país o modelo agro-exportador na economia, que exigia um mínimo de qualificação e diversificação da força de trabalho. O esgotamento desse modelo e o início do processo de industrialização, nas primeiras décadas deste século, no entanto, trouxeram mudanças profundas no cenário econômico, político e social do país. Assistiu-se à crescente urbanização da sociedade brasileira, com o deslocamento de grandes massas do campo para a cidade. O trabalho na indústria nascente, que exigia a qualificação da mão-de-obra, e o novo ambiente cultural da cidade fomentaram a demanda social para a escola.[3] Ela era importante para os interesse da classe dominante, cujo discurso colocava o analfabetismo como o mal da sociedade, como responsável pela pobreza, pela desigualdade social. E atribuía à escola o papel de “redentora da humanidade” – ela iria “redimir o homem de seu duplo pecado histórico: a ignorância, miséria moral, e a opressão, miséria política.[4] À educação competia “transformar os súditos em cidadãos.”[5] E a escola era reivindicada, também, pelas classes populares, que viam nela a possibilidade de ascensão social. Na década de 20 desencadeou-se assim, “o entusiasmo pela educação” e a luta pelo ensino público, universal e gratuito.[6]

A escola que surgiu nessa época no Brasil se caracterizava por uma ênfase na transmissão de conhecimentos, por uma metodologia de ensino que utilizava aulas expositivas e interrogativas ou argüição oral. Seu sistema de avaliação era rigoroso, com provas escritas (dissertação) e orais, observação individual por parte do professor, coerção e castigo. A relação professor-aluno era autoritária e vertical, sendo o professor guia e modelo (Caldeira, Lima, s.d.: 1). Era a chamada Escola Tradicional, cujas práticas pedagógicas se assentavam sobre a concepção Humanista Tradicional de Filosofia da Educação, marcada pela visão essencialista do homem (Saviani, 1980:17). A partir de então, a escola passou a ocupar a função, na nova sociedade brasileira, de contribuir para a reprodução das estruturas de poder, de estrutura de classes.

A escola realiza essa função, segundo Establet, na medida em que “contribui para a formação da força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa”.[7] Ela opera no sentido de uma repartição dos indivíduos nas duas classes antagônicas da sociedade, concorrendo para divisão social do trabalho, ou seja, para a divisão entre trabalhadores manuais e intelectuais. E, ao qualificar os indivíduos para o trabalho, inculca-lhes, ao mesmo tempo, a ideologia que os leva a aceitar sua condição de classe, a se submeter à dominação.

Mas o processo histórico do país estava em marcha, e a industrialização – o modelo da substituição de importações – veio trazer uma complexidade para as relações sociais até então desconhecida para a sociedade brasileira, com o crescimento do proletariado, o surgimento da pequena burguesia e dos empresários. A escola, apresentada pela classe dominante como meio de ascensão social, de acabar com a miséria, de redimir o homem, não cumpriu o prometido. A justificativa foi, então, a de que o fracasso não se devia à escola como tal, mas ao tipo de escola que existia – era necessário, portanto, reformá-la. Essa transformação era importante, também, porque a Escola Tradicional, com suas características de valorização do conhecimento, de cobrança e avaliação dos conteúdos, vinha sendo fator de formação de uma consciência crítica, contribuindo para a crescente participação política das massas.[8] A escola, implementada para atender aos interesses dos dominantes, passava a atender aos dominados. É a dialética presente nos aparelhos ideológicos, a contradição no seio do processo educativo.

Surgiu, assim, a Escola Nova, com suas características de esvaziamento dos conteúdos, de um planejamento que incluía a participação do aluno, de uma metodologia que valorizava o jogo e a livre iniciativa. Ela se utilizava da auto-avaliação, e a relação professor-aluno era igualitária e horizontal. A concepção Humanista Moderna de Filosofia da Educação fundamentava essa prática pedagógica, assentada em uma visão existencialista do homem. A ênfase se afastou da aquisição de conhecimentos para o desenvolvimento da personalidade do aluno, de suas características psicológicas. Houve um deslocamento do sentido político-social do modelo anterior para a preocupação com os problemas técnico-pedagógicos, internos à escola. O discurso dominante passou a destacar a importância da “qualidade do ensino”; e o “otimismo pedagógico” da Escola Nova veio substituir o “entusiasmo pela educação” da Escola Tradicional.[9]

Quando também a Escola Nova fracassou em sua missão de promover a ascensão social, a ideologia do liberalismo veio legitimar tal fracasso. Com o postulado de que a sociedade oferece oportunidades iguais para todos, mas a natureza dota diferenciadamente os indivíduos, ela permitia atribuir o insucesso escolar às deficiências intelectuais dos alunos (Cunha, 1978:55). Assim, a alocação da maioria como trabalhadores manuais e de uns poucos como trabalhadores intelectuais devia–se ao “fato” de que esses últimos eram bem-dotados pela natureza e os outros não o eram. As diferenças individuais eram, assim, responsáveis pela divisão social do trabalho.

O modelo da substituição de importações perdurou de 1930 até os primeiros anos da década de 60. A industrialização não era mais induzida pelo estrangulamento do setor externo, como quando surgiu. “Ela não tinha, então, apenas a função de substituir as importações, mas já alcançava o nível de um processo auto-propulsor.”[10] Abriram-se as portas ao capital estrangeiro e chegaram as empresas multinacionais ao país – e, com elas, o modelo da internacionalização do mercado. A opção desenvolvimentista dirigiu a economia brasileira para a produção de bens de alto custo, voltada para a camada mais abastada da população e para a exportação.

O discurso da classe dominante passou a ser, naquele momento, o de que era preciso aumentar a produtividade, “fazer crescer o bolo (que, então, não era suficiente para todos) para depois reparti-lo”. A ideologia era a da escassez de bens, de produtos, situação que demandava, pois, um esforço de toda a sociedade para o incremento da produção. A escola foi atrelada a esse projeto, passando a ser entendida como um fator de crescimento econômico. Sucedendo a Escola Nova, surgiu a Tendência Tecnicista. O planejamento educativo, nessa perspectiva, foi entregue a técnicos; a metodologia utilizava a tecnologia de ensino, a instrução programada, os módulos instrucionais. A avaliação era feita em termos de provas objetivas, múltipla escolha e comportamentos observáveis. A relação professor-aluno era impessoal, o primeiro sendo um executor e o aluno um recurso humano em potencial. Tratava-se de uma visão utilitarista e pragmática da educação, em que se privilegiava o ensino técnico, em detrimento da transmissão de conhecimentos e da formação do homem. “O objetivo central da educação é garantir o crescimento da taxa de produtividade (…) e fica evidente que o projeto educacional tem a direção de possibilitar o máximo rendimento dos setores produtivos, beneficiando diretamente as empresas.”[11] A Tendência Tecnicista fundamentava-se na concepção Analítica de Filosofia de Educação, estando em estreita relação com o neo-positivismo.

A história da educação brasileira revela, também, a presença de uma quarta tendência: a Sócio-Política, que se manifesta de forma não-predominante em todos os períodos citados. Sua fundamentação é a concepção Dialética de Filosofia de Educação: a educação deve ser polivalente e é um ato político, cumprindo uma função social. “Interessa-lhe o homem concreto, isto é, o homem como conjunto das relações sociais.”[12] A aprendizagem ocorre através do trabalho e seu objetivo é desenvolver uma consciência política para uma práxis criadora. A avaliação é coletiva e tem o sentido de um trabalho cooperativo para reapropriação crítica do saber. O planejamento é feito por co-gestão, e professor e aluno vivem juntos o processo de produção do saber, numa relação pessoal e concreta. Sua fundamentação é o materialismo histórico e dialético (Caldeira, Lima, s.d.: 2-3).[13]

Segundo Saviani (1981: 11), todas as quatro tendências – a Escola Tradicional, a Escola Nova, a Tendência Tecnicista e a Perspectiva Sócio-Política – encontram-se presentes hoje na educação brasileira, sendo, os períodos referidos, momentos de predomínio de uma ou de outra. Na verdade, “(…) a sucessão de etapas (na política educativa) e a correspondente emergência de concepções (de Filosofia de Educação) constituem mecanismos de recomposição acionados pela classe dominante para garantia de sua hegemonia.”[14]

I.2 Níveis de análise das práticas pedagógicas

“(…) a estrutura econômica da sociedade constitui, em cada caso, o fundamento real a partir do qual é preciso explicar, em última instância, toda a sobre-estrutura das instituições jurídicas e políticas, assim como os tipos de representação religiosa, filosófica e de outra natureza, de cada período histórico.”[15]

Essa afirmativa, uma das maiores contribuições do materialismo histórico e dialético, ilumina a análise da história da educação brasileira. A infra-estrutura, que é a base econômica da sociedade, o momento de produção de suas condições materiais de existência, é que determina, em última instância, a super-estrutura ideológico-jurídico-política, que tem uma autonomia apenas relativa. Na perspectiva histórico-dialética, a forma como os homens se organizam para produzir os bens necessários à sua vida determinará, em grande medida, a maneira como eles pensam, os seus costumes, as suas crenças, a sua cultura, etc.

A reflexão desenvolvida até aqui permite extrair um modelo ou um referencial para a análise das práticas pedagógicas. Ele consta de três níveis. O primeiro, o mais simples, uma vez que se dá diretamente pela observação, é o nível da prática. Refere-se ao “como” o professor age, que instrumentos, recursos , técnicas e metodologia utiliza, como ele avalia, como se relaciona com o aluno, etc. A relação imediata de um observador com esse fazer do professor é suficiente para descrever esse primeiro nível. Na historia da educação brasileira, ele é caracterizado pelas técnicas e práticas – já comentadas – de cada uma das escolas ou tendências.

Há, no entanto, um segundo nível subjacente ao primeiro e que lhe dá fundamento: a concepção de Filosofia de Educação. A metodologia adotada por uma escola, a relação professor-aluno, os recursos didáticos, a forma de avaliação, os conteúdos, etc, são a expressão de uma concepção particular de homem e de mundo, seja explicita ou não, tenha ou não consciência dela o educador. A presente reflexão apresentou a análise nesse segundo nível quando se referiu às concepções Humanista Tradicional, Humanista Moderna, Analítica e Dialética da Educação. Elas são a fundamentação, respectivamente, da Escola Tradicional, da Escola Nova, da Tendência Tecnicista e da Perspectiva Sócio-Política. Esse segundo nível não se dá à observação, não pode ser apreendido apenas pelos sentidos, como o primeiro; demanda um conhecimento teórico, um aprofundamento de análise que ultrapassa a leitura empírica.

Numa perspectiva idealista ou a-histórica, essa análise das práticas pedagógicas poderia parar aqui. O segundo nível seria suficiente para fundamentá-la ou explicá-la – entender-se-iam as concepções como surgindo do pensar e refletir, da capacidade de elaboração e abstração humanas. Mas uma perspectiva histórico-dialética precisa ir além. Como já foi dito, não é o mundo das idéias que “explica” a realidade ou o concreto, não é o pensamento que forja o real; o real, ou o concreto, é a fonte, a base do pensamento. Dessa forma, o pensar tem um chão, uma ancoragem, um assentamento: a maneira como os homens produzem as condições de sua existência. A super-estrutura ideológica é determinada, em grande medida, pela infra-estrutura econômica. Assim, as concepções de homem e de mundo que embasam as ações dos seres humanos não nascem simplesmente das cabeças dos mesmos, mas devem sua origem à instância da produção econômica e material da vida. Ou seja, elas são tributárias do contexto histórico – este é o terceiro nível a partir do qual foi realizada a análise das práticas educativas neste trabalho. Este é um nível mais oculto, mais encoberto, menos desvelado ainda que o anterior. Se uma leitura empírica não pode revelar sequer a existência do segundo nível e, portanto, não alcança as concepções de homem e de mundo, muito mais distante está, então, de iluminar o terceiro – na realidade, o solo de surgimento dos dois primeiros.

De acordo com Kosik (1976:9-18), o que se oferece aos sentidos é o aparente, é o mundo da pseudoconcreticidade, e, para superá-lo e atingir o concreto, é necessária a mediação por um conhecimento, por uma teoria. “O conhecimento da realidade exige que diferenciemos o modo como uma realidade aparece e o modo como é concretamente produzida. (…) O método histórico-dialético deve partir do que é mais abstrato, mais simples ou mais imediato (o que se oferece à observação), percorrer o processo contraditório de sua constituição e atingir o concreto como um sistema de mediações e de relações cada vez mais complexas e que nunca estão dadas à observação.”[16]

Sintetizando os três níveis:

1º) Práticas educativas (teorias e técnicas pedagógicas)

2º) Filosofia da Educação (concepções de homem e de mundo)

3º) Contexto Histórico (modelo econômico)

I- 3 A ideologia nos discursos dominantes

“A ideologia é uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”.[17] [18]

Essa definição permite a análise dos discursos da classe dominante referidos na descrição das etapas das políticas educativas. Assim, o primeiro discurso apresenta a pobreza e a miséria como decorrentes do analfabetismo, caracterizando uma deformação ou uma inversão própria da ideologia, eis que ele distorce a realidade. Não é o analfabetismo que gera a pobreza, mas a pobreza, sim, que é o maior determinante do analfabetismo. A divisão de classes, a propriedade privada dos meios de produção, a condição de exploração a que é submetida a classe trabalhadora, é que impedem o seu acesso à cultura. Mal têm pernas para andar, as crianças da classe dominada já partem para trabalhar (quando não para esmolar ou roubar), obrigadas que são a contribuir para o sustento da família. Aquele era, portanto, um discurso ideológico, ao estabelecer uma explicação fantástica para a pobreza, no interesse do ocultamento da realidade e com o objetivo, também, de que a classe dominada valorizasse a escola, então importante para os interesses dominantes. Ao fazê-lo, a classe dominante garante a sua hegemonia (Gramsci, 1979:11), na medida em que os seus interesses tornam-se, também, os interesses da classe dominada, e em que a sua ideologia se estende ao todo social, ou seja, em que ela obtém o consenso.[19] As idéias da classe dominante devem transformar-se em idéias da sociedade como um todo, de tal forma que os indivíduos da classe dominada se reconheçam nelas. Dessa forma, a classe que domina no plano material (econômico, político, social) domina, também, no plano das idéias.

Os dois outros discursos também revelam uma explicação fantástica das relações dos homens com suas condições de existência: a deficiência intelectual como responsável pela não ascensão social e a “escassez” de bens determinando a carência. A “deficiência” intelectual é, no caso, apenas uma máscara, um encobrimento: na realidade, os instrumentos ou testes psicológicos utilizados que a “revelaram (…) mostraram-se, historicamente, extremamente eficientes para detectar dificuldades sócio-econômicas nos indivíduos a eles submetidos e apresentá-las como dificuldades psicológicas naturais.”[20] (grifo nosso). O discurso da escassez de bens, por seu lado, esconde o fato de que o problema da sociedade brasileira, ou da sociedade capitalista de maneira geral, era – como é, na realidade, o da repartição desigual da riqueza produzida, e não o da própria produção. É óbvio que o desenvolvimento tecnológico, então já alcançado, permitiria que se produzissem alimentos, remédios, vestuário, habitação, aparelhos elétricos e eletrônicos, automóveis, etc, de modo a atender a todos (o que, para ser produzido, abriria inclusive a possibilidade de trabalho para todos, o pleno emprego) Não é, porém, do interesse da classe dominante – e do capitalismo internacional – que haja o pleno emprego. É necessário o “exército industrial de reserva” para controlar o custo da mão-de-obra, assim como não é de seu interesse que essa mesma mão-de-obra adquira condições de acesso aos bens referidos. Em outras palavras, o estágio de desenvolvimento das forças produtivas possibilita a produção de bens para todos, mas as relações sociais de produção – de exploração – não permitem a sua aquisição e utilização por todos (o que configura a não correspondência e a contradição entre as duas instâncias da infra-estrutura).[21] Dessa forma, ambos os discursos promovem o ocultamento da contradição fundamental da sociedade capitalista – a divisão de classes –, responsável, na realidade, pela repartição desigual dos indivíduos pelos lugares sociais e, portanto, pelo fato de que a maioria vive na miséria e uns poucos na opulência.

Nesse processo de ocultação, um papel especial é desempenhado por uma determinada camada social: a dos intelectuais. Eles são os “funcionários da super-estrutura” (Gramsci,1979:10), encarregados de divulgar uma visão de mundo que promova a coesão social, a aceitação e o consenso a respeito da estrutura da sociedade – eles devem cimentar a dominação. Eles são incumbidos de formar as consciências, os valores culturais, éticos e morais. Devem construir os referenciais a partir dos quais as pessoas fazem sua leitura sobre o mundo e conduzem suas ações sobre o mesmo. E, na medida em que veiculam uma visão de mundo fantástica, mistificadora e que oculta a realidade, são considerados “intelectuais orgânicos” da classe dominante, pois estão vinculados a ela e atendem aos seus interesses.[22]

Capitulo II

O COMPROMETIMENTO DE CLASSE DA PSICOLOGIA

II.1 – A Psicologia Educacional – A história da Psicologia em Minas Gerais

A ideologia procura ocultar as contradições da sociedade, encobrir sua fragmentação, sua divisão de classes, pintando um quadro harmonioso da mesma. A história das profissões em Minas Gerais testemunha a Psicologia desempenhando tal função: essa prática social surge nas décadas de 20 e 30 deste século, na área educacional, entrelaçando-se com a própria história da educação brasileira (Campos, 1980:4).

O contexto econômico era o inicio da industrialização do Estado, que demandava o êxodo do campo para a cidade, a fim de formar o proletariado urbano. Um dos motivos para essa migração – já comentado – era a busca de ascensão social via escolarização, prometida pela classe dominante e, obviamente, não concretizada, não passando de um artifício de sedução. As crianças vindas do campo não conheciam o universo cultural e simbólico da cidade e, portanto, não progrediam na escola, como progrediam as crianças da burguesia. Na verdade, não deveriam mesmo fazê-lo, uma vez que não havia – como não há – espaço para todos nos pontos altos da pirâmide que representa os lugares sociais. À burguesia industrial interessava apenas a alfabetização daquelas crianças e não a sua continuidade na escola, uma vez que seu objetivo era a qualificação mínima necessária para o trabalho nas fábricas. Além disso, um operário mais qualificado e com escolarização em níveis mais elevados é mais caro e também mais capaz de uma consciência critica.

Mas era preciso legitimar aquele processo, torná-lo aceito por todos. Como no processo de surgimento da escola, estavam criadas as condições para o aparecimento de uma nova prática social: desta feita, a Psicologia. Ela foi chamada a aferir a condição intelectual daquelas crianças que fracassavam na escola, e o uso de testes e técnicas de avaliação marca o seu nascimento em Minas. Seus instrumentos diagnosticaram, então, uma “excepcionalidade” – ou uma baixa capacidade intelectual – das crianças. Essa “explicação” era o bastante, era o suficiente. Estava legitimada a falta de progresso na escola, a não–ascensão social de todo um contingente populacional que acreditou no poder da escola de proporcioná-la (poder que ela efetivamente não tem, uma vez que a determinação dos lugares sociais é dada de berço, ou seja, pela origem de classe dos indivíduos – e as exceções à regra só a confirmam).

“No entanto, a escola e os testes de desenvolvimento mental são marcados pelo etnocentrismo cultural da classe que os produz, vindo a medir exatamente o grau de apropriação, pelos indivíduos, da ideologia dominante.” [23] As crianças da classe dominada, egressas do campo, não se reconheciam na linguagem e no universo simbólico daquela escola e daqueles testes, construídos para as crianças da cidade, da burguesia. Era a ideologia do ser abstrato e a-histórico – da criança universal – presente na Psicologia e levando-a a não considerar a criança particular, o ser concreto, marcada pelas diferenças de classe.

Dessa forma, a exclusão do progresso na escola de todo um contingente de crianças, na realidade uma expressão da luta de classes naquele momento da sociedade brasileira, foi legitimada em termos da “excepcionalidade” das mesmas. Ao utilizar-se de testes e técnicas que aferiam essa condição, a Psicologia Educacional emprestou um caráter “cientifico” ao pressuposto da ideologia liberal de que a sociedade é democrática e cria oportunidade iguais para todos, mas a natureza dota diferenciadamente os indivíduos (Campos, 1980:61). De acordo com ela, todos têm a liberdade individual de se colocar onde quiserem, mas, como não são igualmente dotados pela natureza, alguns, ou a maioria, ocuparão as funções do “fazer” e os outros as funções de “planejar” e de “controlar”. A ideologia procura fazer crer, portanto, que há lugar para todos no topo da pirâmide social, e quem não o alcança traz algum tipo de “deficiência”. Ela cumpre, assim, a função de legitimar a sociedade como democrática, justa e igualitária. Pode-se perceber aqui o papel social que o psicólogo foi chamado a desempenhar: legitimar as desigualdades sociais, transformando-as em diferenças individuais e atribuindo-as à natureza. A contradição social – de classe – é deslocada para o interior do individuo, para a esfera psíquica, e reduzida a deficiências intelectuais, a problemas psicológicos. E a Psicologia é reduzida a ideologia.

A história da Psicologia em Minas terá seqüência com o uso dos testes de interesse e aptidões nas atividades de seleção e orientação profissional, na década de 50. Estes estarão submetidos à mesma ideologia: “A própria separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual é reproduzida pelos testes: as atividades manuais e as ocupações burocráticas repetitivas serão aconselhadas aos menos dotados, enquanto que para os melhores dotados se reservam as funções intelectuais e os postos de direção.”[24] [25]

II.2 A Psicologia Industrial – O nascimento da prática social da Psicologia

Um próximo passo importante na história da Psicologia em Minas foi a criação dos seus cursos de graduação, nos anos 60 e 70. Uma parte importante dos currículos desses cursos era dedicada à realização de trabalhos e pesquisas em laboratórios, utilizando pequenos animais, a partir do referencial da metodologia experimental. O Behaviorismo era a corrente teórica que melhor servia aos interesses das indústrias e, de maneira geral, à classe dominante, com sua ênfase no controle e manipulação do comportamento humano. Seu pressuposto de que os comportamentos dos animais inferiores e dos seres humanos são regidos pelas mesmas leis permiti-lhe aplicar diretamente ao homem os resultados de suas pesquisas com os animais. Assim, por exemplo, pesquisas nos laboratórios de Psicologia Experimental concluíam que um rato albino pressiona um número infinitamente maior de vezes uma barra – ou seja, trabalha muito mais – numa câmara de condicionamento, quando recebe um reforço após um número sempre variável de respostas, do que se o recebesse após um número fixo delas. São os chamados esquemas de reforçamento. Do laboratório para a indústria foi apenas um passo. O pagamento por tarefa, ou por peça produzida, foi a transposição direta dos resultados dessas pesquisas para sua utilização no controle do comportamento nas fábricas. O esquema é apresentado como forma de o trabalhador ganhar mais, pois, como o pagamento é por peça produzida, quanto mais ele produz, mais recebe. Só que, além de o valor por peça ter sido sempre o mais baixo possível – o que força o operário a um ritmo de trabalho insustentável, e que cedo o exaure –, a razão número de peças/pagamento é sempre aumentada. É óbvio que o resultado desse processo é um fantástico aumento de produtividade, somando-se todos os operários de uma indústria, só que ao preço de uma igualmente fantástica depauperação da força de trabalho.

Outro conceito produzido nos laboratórios de Psicologia Experimental, em pesquisas com ratos albinos, pombos, macacos, etc, foi o de condicionamento ou modelagem através de reforçamento positivo, de imediata e larga aplicação nas relações capital–trabalho e na propaganda e publicidade. Trata-se, em síntese, de conseguir que uma pessoa faça aquilo que se deseja que ela faça, mas de tal forma que ela julgue estar fazendo o que ela própria quer. É um controle sutil e eficaz do comportamento, pois além de funcionar, ainda oculta o agente controlador. Mas que isso, oculta o próprio processo, uma vez que o sujeito não o percebe e acredita, então, na sua liberdade de escolha. A publicidade, peça indispensável para a sociedade de consumo – e, atualmente, para os governos –, com sua tarefa de manipular opiniões, preferências, decisões, votos, ou seja, de controlar o comportamento, encontra nas pesquisas da Análise Experimental do Comportamento toda uma fonte de inspiração.

A questão do controle do comportamento está presente desde o próprio surgimento da Psicologia, como prática social. Conquanto a Psicologia já existisse, rudimentarmente, desde a Filosofia clássica grega, sua prática, como área especifica do conhecimento, veio a florescer somente após a segunda revolução industrial, nas sociedades capitalistas da Europa do final do século XIX (Cataldo, s.d.:1). A divisão do trabalho, em sua etapa de superar a manufatura através da introdução da máquina, parcela, fraciona o processo de trabalho, o que traz inúmeras vantagens para os patrões. Uma tarefa simples é mais rápida de se executar e de se aprender, torna mais fácil a substituição do operário, barateia a mão-de-obra, fraciona e divide o próprio trabalhador, desorganiza e fragiliza a força de trabalho, fortalecendo, assim, a política de dominação. É nesse contexto de avanço do modo capitalista de produção que nasce a Psicologia Cientifica, a Psicologia Experimental, com o laboratório de Wilhem Wundt na Universidade de Leipzig, Alemanha, em 1879. Seu objetivo era exatamente desenvolver instrumentos precisos de medição, predição e controle das possibilidades e limites da percepção humana. Da mesma forma que, como foi visto nos casos de surgimento da escola e da Psicologia em Minas Gerias , a Psicologia e suas técnicas só apareceram quando estavam assentadas as condições históricas para isso – no caso, a necessidade de controle sobre o comportamento humano no interesse do processo de industrialização.

“A Psicologia Industrial se interessa pelas condições sob as quais o trabalhador pode ser induzido melhor a cooperar no esquema de trabalho organizado pela Engenharia Industrial.”[26] O que ela tem em vista e procura solucionar são as dificuldades que o operário cria para a empresa, como o absenteísmo, o não-acompanhamento do ritmo de trabalho imposto, a indiferença, a negligência, o inconformismo, etc. Ou seja, ela se preocupa com o que pode ser interpretado como resistência do trabalhador ao modo capitalista de produção e procura quebrar essa resistência. Ela o faz, por exemplo, tratando psicologicamente as referidas dificuldades como “crises” ou “problemas” do operário, centrando-as no mesmo e deslocando o confronto entre capital e trabalho para o nível de um problema pessoal. Ela o faz ao elaborar conceitos, instrumentos e meios – o desenvolvimento de tecnologias e recursos humanos – que levam o operário a produzir mais e ao buscar formas de promover a adaptação do mesmo a um sistema de violenta e crescente exploração. Busca essa acomodação a condições muitas vezes degradantes de trabalho e se preocupa com as reações e resistências a essa situação e não com a degradação a que é submetido o trabalhador.[27]

O objetivo é a maior produtividade possível, com o menor custo, gerando o lucro máximo. “O lucro das empresas está baseado na alienação perpétua da condição humana. (…) a utilização da Psicologia (…) é a arte de aproveitar ao máximo os trabalhadores e a possibilidade de aliená-los.”[28] “Consciente ou inconscientemente, portanto, os psicólogos estão a serviço da alienação e fazem da Psicologia um instrumento de poder.”[29]

II.3 – A Psicologia Clínica – indícios do seu atravessamento ideológico

Nesta parte, o presente trabalho se limita a dar algumas indicações sobre o possível comprometimento de classe da Psicologia Clínica.

Em primeiro lugar, ela pode ser analisada com relação ao seu objeto, o qual apresenta uma dificuldade de definição que vai se traduzir em sérias conseqüências sociais. O que são os chamados distúrbios psicológicos, problemas psíquicos, desajustes de comportamentos? Apenas derivações semânticas da “doença mental”? Qual é o estatuto da doença mental? É notório que ela se confunde – ou pode ser confundida –, na sua apropriação pela classe dominante, com as “doenças sociais”. E, além do problema da definição, a Psicologia Clínica tem a enfrentar a questão da produção desses distúrbios, problemas, desajustes ou doença mental:

“(…) O adoecer psíquico está intimamente relacionado a doença social e à opressão e exploração.”[30] (…) A esse adoecer dá-se o nome de ‘ sociose’ – doença social que tem sua causa real no desemprego, na fome e na falta de moradia”.[31] (…) Se olharmos as estatísticas de causas de doenças e mortes em nosso país, vamos ver que essas doenças crescem junto com o processo de industrialização a partir de 1930. São as chamadas ‘doenças do desenvolvimento’, as doenças do aparelho cardiovascular, as doenças mentais, o câncer, a violência urbana e no trabalho.” [32]

E fechadas pela classe dominante, as portas para um trabalhar e um viver dignos, muitas vezes o individuo da classe dominada busca a “doença” como forma de sobreviver. É o que revela Sampaio: “… O operário ganha um salário pela sua ‘inscrição’ na categoria de doente na Previdência Social. A doença, que é objeto do saber médico, é a doença orgânica que irá fornecer paradigma para as chamadas doenças mentais (…) A doença social do nosso operário não tem estatuto de doença, não assegura cuidados e benefícios; para a libertação do desespero quotidiano do trabalho e da fome é preciso, única saída pressentida, adoecer com estatuto.”[33] (grifo nosso)

A reflexão sobre a Psicologia Clínica remete também, portanto, a considerar a Psiquiatria como igualmente envolvida, comprometida com o mesmo obscuro objeto das doenças mentais. O presente trabalho deixa clara a inter-relação das histórias da Educação e da Psicologia no Brasil; aponta, agora, para a importância de uma pesquisa mais ampla, que contemple também a história da Medicina, da Psiquiatria, da Assistência Social, numa perspectiva de apresentar a conexão entre elas e articulá-las com o terreno comum da sua produção, ou seja, a infra-estrutura do edifício social.

Pode-se dizer que, quando não busca explicitar as condições sócio-econômico-políticas que produzem a “doença” e, em decorrência, ao não trabalhar para superá-las, atuando apenas ao nível curativo, ou mesmo preventivo, a Psicologia, assim como as demais profissões da saúde, concorre para a sua perpetuação. E, dessa forma, opera no sentido de manter e reproduzir o seu próprio espaço de trabalho. A questão da doença, na sociedade capitalista, está vinculada a interesses de ordem econômica, ideológica e política; e, desde que as referidas profissões não questionam a produção da mesma, atuam de acordo com esses interesses.

Um segundo aspecto em que se pode analisar o comprometimento político da Psicologia Clínica refere-se à população que atende: é notório que a clientela dos consultórios de Psicoterapia e Psicanálise se situa na classe dominante ou muito próximo dela, e isso e mais do que curioso, é sintomático. E, como tal, demanda uma interpretação, uma reflexão, uma análise – tema interessante para uma futura pesquisa.

Pode-se também encontrar o comprometimento da Psicologia Clínica com a dominação, com o status quo, na própria prática da Psicoterapia e da Psicanálise, conquanto seja óbvio a dificuldade de se penetrar na intimidade dos consultórios para conhecer o que ali se passa. O depoimento de um abalizado profissional dessa área, no entanto, abre uma possibilidade para tal análise. David Cooper, comentando seu próprio processo analítico como paciente revela:

“Meu analista levava uma vida familiar burguesa rica, altamente controlada e eminentemente respeitável, enquanto eu, tendo renunciado a uma clínica lucrativa, embora até certo ponto esclarecedora e emocionalmente compensadora, em Harley Street , Londres, dormia no chão, em quartos compartilhados, em varias comunidades dessa cidade. Era evidente que o analista não conseguia aceitar a minha maneira de viver e mal conseguia disfarçar sua repugnância, porquanto ela constituía uma critica implícita à vida dele. Consequentemente, as suas interpretações exprimiam, por exemplo, a opinião evasiva de que o meu pênis estava sempre no lugar errado, na pessoa errada, no momento errado. (…) Na minha segunda análise, com um analista altamente politizado, as coisas foram inteiramente diferentes. “[34]

Um depoimento como esse coloca a Psicoterapia e a Psicanálise diante de questões fundamentais: o psicoterapeuta ou analista tem clareza do seu próprio comprometimento de classe, da origem de classe dos seus valores? Tem consciência do possível atravessamento ideológico da sua prática? Em que medida a teoria com que se identifica e, portanto, a técnica, suas intervenções e interpretações estão comprometidas politicamente? Ou ele considera que as teorias e técnicas psicoterápicas são neutras?

A Psicoterapia e a Psicanálise cuidam do homem, enquanto ser individual, e de seus problemas gerados principalmente a partir da instituição “família”. Consideram também o homem como ser social, conjunto das relações sociais, atravessado por instituições e aparelhos que compõem uma determinada formação social? As teorias consideram as implicações de classe na formação da personalidade?[35]

Esses questionamentos conduzem ao que é determinante para o posicionamento do psicólogo diante dos mesmos: a sua formação, discutida a seguir.

Capitulo III

A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO CLÍNICO

“Se podemos contar a história do psicólogo do ponto de vista da sua colaboração à reprodução da dominação de classe – e com enorme riqueza de exemplos –, é de se supor que também é possível reconstituir a história da Contra-Psicologia, com mais dificuldade, é certo, pela falta de registro do tipo de iniciativa que buscamos. É possível porque, como toda instituição que se estabelece sobre o terreno social da contradição de classe, também a prática do psicólogo será necessariamente atravessada por aquela contradição, que reaparecerá como realidade, ora negada, ora denunciada, em seu trabalho.”[36]

Em outras palavras, da mesma forma que uma concepção dialética sempre esteve presente em todos os períodos da história da Educação brasileira, ela esteve também sempre presente na história da Psicologia.

É a própria dialética que ilumina o fato de que a contradição é inerente a todas as manifestações da vida: ela está nos fenômenos da natureza, na arte, no pensamento, no conhecimento, nas práticas sociais, etc. (Politzer, s.d.: 70). E também, portanto, na Psicologia. Isso significa que, se de um lado a Psicologia tem servido à dominação, de outro traz todo um potencial crítico e libertador. É um desafio para os psicólogos trabalhar esse potencial e construir as condições para sua expressão e realização.

A formação do psicólogo é o lugar onde é possível começar a escrever essa nova história da Psicologia. Na linguagem e na perspectiva gramsciana, a ocupação dos lugares na sociedade civil por intelectuais que podem vir a ser “dirigentes” é condição para essa transformação:

“O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor permanente’, já que não apenas orador puro – e superior, todavia, ao espírito matemático abstrato; da técnica-trabalho eleva-se a técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual se permanece ‘especialista’ e não se chega a ‘dirigente’ (especialista mais político).”[37]

O presente trabalho traz dois pontos para serem considerados na discussão sobre a formação do psicólogo clínico: um, com referência à prática (os estágios acadêmicos) e, outro, à teoria. Com relação ao primeiro, trata-se de um aprender com a própria história da Psicologia (quem não aprende com a sua história está propenso a repeti-la): que é sempre possível estar fazendo o jogo da dominação sem o perceber. A introdução dos testes na avaliação das crianças que fracassaram na escola – relatada no capítulo I.2 – foi considerada um grande avanço da Psicologia, e os profissionais da época, sem dúvida, estavam certos de realizar um trabalho inovador e de importância para aqueles alunos. Mas a ideologia é uma presença sutil e trai qualquer intenção, por melhor que ela seja. A utilização daquele instrumental técnico, como foi visto, estava politicamente comprometida. Lidou-se com a criança, um ser universal e, portanto, abstrato, e não se considerou a criança concreta, da realidade brasileira, mineira, da classe dominada, egressa do campo, de um mundo diferente do mundo da cidade. Essa foi a condição para o uso político da Psicologia na legitimação da dominação de classe. Conhecer a realidade – o homem – com o qual se vai trabalhar, fazê-lo ou torná-lo “concreto”, é uma condição essencial para não se prestar novamente a esse uso. Dousi fala de como é esse trabalho com o homem concreto:

“A equipe de psicólogos não vai à cabana (bairro da periferia de Belo Horizonte onde foi realizado o referido trabalho) com o intuito de transformar a população, tendo como referencial sua própria condição sócio-econômica de classe média, mas, pelo contrário, seu objetivo e modo de proceder é de escuta, de estar junto, de descoberta dos valores, de conscientização a partir da realidade da Cabana. Dentro dessa constatação da realidade, vai descobrir junto caminhos, pistas, que levam a um maior conhecimento de si, de seus desejos e possibilidades.”[38]

As práticas ou os estágios durante o curso de Psicologia podem se orientar no sentido de formar, no aluno, esse respeito ao homem concreto, ou seja, ao homem entendido como “conjunto das relações sociais, síntese de múltiplas determinações”.[39] É preciso conhecê-lo, para não se impor a ele uma compreensão que lhe seja estranha, que não lhe pertença; para que não se incorra no velho erro de tentar encaixar a realidade numa teoria pré-formulada. Para evitar essa violentação, é preciso pesquisar e conhecer a realidade em que se vai atuar – no caso, a realidade brasileira. É a condição para se conduzir uma Psicologia que faça sentido para o homem brasileiro, que faça jus à sua identidade, que o distinga em sua especificidade, que respeite as suas diferenças de classe, de credo, de cor, a sua formação, a sua história. É a possibilidade de se construir uma Psicologia concreta.

O segundo ponto diz respeito às teorias com as quais o futuro psicólogo clínico poderá vir a trabalhar. A possibilidade da superação do mero preparo técnico, ainda muito presente na sua formação, passa pelo aprofundamento da capacidade de se analisar as técnicas e as teorias que as sustentam. Aqui, a reflexão sobre a história da educação brasileira traz uma contribuição importante: ela permitiu formular uma maneira de analisar as práticas pedagógicas que pode contribuir também para a análise das práticas psicoterápicas. Trata-se dos três níveis ou referenciais discutidos no capitulo I.2, e que representam uma gradação ou um contínuo em direção ao aprofundamento da reflexão sobre as técnicas e as teorias:

1º) Teorias e técnicas psicoterápicas (Psicologia).

2º) Concepções de homem e de mundo (Filosofia e Epistemologia).

3º) Contexto histórico (História e Sociologia).

Assim é que, no primeiro nível, como no caso das práticas pedagógicas, encontra-se o que é mais visível no trabalho do psicoterapeuta: as técnicas que utiliza. E, como na história da Educação brasileira, a história da Psicologia Clínica em Minas apresenta uma sucessão de etapas, uma alternância de predomínio, no caso, entre “o Behaviorismo, as Psicoterapias Humanistas/ Existenciais e a Psicanálise”.[40]

Subjacente à teoria e à técnica adotados pela psicoterapeuta, há a concepção de homem e do mundo, que constitui o segundo nível de análise. Este é, como foi visto no caso das práticas pedagógicas, mais oculto, inacessível à apreensão apenas pela observação. Aqui se inicia um caminho possível – e necessário – para superar a formação tecnicista: fornecer ao aluno condições para o estudo e explicitação da fundamentação filosófica das teorias e técnicas psicoterápicas. O homem é o conjunto de comportamentos observáveis do Behaviorismo? É o sujeito da subjetividade das terapias Humanistas, o ser-no-mundo da Análise-Existencial, a consciência aberta para o mundo e a intencionalidade da Fenomenologia? Ou é o ser contraditório, dividido pelas pulsões de vida e de morte, fragmentado pela ruptura consciente/inconsciente da Psicanálise? Como articular essas diferenças? (Parreira, 1990:4-6). Essas são questões absolutamente fundamentais para o psicólogo clínico e que demandam o apoio da Filosofia e da Epistemologia. Os cursos de Psicologia reservam ao estudo da Filosofia um espaço pequeno, situando-o ainda num momento inadequado do currículo. Geralmente ele é oferecido nos primeiros períodos, quando o aluno, no mais das vezes, não tem ainda maturidade suficiente para avaliar a importância desse conhecimento. E, enquanto a Filosofia é posicionada nos períodos iniciais, as Teorias e Técnicas Psicoterápicas o são nos últimos, o que estabelece entre elas uma grande e indesejável distância. Quando o aluno recebe a teoria e a técnica em Clínica, é-lhe, muitas vezes, difícil resgatar o embasamento filosófico, que então está muito distante, e que deveria sustentar essa formação.

Foi visto que, na história da educação, a sucessão de Escolas, de políticas e de concepções de filosofia significou um mecanismo de recomposição da hegemonia da classe dominante. Na Psicologia, o que significaria a sucessão de Escolas, de técnicas, de concepções? Se os cursos de Psicologia não têm fornecido um embasamento suficiente para permitir uma análise ao segundo nível, o tem ainda menos para uma reflexão sobre o terceiro, eis que mais oculto, mais distante à apreensão.

E aqui, então, esse terceiro nível de análise das práticas psicoterápicas: as teorias e as técnicas, assim como as concepções de homem e de mundo subjacentes a elas, são produzidas socialmente, surgem num momento histórica e concretamente situado. É o nível mais encoberto dos três e se refere ao atravessamento ideológico e ao comprometimento político do conhecimento.

Se a sociedade concreta, datada, incide na determinação do ser humano, considerado, então, como ser concreto e histórico, ela incide também sobre o pensamento, sobre a cultura, sobre as teorias e, portanto, no presente caso, sobre as teorias e técnicas psicoterápicas, assim como sobre as concepções de homem e de mundo. Dessa forma, tanto as teorias e técnicas psicoterápicas quanto as concepções de homem e de mundo são expressão e criação de seres históricos e de uma sociedade concreta (é claro que os homens as criam ou as adotam como expressão também da relativa liberdade que detêm). E, da mesma maneira, a formação do psicólogo (assim como dos demais profissionais), vem de “algum lugar”, tem um solo de produção e guarda uma determinação e penetração ideológicas. Vale dizer, não há uma neutralidade nessa formação, na elaboração e definição dos currículos e dos conteúdos das disciplinas, na escolha das metodologias de ensino, do sistema de avaliação e da relação que o professor estabelece com os alunos, nas práticas, estágios, etc. Assim como não haverá neutralidade, igualmente, na atuação dos profissionais que receberem essa (ou outra) formação.

Da mesma forma que, não é demais apontar e destacar, não há uma neutralidade no trabalho do pensador ou do pesquisador que cria uma teoria, como, é óbvio, na produção de um trabalho ou de um texto – este presente texto, por exemplo, tem um registro, uma ancoragem, ele “vem de algum lugar”, marcado: ele pretende uma elaboração e uma articulação a partir do referencial histórico/dialético. Há, inelutavelmente, um comprometimento político-ideológico subjacente a todo o pensamento, a todas as teorias e práticas, profissionais ou não, e esse comprometimento deve e precisa ser conhecido, assumido e explicitado. Postular uma neutralidade, pressupor que é possível falar de nenhum lugar significa desconhecer que esse nenhum lugar é também algum lugar. Pretender que não se tem uma posição política é adotar uma posição política – resta assumir isso ou não, resta tomar consciência disso ou não.

Quando o profissional escolhe uma teoria e uma técnica psicoterápicas para sua prática, elege, junto com ela, uma dada concepção de homem e de mundo a fundamentar o seu trabalho e assume também, sem dúvida, uma determinada concepção sobre a sociedade, a qual está inextricavelmente ligada e subjacente a ambas. Ainda que ele não o saiba, ainda que ele próprio não se dê conta disso. Da mesma forma que concepções de homem e de mundo estão inelutavelmente associadas e fundamentem as teorias e técnicas psicoterápicas, também uma concepção de sociedade está presente e subjacente a uma teoria e a uma técnica psicoterápicas e a uma concepção de homem e de mundo.

Essas colocações podem ser formuladas de outra maneira: é como se cada um desses níveis trouxesse, subjacente a ele, uma proposição ou uma pergunta.

A interrogação proposta pelo primeiro nível (Teorias e Técnicas Psicoterápicas) seria assim formulada: qual é a técnica que um dado psicoterapeuta ou uma dada abordagem adota? E quais as teorias (de desenvolvimento, de personalidade, de psicopatologia e da prática psicoterápica) que dão sustentação à mesma?

A pergunta que faria o nível 2 (Concepções de homem e de mundo): qual é a concepção de homem e de mundo subjacente ao trabalho de um dado psicoterapeuta, à(s) técnica(s) psicoterápica(s) que adota e à teoria que dá suporte e fundamenta a sua prática?

E a pergunta do nível 3 (Contexto histórico): qual é a concepção de sociedade presente, embutida e subjacente a essa teoria e técnica psicoterápicas e a essa concepção de homem e de mundo? “Walden II”[41] é a explicitação ou a arquitetura da sociedade planejada por Skinner, do mundo implícito no ideário behaviorista. É importante se conhecer melhor a sociedade subentendida na obra de Freud, o mundo que ele idealizaria ou que projetaria, em consonância com a Psicanálise que criou. Qual é a idéia de sociedade implícita nas proposições de Maslow, de Rogers, qual o mundo idealizado pelos humanistas e pelos existencialistas? Por seu turno, o pensamento histórico/dialético, que não tem dificuldades em dar os necessários contornos à proposição de mundo que apresenta e pelo qual trabalha e luta, precisa também ser conhecido.

Com relação à formação do psicólogo clínico, é imperioso que se ofereça, portanto, ao aluno, a par do estudo histórico/crítico das teorias – indispensável para a formulação de uma Psicologia concreta –, conhecimentos e condições para que ele possa fazer a articulação desses três níveis:

1- as teorias e técnicas psicoterápicas (Psicologia).

2- as concepções de homem e de mundo que as fundamentam (Filosofia e Epistemologia).

3- o contexto histórico em que as duas primeiras são produzidas e/ou implementadas (História e Sociologia).

CONCLUSÃO

A análise da história da educação brasileira explicita o comprometimento político das práticas pedagógicas sucessivamente adotadas no país, desvelando-as como mecanismos de recomposição da hegemonia da classe dominante.

A história da Psicologia em Minas Gerais também revela o atravessamento ideológico desse saber e dessa prática social, a começar pelo seu surgimento, na década de 30 deste século, na área Educacional.

Na área Industrial, os serviços q0ue a Psicologia presta à classe dominante, como foi apontado, atestam e evidenciam o seu atrelamento à mesma.

A Psicologia Clínica não está isenta de tal comprometimento, e foram levantados indícios significativos desse envolvimento (para futuras pesquisas) ao nível da definição do seu objeto, da população que atende, da sua prática – da construção das suas interpretações, das suas intervenções – e da sua fundamentação teórica.

Dessa forma, a avaliação que se faz é que a Psicologia, historicamente, tem revelado um profundo atravessamento ideológico e comprometimento político nas suas três áreas tradicionais da atuação.

Se a determinação desse comprometimento é, em última instância, infra-estrutural, sabe-se que a super-estrutura ideológico-jurídico-política do edifício social tem uma autonomia relativa, e que a ocupação dos lugares da sociedade civil é uma condição importante para a transformação da sociedade. E, se de um lado, a Psicologia tem colaborado com a reprodução da dominação de classe, de outro, pela própria contradição inerente às práticas sócias, tem todo um potencial critico e libertador.

Essas considerações levam à conclusão, portanto, de que é fundamental dedicar toda a importância à reflexão sobre a formação do psicólogo. É necessário repensar a sua formação com referencia à prática – os estágios acadêmicos – e à teoria.

No que se refere à prática, a Psicologia tem trabalhado com o homem universal, vale dizer, abstrato, e esse tem sido um dos fatores da sua apropriação pela classe dominante. É preciso, pois, valorizar e estimular a pesquisa e a produção do conhecimento sobre o homem concreto.

Com relação à teoria, ainda no que se refere à formação do psicólogo clínico, o presente trabalho aponta para a necessidade de um aprofundamento na reflexão sobre os fundamentos filosóficos das psicoterapias. A teoria psicoterápica e a técnica que lhe é decorrente compõem o nível privilegiado de ensino dos cursos de Psicologia. É preciso aprofundar essa formação para alcançar um segundo nível, o da concepção de homem e de mundo, que dá sustentação à teoria e à técnica. Os cursos de Psicologia podem valorizar mais o estudo da Filosofia e da Epistemologia e situá-los melhor nos seus currículos. E há um terceiro nível ainda a ser alcançado: o da origem da produção dos dois primeiros níveis – a compreensão de que eles surgem num determinado momento histórico, em uma sociedade concreta. Aqui, a importância do estudo crítico da história da Psicologia, da história da produção do seu conhecimento. A formação do psicólogo clínico – bem como do psicólogo organizacional, educacional e de outras áreas – deve receber uma atenção maior dos cursos no que se refere ao estudo dos fundamentos do saber da Psicologia e da história da produção do mesmo.

Essas considerações a respeito da prática – dos estágios – e da teoria podem se constituir em contribuições para a formação de profissionais mais conscientes da sua função social e mais capazes de uma atuação crítica e transformadora sobre a sociedade.

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[1] Karl MARX, O capital, v.1, p. 672-3.

[2] Para discussão sobre os conceitos dos dois autores, ver, por exemplo, Stuart HALL et.. aliii In: Center for Contemporany Cultural Studies, Univ. de Birminghan, Da ideologia.

[3] A escola existia desde o Brasil-Colônia, mas com uma função apenas de reprodução da ideologia política e religiosa, sendo destinada, basicamente, à formação das elites dirigentes do país.

[4] Dermeval SAVIANI In: Walter Esteves GARCIA, Inovação educacional no Brasil, p.15.

[5] L.J. ZANOTTI Apud Dermeval SAVIANI, op. cit., p. 22.

[6] Carlos Roberto Jamil CURY, Ideal educativo e realidade brasileira, p.8.

[7] Roger ESTABLET, A escola. Tempo Brasileiro, v. 35: 113.

[8] Não é por acaso que a escola é considerada, por muitos autores, como a AIE mais importante das sociedades capitalistas modernas. Ver, por exemplo, Althusser (1980:71) e o comentário de FREITAG (1980: 35) sobre o controle do sistema educacional como um momento decisivo na luta de classes na perspectiva gramsciana.

[9] Carlos Roberto Jamil CURY, op. cit.,p.8.

[10] Lucília Regina de Souza MACHADO, Escola técnica e divisão social do trabalho, p.3.

[11] Neidson RODRIGUES, Estado e educação no Brasil, p.12.

[12] Dermeval SAVIANI, op. cit., p.20.

[13] Para uma análise das diversas concepções em educação que busca recuperar as contribuições de cada uma numa perspectiva integradora, ver Jesus PALACIOS. Tendências contemporâneas para uma escola diferente, Cadernos de Pedagogia, n.51.

[14] Dermeval SAVIANI, op. Cit., p.25.

[15] Friedrich ENGELS, Anti-Dühring, p.12.

[16] Marilena de Souza CHAUÍ. O que é ideologia, p.48

[17] Louis ALTHUSSER, Posições II, 1980, p. 79.

[18] Para discussão do significado de “imaginária”, ver José Augusto Guilhon ALBUQUERQUE In: Louis ALTHUSSER, Aparelhos ideológicos de estado, p. 39-42.

[19] Para discussão sobre o conceito de “hegemonia”, ver Hugues PORTELLI, Gramsci e o bloco histórico, p.61.

[20] Regina Helena de Freitas CAMPOS, Notas a propósito da função social do psicólogo, p.9.

[21] Marta HARNECKER, Os conceitos elementais do materialismo histórico, p. 73.

[22] Antonio GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura, p. 5.

[23] Regina Helena de Freitas CAMPOS, Psicologia e ideologia, p.72

[24] A análise da Psicologia Educacional realizada neste capitulo e da Psicologia Industrial e Clínica nos capítulos II.2 e II.3 limita-se a um dos lados da contradição inerente a essas práticas sociais – o da sua participação na reprodução da dominação da classe. Sua possibilidade de concorrer para a transformação social será comentada no capitulo III.

[25] Regina Helena de Freitas CAMPOS. op. cit., p. 72-73.

[26] Harry BRAVERMAN, Trabalho e capital monopolista, p. 125

[27] Merece destaque o subtítulo “A degradação do trabalho no século XX”, do livro supracitado.

[28] Alberto MERANI, Psicologia e alienação, p. 28.

[29] Id., Ibid., p.32.

[30] Willian César Castilho PEREIRA. O adoecer psíquico do subproletariado, p. 201.

[31] Raquel Maria RIGOTTO In: Willian César Castilho PEREIRA, op. cit., p. 149-150.

[32] Willian César Castilho PEREIRA, op.