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Compreensão empática numa perspectiva holográfica.

Sonia Maria Lima de Gusmão

Diz-se que no céu de Indra há uma rede de pérolas dispostas de maneira tal que se você olhar para uma verá todas as outras nela refletidas. Da mesma forma, cada objeto do mundo não é meramente ele próprio, mas envolve cada um dos outros objetos, e é, de fato, cada um dos outros objetos. (sutra budista) [Mais...]

Introdução

Uma teoria não pode ser identificada com a verdade. Ela é apenas um modo de se aproximar da verdade, um modo de explicar os fenômenos. Um caminho.

Quando uma verdade qualquer, que será sempre relativa e provisória, por melhor que ela seja, se estabelece como absoluta, a visão do seu seguidor é ofuscada. Desconfiar das “verdades” estabelecidas é uma atitude, senão sábia, pelo menos cautelosa. O desenvolvimento da humanidade encontra-se pontilhado de mudanças, às vezes paradigmáticas, que demonstram o aspecto provisório dessas verdades.

Tomando por base esse princípio, tenho refletido sobre o tema da inacessibilidade da subjetividade e, apesar das afirmações de filósofos e de psicólogos a respeito, eu sempre tive uma certa dificuldade de aceitá-la como verdade, uma vez que a subjetividade, supostamente apreendida, me é confirmada pelo próprio indivíduo, sobretudo, no processo psicoterapêutico. Além disso, em alguns momentos do meu próprio processo terapêutico, eu vivi a profunda e feliz experiência de me sentir compreendida de uma maneira que para mim era inquestionável. De modo que, quando afirmava para os meus alunos que a subjetividade da pessoa só é acessível a ela mesma, baseando-me nos diversos autores, isto sempre me soava falso, incoerente comigo mesma, com a minha experiência.

Neste texto tento apresentar um modo de compreensão da experiência vivida por mim relativa ao fenômeno empático. Um modo que explique esse vivido que não cabe mais nos modelos tradicionais. Nele vislumbro o paradigma holográfico como a possibilidade de compreensão dessa experiência. Esse modelo serenou minhas inquietações, pois, configurou-se para mim como o modelo que melhor explica algumas de minhas experiências empáticas.

Compreensão da Realidade a Partir do Holograma

No livro O Paradigma Holográfico, Ken Wilber nos dá a seguinte definição do que seja um holograma:

Holografia é um método de fotografia sem lentes no qual o campo ondulatório da luz espalhada por um objeto é registrado numa chapa sob a forma de um padrão de interferência. Quando o registro fotográfico – o holograma – é exposto a um feixe de luz coerente, como o laser, o padrão ondulatório original é regenerado. Uma imagem tridimensional aparece.

Como não há focalizador, isto é, lentes focalizadoras, a chapa tem a aparência de um padrão de espirais destituído de qualquer significado. Qualquer pedaço do holograma pode reconstruir a imagem inteira.[1]

Quatro aspectos se destacam na técnica holográfica. O primeiro desses aspectos diz respeito à transformação bidimensional do objeto inscrito no holograma em uma imagem tridimensional que reproduz por inteiro a aparência do objeto; o segundo aspecto enfatizado se refere ao fato das informações que são gravadas no holograma não possuírem qualquer semelhança com as imagens que ela gera; o terceiro corresponde ao fato de que na fotografia holográfica, diferentemente da fotografia comum, cada parte da mesma contém informações sobre a totalidade do objeto correspondente; quanto ao quarto aspecto, o que se destaca é o seu papel constitutivo, pois, apesar de cada parte por menor que seja conter as informações totais do objeto, é justamente a interação entre essas partes que permite reconstruir visualmente esse objeto com claridade.[2]

Esses princípios organizativos contidos no holograma fotográfico são percebidos em diversas realidades. O próprio corpo é um exemplo vivo disso: o todo está contido nas partes como no seu inverso. A medicina não tradicional baseia-se nesses princípios. O especialista em acupuntura diagnostica o paciente sentindo o seu pulso e, ao introduzir as agulhas em determinados pontos do seu paciente, estará atingindo órgãos internos específicos, que aparentemente nada têm a ver com aqueles pontos onde foram introduzidas as agulhas, simplesmente porque o seu saber e a sua prática estão em consonância com o paradigma holográfico e a Física Quântica. Ou o especialista em íris – iridologista – através da observação da íris é capaz de dizer qual o órgão mais afetado da pessoa e qual a doença dessa pessoa. Mais recentemente, com a clonagem de seres vivos, este fato tornou-se mais evidente. Outro exemplo é o Projeto Genoma. No paradigma holográfico as partes estão interconectadas de um modo inseparável. Não existe neutralidade. Tudo que cada um de nós faz, altera o todo. A ciência tradicional que divide tudo não tem condições de apreender essa ordem interconectada.

Se tomarmos como exemplo um organismo pluricelular, verificamos um modo de organização semelhante ao holográfico, como na descrição abaixo:

a partir de um determinado genótipo[3], que cumpriria uma função equivalente a da placa que contém o holograma, se gera uma realidade emergente, o fenótipo[4] desse organismo. Um fenótipo cujas características não guardam uma relação de isomorfia[5], ao menos manifesta, com a realidade subjacente que é produzida pelo referido genótipo.

Observe-se, ainda, que esse genótipo está presente, como genoma[6], em cada uma das células das partes constitutivas básicas, do organismo pluricelular em questão. De modo que cada uma das células de um organismo pluricelular codifica no genoma que contém, a informação em princípio necessária para constituir esse organismo inteiro. E, efetivamente, essas células constituem, produzem e reproduzem a totalidade emergente de tal organismo de maneira conjunta, através de complexos processos de interação bioquímica, equivalente ao “padrões de interferência” materializados no holograma. Esta organização do organismo pluricelular como “holograma biológico” seria o fundamento da aparição no mundo da vida de domínios da realidade claramente emergentes, como formas de condutas complexas e fenômenos mentais.[7]

Uma outra área científica de aplicação do modelo holográfico diz respeito ao cérebro. As teorias propostas por Karl Pribram, neurocientista da Stanford e David Bohm, físico da Universidade de Londres, “estabelece o ´sobrenatural`[8] como parte da natureza.” Inclue-se aí as experiências transcendentais, os eventos paranormais e as singularidades perceptivas consideradas ´normais´.

A teoria num Resumo: Nossos cérebros constroem matematicamente a realidade concreta ”interpretando freqüências provenientes de outra dimensão, um domínio de realidade primária, significativa e padronizada, que transcende tempo e espaço. O cérebro é um holograma interpretando um universo holográfico.

Fenômenos envolvendo estados alterados de consciência (que refletem estados cerebrais alterados) podem ter origem numa sintonização literal com a matriz invisível que gera a realidade “concreta”.[9]

Segundo o físico David Bohm, “o holograma é um ponto de partida para uma nova descrição da realidade: a ordem dobrada.” A realidade, como a concebemos ordinariamente, é resultante do aspecto desdobrado das coisas e não de sua fonte. São aparências “abstraídas de um fluxo invisível, intangível, que não é constituído de partes; é uma interconexidade inseparável.” Para ele: nenhuma ciência que se esforce por quebrar o mundo em partes, terá condições de descobrir as leis físicas primárias.[10]

Dychtwald, resume o holograma do seguinte modo:

Desde que cada aspecto do universo se expressa vibratoriamente, e que todas as expressões vibratórias se misturam dentro do(s) holograma(s)-mestre(s), cada aspecto do universo contém conhecimento sobre o(s) todo(s) dentro do(s) qual(is) ele existe. Além disso, uma vez que a expressão vibratória de cada unidade holográfica é também um enunciado de pura informação, podemos esperar que cada aspecto determinado tenha a capacidade de conhecer intimamente cada um dos outros aspectos particulares dentro(s) do(s) holograma(s)-mestre(s).[11]

A abordagem quântica da ação cerebral complementa o modelo holográfico. Na Física Quântica espaço e tempo não existem como o representamos para nós. Tudo é relativisado[12]. Os eventos paranormais, como, por exemplo, a psicocinese, a transmissão da telepatia e a cura paranormal emergem de frequências que transcendem o tempo e o espaço, por isto não precisam ser transmitidos. “São potencialmente simultâneos e onipresentes”.[13]

Pribram considera a matemática do cérebro como “uma forma grosseira de lente” que nos impede de conhecer um mundo organizado no domínio das frequências. Sem espaço nem tempo – apenas eventos.[14]

Fenômenos psíquicos nada mais são que subprodutos da matriz simultânea-onipresente. Os cérebros individuais são pequenos pedaços do holograma maior. Sob certas circunstâncias eles têm acesso a todas as informações que se encontram no sistema cibernético total. A sincronicidade – aquelas ocorrências concidentais que parececem ter um propósito ou uma conexidade, mais elevados – também se ajusta ao modelo holográfico.[15]

Compreensão Empática Numa Perspectiva Holográfica

Minha experiência empática, em muitos momentos, transcendeu a experiência empática cotidiana, tanto na terapia individual quanto nas minhas experiências grupais. Em alguns momentos me percebi dizendo coisas para o cliente que aparentemente nada tinha a ver com o que o cliente relatava e que nem eu mesma sabia com clareza porque a dizia e me surpreendia com a reação do cliente e o rumo evidentemente transformador e construtivo que ele dava ao seu processo. Por outro lado, em alguns momentos de minha experiência grupal, tenho certeza – uma certeza inquestionável para mim – que sintonizei com o estado vibratório do grupo, que experimentei sentimentos que “não eram meus”, que eram das pessoas que compunham o grupo, antes que eles as relatassem. E a partir do momento que eles passavam a colocar seus sentimentos, o que eu estava experimentando passava. Assim, eu tinha a impressão de que eu captara (sintonizara), antecipadamente à colocação verbal dos membros do grupo ou do cliente individual, com a matriz holográfica, invisível.

O comentário de Maria Bowen, usado por mim num outro texto sobre a compreensão empática, e por tantos outros autores, a propósito da experiência empática e curativa de Rogers, diz o seguinte:

Minha impressão é de que, assim que o contato de Rogers com a outra pessoa progride, sua mente se torna quieta e calma, e ele fica totalmente apontado para uma só direção, como se estivesse num estado meditativo. Parece-me que ele entra num estado alterado de consciência, no qual o dualismo entre ele e a outra pessoa desaparece. Ele se torna uno com o cliente e, desta maneira, entra no mundo desorganizado, confuso e irracional do cliente. A partir daí, de uma maneira magnética, Rogers junta, numa “impressão integrativa”, as experiências fragmentadas e desconectadas do cliente. O “feedback” das “impressões integrativas” do terapeuta permite ao cliente ver coisas numa nova luz e organizar sua experiência caótica. Este momento de organização é a essência do processo terapêutico. Segundo o modelo de Prigogine a cada nova organização a que se chega, permite ao organismo mudar para um padrão de alta ordem, coerência e complexidade. Esta organização é possível somente quando o terapeuta e o cliente estão no mesmo comprimento de onda e os limites entre Eu-Tu (I- Thou ) desaparecem.[16]

Alguns dos terapeutas mais antigos intuíram essa dimensão da compreensão empática. Jung descreve-a como sendo um processo de fusão entre personalidades. Para ele:

O encontro entre duas personalidades é como o contato entre duas substâncias químicas. Se houver qualquer reação, ambas se transformam. Esperamos que o médico (o terapeuta) tenha uma influência em todo o tratamento psíquico eficiente, mas esta influência só poderá ocorrer, se ele também for afetado pelo paciente (cliente).[17]

Nesse caso, ele fala de fusão de personalidades, como se no momento empático cliente e terapeutas fossem uma só pessoa, que se fundissem e se separassem em pessoas qualitativamente transformadas.

Adler, na sua tentativa de explicar a empatia numa dimensão cósmica, se posiciona do seguinte modo:

Se buscarmos a origem dessa capacidade de agir e sentir como se fôssemos outra pessoa, iremos encontrá-la na existência de um sentimento social inato. Na realidade ela é um sentimento cósmico e um reflexo do encadeamento de todo o cosmo que vive em nós. É uma característica inevitável de ser um ser humano.[18]

A imagem do holograma tem me vindo como ponto de apoio a essa idéia. Esta inspiração também tem me conduzido à defesa da compreensão empática como uma possibilidade concreta de contato com a subjetividade do outro, o que, num certo sentido, também significa con(s)tatar o outro em mim mesma.

Quando consideramos os avanços da Física moderna e de outras áreas do conhecimento como a neurociência, verificamos que essa possibilidade não é tão absurda assim.

Partindo do paradigma holográfico, defendo a idéia de que sendo cada indivíduo uma unidade de um todo mais amplo (holograma), sob certas condições pode ter acesso a todas as informações que se encontram no sistema cibernético[19] total. A compreensão empática apurada e/ou transpessoal se daria através de uma sintonização com a matriz invisível que gera a realidade “concreta”. E, como tal, transcende o tempo e o espaço. Por emergir de freqüências que transcendem o tempo e o espaço, a compreensão empática não precisa ser transmitida, pois é, como diz David Bohm, potencialmente simultânea e onipresente.

Considero também que a mudança ocorrida, durante o processo psicoterapêutico, se deve ao fato de que o estado vibratório do terapeuta está em sintonia com o estado vibratório do cliente, o que poderia ser favorecido por uma capacidade empática, fina, profunda. Penso que quanto mais apurada é esta capacidade no terapêuta, mais ele se distancia de uma “compreensão empática” quase que meramente dedutiva, e entra em contato com as sutilezas da experiência vivida pelo cliente, possibilitando um outro nível de comunicação – uma comunicação sem barreiras, onde o terapeuta não precisa ir até o cliente, não precisa se adentrar na interioridade do cliente, pois, de algum modo, ele já está lá, sem as barreiras de tempo ou de espaço. E quando Rogers, intuitivamente, afirmou: “parece que o meu espírito alcançou e tocou o espírito do outro”, parece ser exatamente isto o que aconteceu. Ele ao que parece estava vivendo com o seu cliente uma experiência sem barreiras. Eles estavam no mesmo nível vibratório, como se naquele momento os dois fossem um.

Referindo-se a essa experiência nos grupos terapêuticos, Rogers diz o seguinte:

Tenho a certeza de que esse tipo de fenômeno transcendente às vezes é vivido em alguns grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças na vida de alguns participantes. Um deles afirmou de forma eloqüente: “Acho que vivi uma experiência espiritual profunda, senti que havia uma comunhão espiritual no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até falamos uns pelos outros. Senti o poder de força vital que anima cada um de nós, não importa o que isso seja. Senti sua presença sem as barreiras usuais do ‘eu’ e do ‘você’ – foi como uma experiência de meditação, quando me sinto como um centro de consciência, como parte de uma consciência mais ampla, universal.[20]

Parece que quando o grupo entra num estado vibratório semelhante, favorece a eclosão de estados alterados (ampliados) de consciência. Nesses momentos, a percepção da realidade não passa pelo crivo dos sentidos; estes, o tempo e o espaço não se constituem barreiras, e a experiência se dá de modo direto. Para Wood, Este efeito do grupo (levar os participantes a estados alterados) ”pode também provocar uma consciência transpessoal. Participantes de grandes grupos tiveram insights proféticos, agiram com profunda eficácia em situações novas e complexas e apresentaram outras manifestações de sabedoria intuitiva”.[21]

Em consonância com o paradigma holográfico, Wood faz ver que tais fenômenos parecem ir além dos fenômenos holísticos e gestalticos, conhecidos pelas diversas teorias humanistas, pois supõem uma identidade entre a parte e o todo somente explicada pelo paradigma holográfico. E que talvez não fosse correto referir-se à consciência individual e a grupal como duas instâncias distintas, haja vista que do ponto de vista do novo paradigma tudo se encontra conectado de um modo inseparável. Diz ele:

O grupo e eu somos isomórficos (uma palavra de meus antigos estudos de matemática). Quando tenho um forte sentimento em mim, mesmo que eu não o coloque, ele aparece no grupo. Similarmente, um sentimento forte expresso no grupo está presente em mim. Eu poderia (e freqüentemente o faço) predizer, a partir de meus próprios movimentos interiores, os pensamentos, os sentimentos e as ações da comunidade. Por outro lado, posso obter o sentido dos meus movimentos interiores, a partir da consciência do grupo.[22]

(…)

O todo não apenas reflete, mas tem um efeito peculiar sobre cada indivíduo. Participantes de um workshop, tal como partes de um holograma, projetam a comunidade em sua totalidade. A leitura do mundo privado de um participante. A consciência individual torna-se equivalente ao todo.[23]

Pesquisas recentes demonstram que certas condições podem favorecer a sintonização com o aspecto “ondulatório” holístico da realidade e outras com os estados fragmentados da mesma. Por exemplo: o amor e a alegria, a harmonia e a música facilitam o primeiro; e a ansiedade, a raiva, e a descrença, os estados fragmentados. O ambiente caloroso e terapêutico enfatizado por Rogers, possivelmente, contribui para a sintonização com o aspecto “ondulatório” holístico da realidade. Evidentemente que essa possibilidade será mais perceptível nos grupos terapêuticos, o que, em absoluto, significa que isto não acontece na terapia individual. Suponho que cada momento de mudança na terapia individual, pode decorrer, exatamente, da sintonização do terapeuta com a freqüência vibratória da experiência do cliente.

Acredito que na sessão terapêutica qualitativamente satisfatória, onde o terapeuta é capaz de aceitar o seu cliente tal qual ele se lhe apresenta, sem julgamentos, e onde ambos apresentam-se sintonizados (compreensão empática) na mesma freqüência vibratória, mesmo que o terapeuta não coloque nada de novo para o cliente, a mudança ocorrerá, pois a fala ou a ação do terapeuta estará em ressonância com algo que o cliente já conhece e que o terapeuta, de algum modo, focaliza com mais nitidez.

BIBLIOGRAFIA

BOAINAIN, Elias. Tornar-se Transpessoal. São Paulo: Summus,

1999.

CAPRA, Fritjov. A Teia da Vida. 9e. São Paulo: Cultrix, 2000.

_______. O Tão da Física. São Paulo: Cultrix, 1995.

GUSMÃO, Sonia M. L. Ousando Ser Feliz. Temas de Psicologia Humanista. João Pessoa: Universitária (UFPB), 1999.

NAVARRO, Pablo. La Metáfora Del Holograma Social (Universidad de Oviedo, España – Texto extraído da Internet)

ROGERS, Carl. Um Jeito de Ser. São Paulo: E.P.U., 1983.

ROGERS, Carl et al. Em Busca de Vida. São Paulo: Summus, 1983

ROSAS, Clarissa. O Cérebro Holográfico, na Internet. ahm@grupos.com.br

WILBER,Ken et Al. O paradigma Holográfico e outros paradoxos. 10e. São

Paulo: Cultrix, 1995.

WILBER, Ken. O Projeto Atma. São Paulo: Cultrix, 2004.

ZOHAR, Danah. O Ser Quântico. 13ªe. São Paulo: Best Seller, s/d.

[1] WILBER, Ken (Org.). Uma Nova Perspectiva Sobre a Realidade, in O Paradigma Holográfico, p. 12

[2] Cf. NAVARRO, Pablo. La Metáfora del “Holograma Social”. Texto retirado da Internet, traduzido pela autora.

[3] No dicionário AURÉLIO, encontramos: Genótipo: 1. Composição gamética total do indivíduo ou zigoto. 2.O conjunto dos genes de um indivíduo. 3. Grupo de indivíduos de igual constituição genética.

[4] Ainda segundo o dicionário AURÉLIO: Fenótipo: 1. Característica de um indivíduo (2), determinada pelo seu genótipo e pelas condições ambientais.

[5]

3.No diccionario do AURELIO, encontramos, o seguinte: Isoforfismo. Zool. Condição em que indivíduos de espécies ou raças diferentes têm forma e aparência similar.

[6] Genoma (Aurélio): 1. Constituição genética total de um indivíduo ou zigoto.

[7] NAVARRO, Pablo. La Metáfora del “Holograma Social”. Texto retirado da Internet, traduzido pela autora.

[8] O grifo é nosso.

[9] Uma Nova Perspectiva Sobre a Realidade (O Número Especial Atualizado do The Brain/Mind Bulletin), in WILBER, Ken et al. O Paradigma Holográfico, p.11.

[10] Idem, ibdem, p.11.

[11] DYCHTWALD, Ken. Comentário sobre a Teoria Holográfica. Reflexões sobre o Paradigma Holográfico, in WILBER, Ken et. Al. O Paradigma Holográfico, p. 110.

[12] Segundo o dicionário do AURÉLIO, Relatividade. Fís. Teoria física segundo a qual o tempo e o espaço são randezas inter-relativas, não podendo, pois, ser consideradas independentemente uma da outra, e cuja idéia fundamental é estabelecer leis que sejam invariantes em relação ao sistema de referência, i. e., que assumam o mesmo aspecto em relação a qualquer referencial.

[13] Idem, ibdem, p. 12.

[14] Idem, ibdem, p. 13

[15] FERGUSON, Marilyn. A Realidade Mutável de Karl Pribram, in WILBER, Ken. O Paradgma Holográfico, p. 27.

[16] SANTOS, ROGERS, BOWEN, 1987, p. 113.

[17] Cit. por MAY, 1982, 4ª ed., p. 68.

[18] Idem, ibdem.

[19] AURÉLIO. Relativo à Cibernética – Ciência que estuda as comunicações e o sistema de controle não só nos organismos vivos, mas também nas máquinas.

[20] ROGERS, Carl. Um Jeito de Ser. São Paulo:E.P.U, 1983, p.47-8.

[21] WOOD, J.K. Dimensões dos grandes grupos. (In: BRANDÃO, D.M.S. e CREMA, R. Visão holística em Psicologia e Educação. São Paulo: Summus, 1991, pp. 67-73), apud BOAINAIN, Jr., E. Tornar-se Transpessoal. São Paulo: Summus, 1998, p. 142.

[22] WOOD, John. Em Busca de Vida. São Paulo: Summus, 1983, p. 40.

[23] Wood, apud Cury, 1993, p. 165

Cem anos de Carl R. Rogers. E a psicologia com isso?

Alex Sandro Alves de Azeredo

*Texto escrito em 2002.

Toda a Comunidade Centrada está festejando os cem anos de nascimento de Carl R. Rogers e eu fico muito feliz em poder neste artigo falar um pouco das contribuições que Carl Rogers deu para a Psicologia. [Mais...]

Infelizmente, aqui na UFES e em tantas outras universidades, pouco se ouve falar em Rogers e quando se fala, essa fala vem carrega de pré-conceito e de pouco conhecimento o que ajuda a estigmatizar a sua pessoa e o seu trabalho.

“Carl Ranson Rogers ( 1902-1987) talvez tenha sido o psicólogo mais importante do seu tempo. Numa entrevista a Psicólogos Clínicos norte-americanos, foi pedido que indicassem os dez psicoterapeutas mais influentes, o nome de Rogers apareceu no topo da lista.

No entanto, ainda mais impressionante que a sua popularidade foram as suas contribuições. Após muitos anos de trabalho dedicado, desenvolvendo uma psicoterapia verdadeiramente humanista, Rogers foi eleito, em 1947, Presidente da Associação Americana de Psicologia. Foi também o primeiro Presidente da Associação Americana de Psicoterapeutas. Rogers escreveu mais de 250 artigos e em torno de 20 livros”. ( Jonh Wood )

No dia 11 de dezembro de 1940, Rogers faz uma conferência na Universidade de Minesota, com o título: “Novos Conceitos em Psicoterapia” onde expressou suas idéia em relação à psicoterapia. Essa data 11 de dezembro de 1940 passou a ser considerada como o dia da fundação da Abordagem Centrada no Cliente, hoje Abordagem Centrada na Pessoa.

E o que pensa Rogers em relação à Psicoterapia?

Após Rogers ter abandonado uma orientação diretiva e interpretativa de escuta dos seus clientes, optando por uma escuta mais centrada na expressão dos sentimentos do cliente, ele concluiu (através de extensa pesquisa empírica documentada ) que para se ter eficácia na relação terapêutica, para que a terapia tenha êxito, é necessário que estejam presentes seis condições, que para Rogers, são fundamentais:

Primeira Condição – O Psicólogo parta do princípio que o cliente é basicamente responsável por si próprio, e desejar que o cliente mantenha essa responsabilidade.

Segunda Condição – O psicólogo agir sob o princípio de que o cliente tem uma forte tendência a tornar-se maduro, socialmente ajustado, independente, produtivo e confiar nessa força e não em seus próprios poderes, para realizar mudanças terapêuticas.

Terceira Condição – O Psicólogo criar uma atmosfera calorosa e permissiva, na qual o cliente esteja livre para trazer qualquer atitude ou sentimento que possa ter, não importando quão absurdo, não convencionais ou contraditórios sejam. O cliente é tão livre para resguardar sua expressão quanto para expressar seus sentimentos.

Quarta Condição – Os limites estabelecidos forem simplesmente limites quanto ao comportamento e não limites quanto às atitudes. (pode não ser permitido à criança quebrar a janela, mas ela é livre para sentir vontade de quebrar a janela e esse sentimento é plenamente aceito).

Quinta Condição – O terapeuta usar na terapia somente aqueles procedimentos e técnicas que transmitam seu profundo entendimento das atitudes expressas, carregadas de emoção, e sua aceitação delas. A aceitação do psicólogo não envolve aprovação, tão pouco desaprovação.

Sexta Condição – O Psicólogo abster de qualquer expressão ou ação que seja contrária aos princípios anteriores. Isto significa evitar perguntar, sondar, culpar, interpretar, aconselhar, sugerir, persuadir, reassegurar.

Para Rogers, se estas condições estiverem presentes, na grande maioria dos casos, haverá êxito na Psicoterapia.

Como falei no início, estou aqui para falar das contribuições de Rogers para a psicologia. Alguns o vêem como ingênuo, outros como um visionário. Particularmente vejo Rogers como uma pessoa que acredita no ser humano. Que acredita na possibilidade do homem alcançar seu próprio potencial. Num homem que pode ser responsável por si mesmo, que pode andar com as próprias pernas.

Penso que Carl Rogers veio quebrar rótulos e estereótipos. Estereótipo do psicólogo que sabe tudo, onde as respostas se concentram nele, para um psicólogo que aceita o cliente do jeito que ele é, sem classificá-lo, sem rotulá-lo e sem querer moldá-lo. O psicólogo que acredita que as respostas estão no próprio cliente.

Penso que Carl Rogers contribuiu para a formação de psicólogos mais humanos, que se colocam na relação terapêutica como pessoas e não se escondem atrás de respostas e interpretações intelectuais e não se colocam como detentores do saber. Psicólogos que permitem o cliente fluir na relação e não o direcionam e nem o atropelam. Psicólogos que permitem o cliente ser o que quer ser e sentir o quer sentir, não o condenando, não o julgando. Psicólogos que se colocam numa relação de Pessoa para Pessoa.

Cem anos de Carl Rogers. E a Psicologia com isso?

Creio que já foi dita muita coisa. Mas se mesmo assim a pergunta persiste e a resposta continua vazia, eu e todos os que acreditam na Abordagem Centrada na Pessoa, toda a comunidade Centrada, já temos nossas respostas e estaremos batendo palmas para Carl Rogers e reverenciando-o e esperando que essas palmas façam eco algum dia e em algum lugar, mesmo que isso dure mais cem anos.

Buscando subsídios em Maturana para questões éticas na prática de atendimento à famílias

Maria do Céu Lamarão Battaglia

*Texto escrito em 2001.

Há algum tempo venho me fazendo perguntas relativas às atitudes e ações do psicoterapeuta que ultrapassam o campo da técnica e só podem ser refletidas no campo da ética.
[Mais...]
Nos atendimentos, quer seja em consultório com famílias ou indivíduos, quer seja em trabalhos em grupo, alguns posicionamentos não me parecem claros, lógicos ou evidentes. Sinto-me muitas vezes pisando em falso em busca de norteadores que mesmo não sendo rígidos, possam evidenciar o embasamento de minhas escolhas nas atitudes tomadas.

Percorrendo diferentes autores em busca de uma definição de ética deparei-me com Humberto Maturana. Maturana é biólogo e junto com Francisco F. Varela construiu o conceito de autopoiese tão comentado nos dias de hoje. Este conceito define o ser vivo como um sistema auto-organizado integrado nas interações com o meio.

Esta visão sistêmica do vivo, diferente do modelo tradicional causal de input-output, veio revolucionar não só o campo da biologia mas também o campo da psicologia. No âmbito das Psicoterapias Sistêmicas de Família ocorreu um salto ético significativo, a meu ver. Salto este que permitiu a aproximação deste modelo teórico ao modelo teórico da Abordagem Centrada na Pessoa, que referencia minha prática.

Neste momento Maturana traz-me então uma enorme contribuição no exercício de reflexão ao qual me proponho. Partirei de seu entendimento sobre a ética para dar luz a questões que acredito, nunca terão uma resposta definitiva. Estas dependerão sempre do observador, do observado, de onde, quando, por que, para que, etc.

Sendo assim, procurarei em primeiro lugar descrever o pensamento de Maturana e em seguida refletir sobre diferentes questões com as quais nos deparamos no cotidiano de nossa atividade profissional.

Introdução ao pensamento de Maturana

Maturana salienta o quanto nossa cultura privilegia a formação do indivíduo como um ser que necessita tornar-se competitivo para alcançar o sucesso.

Para constatar isso, nos diz Maturana que, basta observar o dilema atual dos estudantes entre preparar-se para o mercado de trabalho competitivo versus o desejo de mudar uma ordem político-cultural geradora de excessivas desigualdades que trazem pobreza e sofrimento material e espiritual com o qual nos deparamos a todo momento, nas ruas, nas revistas, nos jornais, na TV.

Para termos sucesso, temos que competir. Em sua visão, a competição é um fenômeno cultural-humano e não biológico. E como fenômeno humano, a competição se constitui na negação do outro, sendo portanto, anti-ética. Como exemplo ele cita até mesmo as competições esportivas valorizadas como um bem social, onde não existe na verdade uma convivência sadia já que a vitória de um surge da derrota do outro.

Mas se o campo profissional exige uma preparação, fica então colocada a questão: Para que serve a educação, considerando o conceito de servir como conceito relacional (algo serve para algo em relação a um desejo)?

Nossa educação hoje se encontra ainda voltada ao racional. Entretanto, todo sistema racional tem um fundamento emocional. A grande dificuldade é que vivemos numa cultura que desvaloriza as emoções. E nós, nos vangloriamos de sermos seres racionais!!!

Mas o que seria para Maturana uma definição de emoção?

É importante ressaltar que a emoção para Maturana não é sinônimo de sentimento. Emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos. Apesar de insistirmos em definir que o que difere nossas condutas das dos animais é o fato de serem elas racionais, todos sabemos que quando estamos sob determinadas emoções existem coisas que podemos fazer e coisas que não podemos ou não aceitaríamos sob outras emoções. Biologicamente, as emoções são dispositivos corporais que determinam ou especificam domínios de ações. Isso fica evidente quando nos damos conta de como reconhecemos as diferentes emoções em nós e nos outros: as reconhecemos observando o domínio de ações ou fazendo uma apreciação sobre o domínio de ações que sua corporalidade conota.

Emoções: “os diferentes domínios de ações possíveis nas pessoas e animais, e as distintas disposições corporais que os constituem ou realizam.” ( MATURANA, 1999, p. 22)

A emoção é um fenômeno próprio do reino animal. O racional já se baseia em premissas fundamentais aceitas a priori, porque queremos. Estas premissas são então o ponto de partida de todo raciocínio racional que vai se seguir. Isto se dá nas questões ideológicas e em qualquer outro domínio, como na matemática, literatura, física, filosofia, etc..

“…A aceitação apriorística das premissas que constituem um domínio racional pertence ao domínio da emoção e não ao domínio da razão, mas nem sempre nos damos conta disto…” ( MATURANA, 1999, p.51)

Por que então conseguimos chegar a um acordo em determinadas divergências e em outras não?

Maturana nos fala de dois tipos básicos de divergências: divergências lógicas e divergências ideológicas. As divergências lógicas ocorrem quando um erro é cometido na aplicação de coerências lógicas. Nunca brigamos quando o desacordo é apenas lógico. Ele será esclarecido e o máximo que pode acontecer é ficarmos sem graça por termos nos “enganado”. No erro lógico, no máximo acusamos o outro de burrice ou cegueira. Já em um desacordo ideológico o conflito se estabelece e é a vivência do desacordo como ameaça existencial que leva à explosão emocional.

“ Desacordos nas premissas fundamentais são situações que ameaçam a vida, já que um nega ao outro os fundamentos de seu pensar e a coerência racional de sua existência. “ (Maturana, 1999, pg. 17)

As divergências ideológicas ocorrem quando o desacordo parte de distintos domínios racionais. Este tipo de desacordo se baseia em conflitos de emoção e não de razão já que suas premissas fundamentais não estão calcadas na razão. Pertencem a diferentes domínios. A colocação de que algum argumento é racional apenas denota que todo argumento sem erro lógico é racional para aquele que aceita as premissas fundamentais em que se baseia. As premissas fundamentais de todo sistema racional são não-racionais. São verdades que aceitamos a priori porque nos agradam.

Nos damos conta então de que o humano se constitui no entrelaçamento do racional com o emocional e não em sua dicotomia.

“O racional se constitui nas coerências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações.” ( MATURANA, 1999, p. 18)

Todos os nossos argumentos racionais e nossas ações tem fundamento emocional. E isto não é uma limitação mas sim sua condição de possibilidade. Como vivemos em uma cultura que valoriza o racional e desqualifica o emocional, tememos que a partir do momento em que nos deixássemos levar pela emoção nos perdêssemos no caos. Contudo o caos ocorre exatamente quando perdemos nossa referência emocional, não sabemos o que queremos fazer e nos encontramos recorrentemente em emoções contraditórias.

Evolução e Competição

Segundo o autor, no âmbito biológico a competição não acontece. Este é um fenômeno cultural humano. Os seres vivos não humanos não competem. Fluem entre si e com outros em congruência recíproca (autopoiese). Participam de um meio que inclui a presença de outros ao invés de negá-los.

No exemplo da caça podemos verificar que o animal caçador se alimenta sem que seja necessário que, para que um se alimente, o outro não se alimente. Não são ações necessariamente excludentes. Não existe um que ganha e um que perde. À medida em que ele se satisfaz o outro pode ou não se satisfazer também. Já entre os humanos, para que um ganhe é necessário que o outro perca. E esta é a diferença que faz diferença.

A evolução é entendida como um modo de vida, uma configuração de relações variáveis entre organismo e meio. A evolução se dá quando se constitui uma nova linhagem ao mudar o modo de vida que se conserva numa sucessão reprodutiva. O fenômeno evolutivo está na mudança do modo de vida, e em sua conservação na constituição de uma linhagem de organismos congruentes com sua circunstância, e não em desacordo com ela. A espécie que estiver em desacordo com o meio, se extingue. A história dos seres vivos não envolve competição e a competição não tem participação na evolução do humano. Organismo e meio vão mudando juntos de maneira congruente ao longo da vida.

“… somos o que somos em congruência com nosso meio e que nosso meio é como é em congruência conosco, e quando esta congruência se perde, não somos mais.” (MATURANA, 1999, p. 63)

Maturana cita o exemplo de um tio que estaria no CTI. Este seria um ambiente adaptado às necessidades do tio. No momento em que o sobrinho leva este tio para a praia, ele não teria mais condição de sobreviver porque nem o ambiente está adaptado às necessidades do tio, nem o tio estaria adaptado às condições do ambiente. Sendo assim, o que faz com que o ser vivo se preserve é sua congruência com o meio e não a questão de vencer ou perder.

Este eterno fluir entre o ser vivo e o meio é observado nas mais diferentes esferas de inter-relação e ocorre todo o tempo.

Educação

A educação é vista por Maturana como um processo pelo qual a criança ou o adulto convive com o outro e ao conviver se transforma de maneira que seu conviver se torna cada vez mais congruente com o outro no espaço da convivência. O educar é portanto reciproco e ocorre todo o tempo. As pessoas então aprendem a viver e conviver da maneira pela qual sua comunidade vive.

“ A educação como “sistema educacional” configura um mundo, e os educandos confirmam em seu viver o mundo que viveram em sua educação. Os educadores, por sua vez, confirmam o mundo que viveram ao serem educados no educar.” (MATURANA, 1999, p. 29)

Fazendo uma distinção em relação a cognição ele nos fala sobre a objetividade entre-parênteses e objetividade sem-parênteses.

“…os seres humanos, os seres vivos em geral, não podemos distinguir na experiência entre o que chamamos de ilusão e percepção como afirmações cognitivas sobre a realidade.” (MATURANA, 1999, p.44)

Nós não podemos distinguir na experiência entre ilusão e percepção. Isso só pode ocorrer a posteriori quando desqualificamos uma experiência por outra que é tomada então como válida. Como podemos então definir uma realidade como independente de nós se para podermos afirmar que temos acesso a essa realidade deveremos poder distinguir entre ilusão e percepção?

Partindo desta reflexão, Maturana propõe os termos objetividade entre-parênteses e objetividade sem parênteses.

Na objetividade sem parêntese, o que eu estou dizendo é válido porque é objetivo e racional, não porque sou eu quem está dizendo. Se digo que você está errado, não sou eu quem determina que você está errado mas a realidade. Aqui os caminhos explicativos não ocorrem na aceitação mútua, mas sim na exclusão do que é diferente da verdade. O que não está com a “verdade”, está contra ela. Aqui, sou sempre irresponsável na negação do

outro porque é a realidade que o nega. Neste caso, o corpo surge como um instrumento de expressão e também como limite à sua expressão. Se não damos conta da verdade é porque temos alguma deficiência que necessita ser superada. Aqui a ilusão é a expressão de uma limitação ou falha do observador.

Na objetividade entre-parênteses, posso pretender que eu tenha capacidade de fazer referência a uma realidade independente de mim. Aqui não há verdade relativa mas muitas verdades diferentes. Quando me oponho a um domínio de realidade diferente do meu, me oponho a alguém que transita neste referencial de mundo que não me agrada. Esta seria então uma negação responsável. Uma negação do outro e do mundo que ele traz consigo em seu viver. Aqui o corpo surge como algo que nos constitui e que nos possibilita. A verdade é nossa e faz parte de nosso modo de estar no mundo, como a dos demais. A indistingüibilidade entre ilusão e percepção é uma condição constitutiva do observador.

Amor

O amor é a emoção que fundamenta o social sendo que nem toda convivência é social. Aqui o amor é entendido sem conotação religiosa. É visto como a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a aceitação do outro como legítimo outro na convivência que chamamos de social.

O amor é a emoção que funda o social. Sem a aceitação do outro na convivência não há o social. Somos sobretudo animais dependentes do amor. É um fenômeno biológico cotidiano. É um fenômeno tão básico e cotidiano no humano que o negamos culturalmente para dar lugar a outras emoções. A criação de consciência de guerra pode ser um exemplo disso. Só se dá na negação do amor cedendo lugar à indiferença e ao cultivo da relação de rejeição e ódio que negam a diferença e permitem a destruição. Maturana diz que à medida que isso não se dá, a biologia do amor desfaz o inimigo.

Mas, existem relações que não estão fundadas no amor. Estas não são relações sociais.

Relações sociais e não sociais

As diferentes relações se fundam em diferentes emoções. As diferentes disposições corporais dinâmicas especificam diferentes domínio de ações (emoções). Portanto na medida em que diferentes emoções constituem diferentes domínio de ações, haverá também diferentes tipos de relações humanas dependendo da emoção que esteja subjacente. Basta que observemos as emoções para que possamos distinguir os diferentes tipos de relações humanas.

O medo é uma das emoção que nos retira das relações sociais, principalmente o medo de não termos capacidade para convivência social. Ele nos leva à negação do outro, à desconfiança, ao uso da autoridade. É a perda de nossa confiança na capacidade de convivência democrática e da reflexão, conversação e aceitação do outro como legítimo outro, como modos de convivência.

Confundimos domínios porque agimos como se todas as relações humanas fossem do mesmo tipo. As relações que não se baseiam na aceitação do outro como legitimo outro na convivência não são relações sociais. Em nossas vidas convivemos com relações de diferentes tipos.

Como exemplos de relações não sociais temos:

·Relações de trabalho que se fundam no compromisso de cumprir tarefas.

·Relações hierárquicas que se fundam na negação mútua. Fundam-se na obediência e na concessão do poder (supervalorização de um e desvalorização do outro).

Nós seres humanos não somos o tempo todo sociais, mas a biologia humana sim. Como recurso de convivência surgem então as leis com o objetivo de dar conta das relações não sociais. Surgem como coordenação de conduta entre pessoas que não constituem sistemas sociais.

Ética

Segundo Maturana, o problema da ética e da política lhe diz respeito enquanto parte da vida cotidiana de um cidadão que reflete sobre o social. Ética vista como a preocupação com as conseqüências que nossas ações tem sobre o outro. Tem a ver com a aceitação do outro e portanto pertence ao domínio do amor. A ética não tem um fundamento racional mas sim emocional.

A liberdade social depende da aceitação mútua para a convivência harmônica.

Vivemos numa cultura que estimula a competição e a luta e, em última análise, entendemos democracia como a livre disputa pelo poder. Entretanto este estilo de convivência é incoerente com a extinção da pobreza, do abuso e da opressão como modo legítimo de vida. Em síntese, não existe competição sadia nem disputa fraterna.

Maturana reforça a necessidade de uma democracia como um espaço político para cooperação na criação de um mundo de convivência onde todos estejam incluídos.

“…A democracia é uma obra de arte político-cotidiana que exige atuar no saber que ninguém é dono da verdade, e que o outro é tão legítimo quanto qualquer um. Além disso, tal obra exige a reflexão e a aceitação do outro e, sobretudo, a audácia de aceitar que as diferentes ideologias políticas devem operar como diferentes modos de ver os espaços de convivência, que permitem descobrir diferentes tipos de erros na tarefa comum de criar um mundo de convivência, no qual a pobreza e o abuso são erros que se quer corrigir. Isto é uma coisa diferente da luta pelo poder.” (MATURANA, 1999, p. 76)

Maturana atribui o fracasso das ditaduras e dos sistemas totalitários e estatistas, seja de caráter socialista ou não, ao fato de que qualquer uma delas deposita toda a sabedoria em apenas um grupo humano. Gera-se então uma tirania porque negam-se os outros. No momento presente ele vê isto em nossa entrega à sabedoria dos empresários.

A convivência democrática surge da aceitação mútua, não podendo acontecer de maneira inversa. Só a aceitação mútua pode não permitir que o abuso possa ocorrer na convivência.

Mas se a construção da democracia depende fundamentalmente das emoções, como mudá-las então?

Podemos mudar as emoções apenas através da nossa própria reflexão. Mas temos que acima de tudo querer fazer a reflexão e para querer faze-la, tenho que antes de tudo querer aceitar o outro

Quanto à liberdade, Maturana tem a posição de que as idéias não devem ser perseguidas, só as ações. No caso de um crime, o condenado deve ser aceito como um legítimo outro em que só sua ação é punida e não seu ser.

Em sua visão, não é o medo do castigo que impede o crime. Numa vida social, o crime simplesmente não aparece. O crime surge depois que a convivência social já se rompeu.

Não só o crime mas a maior parte das enfermidades humanas surgem a partir da negação do amor. Adoecemos se nos sentimos rejeitados, se nos negam ou não nos querem, se nos sentimos injustiçados.

Como a ética pertence ao domínio do amor, as preocupações éticas nunca vão além do domínio social em que surgem e tem formas diferentes em diferentes culturas. Por isso, argumentos racionais sobre ética só convencem aos convencidos. O comportamento ético é emocional e é a partir do amor que o outro tem presença.

Se nos baseamos em ideologias para definir conceitos éticos, nunca poderemos entrar em acordo com todos os seres humanos. Mas se partirmos do social, como Maturana o define, poderemos encontrar fundamentos éticos que servirão a toda a humanidade.

As emoções são o fundamento de nossos afazeres, e o que nos cabe é estarmos atentos a elas para que possamos agir responsavelmente. Estarmos conscientes das conseqüências de nossos atos e decidindo se as queremos ou não. A responsabilidade não pertence ao domínio da razão, tendo a ver com a compreensão dos nossos próprios desejos e surgindo na reflexão sobre estes desejos. A liberdade surge de nossa responsabilidade sobre nossos atos.

A prática

A posição de Maturana é sem dúvida um paradoxo na medida em que também é ideológica. Entretanto o que chama atenção é a novidade da inclusão e da legitimação do diferente em oposição à dialética tradicional.

Voltando assim à proposta inicial de pensar a prática à luz dos conceitos de Maturana, partirei de uma visão de ética como algo definitivamente ligado à emoção e à escolha pessoal de “visão de mundo”. Este ponto por si só, já nos esclarece o porque da dificuldade de encontrarmos respostas definitivas e compreensíveis por qualquer um nas atitudes que tomamos por mais que para nós estas estejam fundamentadas totalmente nos mais nobres princípios éticos.

A título de reflexão, descrevo três de algumas situações concretas com as quais me deparei durante minha prática profissional .

Situação I:

Qual seria sua atitude quando, ao atender um cliente de 18 anos, que logo no início de sua primeira consulta lhe pergunta se tudo o que ele lhe diria ficaria entre vocês e durante os atendimentos você percebe o quanto ele esta se envolvendo com drogas e o quanto sua estrutura familiar tem uma forte participação nesta situação? Conta para família que lhe pressiona a todo momento querendo informações sobre o filho ou cumpre o acordo inicial sem o qual o cliente não teria nem sequer iniciado o atendimento? E se ele abandona a terapia em um momento difícil e você não consegue mais nenhum contato com ele? Tenta um contato com a família para alertá-la como um todo?

Situação II:

No caso de um atendimento de casal em que uma das partes vem sozinha em uma sessão e fala ao terapeuta de uma relação extraconjugal da qual o parceiro nem suspeita. O que faz o terapeuta? Prossegue os atendimentos como se não soubesse de nada? Exige que se abra o fato na relação do casal para que a terapia possa prosseguir? Evita atendimentos individuais paralelos para não correr riscos?

Situação III:

Nos casos de segredos familiares como famílias interraciais, com pais ou filhos com doenças crônicas ou contagiosas, com filhos adotivos, com pais ou filhos homossexuais, pais ou filhos presidiários, com pessoas drogadictas, etc.. Como trabalhar com todos presentes e parte do grupo disposto a abrir o segredo e parte não?

Onde e o que fazer , nestes momentos, com o saber do terapeuta? O saber técnico, o saber factual e o saber pessoal?

São situações que muitas vezes exigem um posicionamento imediato do terapeuta não lhe permitindo tempo de reflexão ou discussão com outros para tomada de decisão. Nestes momentos, são os princípios éticos do terapeuta que, no meu ver, deverão prioritariamente servir como norteadores de sua ação. Tomando-se o modelo autopoiético de Maturana, é a estrutura do terapeuta que possibilitará uma ou outra resposta. Estrutura esta que encontra-se inserida em um sistema maior que inclui a família em atendimento, no aqui e agora, com todas as suas limitações e possibilidades próprias. Esta resposta será a alternativa possível a uma perturbação percebida pelo sistema que se constitui como a pessoa do terapeuta estando nela incluídos seus saberes assim como suas emoções no momento em que esta perturbação se dá.

A influencia das emoções no leque de possibilidades de ações como respostas no diálogo de interações de ações, nos esclarece também o porque escolho determinada resposta em um momento e em outro, penso e reflito que poderia ter respondido de maneira diferente. Obviamente isto acontece porque mudou a emoção, mudou a possibilidade de ação.

Cada situação traz consigo particularidades impossíveis de serem repetidas ou retornadas. Apenas nelas podemos agir e, no meu entender, agimos verdadeiramente da melhor maneira possível. Tudo o que pode ser repensado e discutido a posteriori servirá somente como possibilidade de redefinição estrutural presente e/ou futura.

Em nossas alternativas devem estar incluídas também as determinações do código de ética profissional e das leis normativas do país e da cultura onde nos encontramos.

Por esta razão, faço agora alguns recortes da exposição de motivos do Código de Ética Profissional dos psicólogos que acredito estarem diretamente relacionados às minhas inquietações.

“É importante lembrar que o agir ético vai além do pensar bem e honestamente, como uma ressonância de um mundo individual e pessoal, mas exige, ao mesmo tempo, que a consciência, que “é uma síntese ativa em perpétua realização”, se manifeste de modo explícito através de ações claras e visíveis.” (CFP, 2000, p.7)

“Assim, ao mesmo tempo em que um Código de normas explícitas se torna necessário, é bom lembrar que a moralidade se concebe como atitude, qualidade e valores e que a ética não pode proporcionar soluções pré-fabricadas, sem que haja um trabalho interno de cada indivíduo que se propõe agir eticamente. “ A letra mata, é o espirito que dá vida”. (CFP, 2000, p. 8)

Uma análise ética de qualquer situação terá sempre diferentes possibilidades. Dependerá sempre do domínio ideológico que cada um estará partindo. Para proteger a dimensão pública cria-se então o código de ética social ou profissional. Código este que varia de país para país, de tempos em tempos.

Anteriormente a sociedade normatizava as questões. Hoje, cada vez mais o indivíduo o faz. É exatamente esta transformação que nos torna mais e mais responsáveis pela qualidade de nossas ações. Nos obriga a pensar e repensar a ética como um convite a reflexão sobre nossas ações.

Como norteadores especificamente úteis às situações de atendimento terapêutico que trago anteriormente selecionei mais alguns artigos de nosso Código de Ética Profissional:

“III – O Psicólogo, em seu trabalho, procurará sempre desenvolver o sentido de sua responsabilidade profissional através de um constante desenvolvimento pessoal, científico, técnico e ético.” (CFP, 2000, p. 9)

Estar sempre preocupado em cuidar-se e preparar-se auxilia a arriscar ações com maior segurança e maior adequação.

“Art. 1o. – São deveres fundamentais do psicólogo:

a) assumir responsabilidade somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal e tecnicamente;

“d) sugerir serviços de outros profissionais, sempre que se impuser a necessidade de atendimento e este, por motivos justificáveis, não puder ser continuado por quem o assumiu inicialmente;

“e) fornecer ao seu substituto, quando solicitado, as informações necessárias à evolução do trabalho;” (CFP, 2000, p.10)

Existem situações de atendimento nas quais não podemos, sabemos ou queremos prosseguir. São situações extremamente difíceis já que nos dão a sensação de fracasso e nos constrangem à exposição. Entretanto nós terapeutas, como seres humanos que somos, temos também nossas dificuldades superáveis sim mas, por vezes não no espaço de tempo necessário a demanda do cliente. Cabe a nós a atitude ética de encaminhar o caso à profissional de nossa confiança.

Existem também situações em que um acompanhamento paralelo pode trazer muito benefício à família ou a seus membros. Situações nas quais este atendimento é indispensável ou situações em que seria desejável. Precisamos estar atentos também a estes casos.

“f) zelar para que o exercício profissional seja efetuado com a máxima dignidade, recusando e denunciando situações em que o indivíduo esteja correndo risco ou o exercício profissional esteja sendo vilipendiado;” (CFP, 2000, p. 10)

“Art. 3o. – São deveres do psicólogo nas suas relações com a pessoa atendida:

b) transmitir a quem de direito somente informações que sirvam de subsídios às decisões que envolvam a pessoa atendida;” (CFP, 2000, p. 11)

“Do Sigilo Profissional

Art. 26 – O sigilo profissional protegerá o menor impúbere ou interdito, devendo ser comunicado aos responsáveis o estritamente essencial para promover medidas em seu benefício.” (CFP, 2000, p. 16)

Nestes dois artigos encontramos respaldo para o caso do adolescente que se envolve com drogas. Respaldo normativo. Mas será que nos conforta já que como condição prévia ao atendimento do cliente se fez necessário um acordo explícito de sigilo? O que sempre me parece muito importante é a clareza do contrato que fazemos. Quando tudo corre sem intercorrencia , isto não se evidencia. Quando algo “dá errado” é que nos cobramos o quanto poderíamos/ deveríamos ter explicitado o que para nós seria óbvio…

Do Sigilo Profissional

Art. 21 – O sigilo protegerá o atendido em tudo aquilo que o Psicólogo ouve, vê ou de que tem conhecimento como decorrência do exercício da atividade profissional

“Art. 23

2o. – O Psicólogo, quando solicitado pelo examinando, está obrigado a fornecer a este as informações que foram encaminhadas ao solicitante e a orienta-lo em função dos resultados obtidos.”. (CFP, 2000, p. 15)

Estes artigos nos obrigam à transparência com os clientes e ao extremo cuidado com a forma das comunicações orais ou escritas que utilizarmos sempre que nos sejam solicitadas.

“Art. 27 – A quebra do sigilo só será admissível, quando se tratar de fato delituoso e a gravidade de suas conseqüências para o próprio atendido ou para terceiros puder criar para o Psicólogo imperativo de consciência de denunciar o fato.” (CFP, 2000, p. 16)

Neste artigos encontramos um posicionamento bastante subjetivo para a tomada de decisão do profissional. Aqui nossos valores morais serão os grandes norteadores da escolhas de procedimentos. Serão eles que nos dirão como lidaremos com determinados segredos, como nos casos das situações exemplo.

Este é um dos momentos em que só a habilidade do terapeuta na escuta de diferentes narrativas permite a criação de nova linguagem, que a todos inclua, para cada situação específica. Linguagem que não tenda a repetir o velho, o conhecido, o preestabelecido. Que possa ser diferente da língua “materna”. Para tanto necessita o terapeuta despojar-se dos valores pessoais e se dirigir ao encontro do múltiplo e do diferente com o mesmo respeito que considera as antigas normas.

Em resposta as três difíceis situações que trago, creio que o mais fundamental é que o terapeuta assuma uma posição responsável, congruente com os preceitos éticos da categoria, da lei e sobretudo de seus valores pessoais em relação a cada situação que se apresenta. Estar confortável perante seu cliente é o mínimo necessário para que um terapeuta possa contribuir positivamente com a dissolução de problemas. Qualquer fato impeditivo ou restritivo à criatividade, à expressão ou ao fluir do terapeuta necessita ser atenciosamente cuidado e resolvido no menor espaço de tempo possível.

A maneira como o terapeuta encara pessoalmente a privacidade numa relação entre pais e filhos, a questão das drogas, da traição, dos segredos, da homossexualidade, da adoção, etc., isto é, os valores do terapeuta influirão sobremaneira em suas ações.

As ações que estiverem coerentes com o sistema (terapeuta-família) como um todo, serão mais construtivas do que as que não estiverem. As ações subsequentes à ação do terapeuta são muito pouco previsíveis. O que podemos prever com nossas ações está mais voltado a uma direção do que a uma ação predeterminada. E o objetivo do terapeuta , no meu entender, deve apenas se situar em busca de facilitar uma direção. Uma direção voltada ao crescimento, ao desenvolvimento, à autonomia, a uma maior responsabilidade, a uma postura ética perante o ser vivo e consequentemente ao universo.

Estar consciente de tudo isso é extremamente importante. Não nos “protege” de ações improdutivas mas nos traz a clareza e a certeza de nossa responsabilidade e da possibilidade de transformação, crescimento e aprendizagens pessoais em nossas condutas. Possibilidade essa que transforma nossa estrutura e nos renova a cada interação. Evidencia também o aprendizado cotidiano do terapeuta na relação com o cliente. Confirma e reafirma a enorme responsabilidade que abraçamos no momento em que optamos em sermos terapeutas. Nesta posição no mundo, mais que em muitas outras, nos “metemos” inevitavelmente em um caminho cheio de aventuras, emoções, riscos, cheiros e sabores. Nem sempre com final feliz mas sempre com a possibilidade de crescimento, aprendizagem e aperfeiçoamento.

Autoestima: atualização do conceito da Abordagem Centrada na Pessoa.

Afonso Langone e Nara Vieira

*Publicado no Jornal Diário Popular. Pelotas. RS. Ano 119- 1890-2009. N. 238. Edição de 5 de maio de 2009. p. 3, Caderno Viva Bem.

A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), do psicólogo norte americano Carl R Rogers tem esse como um de seus pressupostos mais significativos, já que é ele que nos dá condições de participação mais eficaz no mundo, potencializadora de condições de com-vivência com base em respeito mutuo, em paz. Mas… o que é a autoestima? [Mais...]

Ao dar continuidade aos estudos que resultaram no livro Atualizações Filosóficas na Abordagem Centrada na Pessoa, ora no prelo, atualizando a Abordagem para os novos paradigmas que se formam através da estrutura da globalização em que os conceitos filosóficos e culturais entre os paises se influenciam, verificamos que urge atualização reformadora da definição de autoestima para o interagir da Pessoa na atualização e renovação de conceitos vivenciais na processo com abertura significativa da globalização.

Para nós, a autoestima é a capacidade de consideração para com o próprio Eu como Unidade. É percepção de potencialmente ser capaz, feliz, apessoado, sentindo e percebendo valores de dentro para fora. É acreditar em si como potencial de vir-a-ter e ser, tendo ideais: de vida, de prosperar, de ter dignidade, caráter, confiança e dinamismo, acreditando em si e no outro; de interagir e integrar, integrando.

Ao integrar as premissas dos sentimentos devemos nos autovalorizar, isto é, identificar valores em si mesmo quanto a:

Ø Orientação de nossa própria conduta: focalizando-a em si e, em relação ao outro.

Ø Autonomia de querer, de ser e da vontade: e, c isso não se fixar em estabelecer dependências, mesmo que momentaneamente prazerosas.

Ø Gostar de si, aceitar-se como é, de se autodeterminar: e ao aceitar-se como é, não se acomodar, mas buscar as adaptações, ajustes ou superações possíveis nos aspectos que podem ser considerados disfuncionais.

Ø Não disputar, mas sim competir, acreditando e confiando no seu potencial: sem as altercações da disputa, mas, encontrando o lugar em que cabe com seus potenciais.

Ø Reconhecer e desenvolver as limitações: ao reconhecer as limitações, procurando identificar novos modos de exercer suas potencialidades de modo diferente daqueles tentados rotineiramente. Com isso, a pessoa se desenvolve e encontra atualizações: ajustes, superações, adaptações.

Ø Saber e acreditar no quê, porquê e para quê quer, levando em consideração o seu processo de ajustamento e do seu crescimento intelectual e filosófico, político e social.

Ø Ter capacidade para desenvolver habilidades e/ou potencialidades inatas e/ou aprendidas.

Ø Potencializar o caráter através da ética social como honestidade, dignidade, lealdade. Já que além de unos, próprios e indivisíveis, somos participativos é fundamental que a ética social tenha como ponto de partida e de chegada o Eu individual já que as respostas externas encontradas no mundo estarão em consonância com o que oferecemos a este.

Ø Ter capacidade de aquisição de habilidades e/ou potencialidades de estímulos inatos (vocação).

Ø Liberar complexos, atitudes, acompanhados e/ou com intensidade excessiva de emoções, de conjunto de idéias com cargas emotivas que foram recalcadas no inconsciente, através do tempo, e que agem sobre a conduta.

Ø Suprimir carências e ter capacidade e condições de adaptação, de aceita-las e enfrenta-las.

Ø Buscar: superar carências, e a capacidade potencial de adaptação atualizadora, aceitando-as e enfrentando-as, sem negar, reprimir ou suprimir.

Ø Ter capacidade de colocar para fora de si tudo que for negativo, não se magoar com o que os outros dizem ou conceituam de si. Desse modo, diminui a incongruência e desenvolve-se integração de opostos, já que a pessoa é Unidade.

Ø Elaborar hábitos aprendidos, adquiridos negativamente através de treino ou, distorção na aprendizagem. Com a elaboração (entendimento e compreensão) tem-se fluxo de facilitação da tendência formativa.

Ø Elaborar os processos de imitação, através do qual a pessoa age estimulada pela observação de uma conduta semelhante de outra pessoa. Sendo a pessoa Una, a redução do comportamento imitativo facilita perceber-se próprio: cada um é diferente do outro, embora essencialmente semelhante.

Ø Elaborar o medo através de formas de enfrentamento de reações dolorosas. Desse modo, vai se desenvolvendo a autoconfiança.

Ø Desenvolver procedimentos racionais, para atingir objetivos constitutivos da realidade_ quer objetiva, quer subjetiva_ através do entendimento e compreensão. Com isso, dá-se significado a ser racional, além de emocional, corporal, espiritual.

E, por último, constituir um objetivo para o qual dirigir-se em atos intencionais por qualidade ótima de vida, fazendo retrospectiva dos objetivos alcançados e projetar idealização de estímulo à Vida, tornando-se uma pessoa proativa.

É com base na autoestima que podemos atualizar nosso autoconceito e percebe-lo repleto de potenciais disponíveis a serem percebidos e desenvolvidos. A autoestima saudável facilita encontrar o seu lugar no mundo e desenvolver-se como ser Uno, próprio, indivisível, através das aptidões.

Aspectos que diferenciam o Humanismo dos demais pilares da Psicologia: a Psicanálise e o Behaviorismo.

Marlene dos Anjos Navarro Delabio
Valéria Calipo
Viviane Zanuto Hubber
Orientadora: Maria Helena Berkers

*Monografia apresentada à disciplina de Teorias e Técnicas Psicoterápica da Universidade Metodista de São Paulo- 1999.

Resumo

O trabalho parte da base humanística da teoria rogeriana, fazendo um paralelo com a Psicanálise e com o Behaviorismo, pontuando os aspectos em que os três pilares da Psicologia se diferenciam. [Mais...] Considera-se ainda o momento histórico, familiar e social em que viveram seus criadores. Isso nos mostrou de forma mais clara os fatores que os influenciaram e fica mais evidenciado a visão diferenciada que cada um deles tem de um mesmo fato: o comportamento humano. Eles deram um enfoque pessoal e consistente, o que proporciona aos profissionais da área de Psicologia um bom leque de opções quanto à sua atuação profissional.

Palavras chaves: natureza humana, tendência atualizante, behaviorismo radical, psicanálise, humanismo

Abstract

The Roger´s humanistic ground work theory lead us to make a parallel with the Psichoanalysis and the Behaviorism, placing the differences between these three psychology pilasters apects. We are still considering the historical, social and familiar moment that they had grown up. This had shown us in a brighten way, what had shown us in a brighten way, what had influenced their work, and makes evident the different viewpoint that each one of them had, about the same fact or truth: The human behavior. They had given a solid personal attention to this subject, what have provided to the psychology professionals a good amount of choices about their professional performance.

Key Words: human nature, trends, radical behaviorism, psycho-analyse, humanism

*

Alunas do curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo – Umesp

**Professora do curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo – Umesp

Apresentação

No segundo semestre de 1999, foi proposto para a turma do VIII semestre de Psicologia a elaboração de trabalhos dentro dos temas concernentes à disciplina de Teoria e Técnicas Psicoterápicas. Nosso grupo procurou conhecer mais a fundo o trabalho desenvolvido por Carl Rogers, buscando entender o quanto ele influenciou os caminhos da Psicologia, com sua teoria que na época pareceu muito abrangente porém, sem esquemas que lhe dessem um delineamento organizado, como haviam feito seus antecessores, e até mesmo seus oponentes contemporâneos.

Foi enriquecedor esse aprofundamento que nos levou a descobrir a riqueza dessa abordagem, e vermos o quanto ela pode ser mal interpretada pelo fato de Rogers não ter legado, desde o princípio, uma “política da abordagem psicoterapêutica centrada no cliente” (Rogers, 1977), fato do qual ele se deu conta ao ser questionado já aos setenta e cindo anos. A obra de Rogers é de leitura fácil onde parece ser mais um diálogo com o leitor, do que um amontoado de teorias difíceis de compreender, e a cada leitura fica cada vez mais evidente a fé inquebrantável desse autor, para quem o homem vive dentro de um mundo subjetivo e pessoal, com escolhas subjetivas que se dão a partir de sua forma de experenciar os fatos que lhe ocorrem. Para ele, “o livre-arbítrio passa a ser levado em conta, e esta escolha individual subjetiva exerce alguma influência na cadeia de causa e efeito” (Rogers, 1977 pg. 37). Ele faz essa afirmação em contraposição à Skinner, que afirmava o homem não ter liberdade de decisão. Rogers (1977 pg. 31), afirma que seu trabalho trouxe um certo “desconforto” no meio acadêmico por sua forma revolucionária de entender a relação terapeuta-cliente.

Introdução

Com o propósito de uma apresentação da teoria Humanista de Carl Rogers, foram levantados alguns pontos divergentes e convergentes com as teorias de Skinner e Freud, e com isso pode-se perceber com mais clareza, o quanto estes três teóricos trouxeram contribuições significativas para a Psicologia. Segundo Milhollan e Forisha (1978), o Humanismo tem sua base na Filosofia, ciência “mãe” da Psicologia, é uma doutrina ou atitude que se situa expressamente numa perspectiva antropocêntrica, em domínios e níveis diversos, assumindo com maior ou menor radicalismo as conseqüências daí decorrentes, manifestando-se o Humanismo nos domínios da lógica e da ética. No aspecto lógico aplica-se às doutrinas que afirmam que a verdade ou a falsidade de um conhecimento se definem em função da sua fecundidade e eficácia relativamente à ação humana; no aspecto ético, aplica-se àquelas doutrinas que afirmam ser o homem o criador dos valores morais, que se definem à partir das exigências concretas, psicológicas, históricas, econômicas e sociais que condicionam a vida humana. Essa capacidade do homem é que o torna capaz de modificar seu auto-conceito, suas atitudes e seu comportamento auto dirigido e que para mobilizar esses recursos basta proporcionar um clima de atitudes psicológicas facilitadoras, passíveis de definição. Dessa forma ele tira o “poder” das mãos do terapeuta o coloca nas mãos do próprio cliente (Rogers, 1977). Para compreendermos melhor como se dá esse processo, buscou-se descobrir o nível de distanciamento e aproximação existente entre os três grandes ramos da Psicologia: a Psicanálise, o Behaviorismo e o Humanismo.

Abordagem Centrada na Pessoa:

Rogers (1977, pg. 31), firmou-se em seis passos para fundamentar essa abordagem:

Em primeiro lugar, devido a experiências difíceis e frustrantes vividas por Rogers, na utilização das técnicas usuais na época, ele mudou sua forma de atendimento, passando a apenas ouvir de maneira compreensiva o cliente tentando transmitir-lhe esta compreensão, o que ele considerou ser uma força poderosa na mudança terapêutica da pessoa.

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Em segundo lugar, ele percebeu que a atenção empática constituía uma das janelas menos nubladas de acesso ao funcionamento do psiquismo humano, em todo o seu complexo mistério.
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Em terceiro lugar, a partir das observações faz-se inferências simples e formulação de hipóteses testáveis.
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Em quarto lugar, testando tais hipóteses houve descobertas sobre as pessoas e as relações interpessoais, cujos dados e teorias levantados, mudavam à medida que surgiam novas descobertas, num processo dinâmico que continua até este exato e preciso momento.
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Em quinto lugar, Roger descobriu que os aspectos básicos que propicia mudanças nas relações interpessoais de cada indivíduo, era inerente à própria pessoa. Através de dados obtidos em diversas experiências que realizou, ele chegou à conclusão de que esses aspectos eram de ampla aplicabilidade, podendo promover ou destruir mudanças auto dirigidas, quando liberados.
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Em sexto lugar, as situações abrangem pessoas, mudanças em seu comportamento e efeitos de diferentes tipos de relações interpessoais estão presentes em quase todos os empreendimentos humanos, o que para Rogers significou que sua abordagem poderia ter uma aplicação universal. Para ele, essa abrangência da sua abordagem é que pode explicar a sua espantosa disseminação.

A partir dos seis passos acima, é possível verificar que, sendo o homem considerado como um todo, um ser biopsicossocial, tudo o que envolve sua vida, seus sentimentos, crenças e, sendo esse ativo, ele é produto e produtor da sua história, sendo também considerado por este motivo, o momento cultural em que está inserido. Optar pela filosofia humanística, significa chegar às mudanças sociais a partir do desejo humano de mudança e da potencialidade para realizá-la, e não a partir do condicionamento, o que resulta numa filosofia política profundamente democrática, ao invés da administração a cargo de uma elite, e obviamente essa postura traz conseqüências, por ser “revolucionária”. (Millollan e Forisha, 1978)

Foi em 1940 que Carl Rogers fez a primeira tentativa de cristalizar por escrito alguns dos princípios e das técnicas de um novo método em terapia, um método que foi rapidamente rotulado de “consulta psicológica não diretiva”. Dois anos mais tarde foi publicado “Couseling and Psycotherapy: New Concepts in Practice”. Neste volume era exposta a prática dos princípios utilizados no domínio da consulta psicológica cuja finalidade era libertar as capacidades individuais de integração.

A construção teórica de Rogers gira em torno da construção do “eu”, de suas relações, interações, capacidades, habilidades etc. Acreditando por constatação, que o homem é capaz de lidar consigo mesmo, com sua situação psicológica, com auto compreensão e auto direção inteligente, é que o psicoterapeuta que se utiliza dessa abordagem é um profissional “facilitador” para que o cliente tenha seus sentimentos reelaborados, levando-o a um crescimento contínuo.

Trinta e sete anos após Rogers ter falado isso pela primeira vez, e provocado um alvoroço, ele faz uma avaliação do quanto fora ousado, pois isso era exatamente o oposto de tudo na época, mas que o tempo se encarregou de mostrar como essa “política” foi tão melhor sustentada empiricamente ao longo dos anos. O tempo fortaleceu sua posição e seus pressupostos ganharam cada vez mais, maiores números de adeptos. Rogers descreve seu pressuposto como: “a hipótese gradualmente formada e testada de que o indivíduo tem dentro de si amplos recursos para autocompreensão, para alterar seu conceito, suas atitudes e seu comportamento autodirigido – e que esses recursos só podem emergir se lhe for fornecido um determinado clima de atitudes psicológicas facilitadoras” (Rogers, 1983).

Para Rogers (1975) há no homem uma tendência natural para o crescimento, o que ele chamou de Tendência Atualizante, que o leva naturalmente ao desenvolvimento completo, e que está presente em todos os organismos vivos. Essa é a pedra fundamental na qual se apóia a Abordagem Centrada na Pessoa. Essa Tendência pode ser impedida, mas não pode ser destruída sem que se destrua o organismo. Ele cita como exemplo, plantas que nas condições mais adversas, buscam uma fresta de luz, na direção da qual crescem mesmo que isso a deforme. Qual é o clima que pode favorecer um indivíduo que por diversos motivos viveu em ambientes que de certa forma lhe distorceram o comportamento? Há três elementos chaves para que isso possa acontecer:

· Congruência – ou seja, autenticidade absoluta da parte do terapeuta para com o cliente. O terapeuta deve ser ele mesmo, sem “fachada” de profissional. O termo transparência dá um maior significado a esse conceito. O terapeuta deve expressar completamente seus sentimentos positivos, sejam de compaixão, compreensão, como também seus sentimentos negativos, como medo, e nunca suas opiniões ou julgamentos sobre o cliente. Quando o cliente percebe que o terapeuta se dá o direito de ser autêntico, ele pode descobrir essa mesma liberdade.

· Aceitação Incondicional – O terapeuta deve mostrar uma atitude de aceitação que permita ao cliente vivenciar qualquer sentimento. Isso exige o não envolvimento do julgamento e da manipulação, ou do rotular o cliente. Quando isso flui de uma maneira natural a probabilidade de sucesso no processo terapêutico é maior. O terapeuta não pode encarar isso como uma obrigação, deve fazer parte do seu processo de relacionamento com as pessoas, principalmente com o cliente.

· Compreensão empática – O terapeuta “entra” no campo fenomenal do cliente, sente seus sentimentos, e procura entender seus significados pessoais como estão sendo vivenciados pelo cliente. Ser empático não é uma técnica, é uma atitude desenvolvida ao longo da vida da pessoa, que leva o terapeuta a vivenciar o mundo interno do indivíduo para ajudá-lo a expressar o que está sentindo, não pensar “pelo” cliente e sim “com” o cliente.

À medida que o cliente sente que existe um momento, e uma pessoa, que acredita nele, o aceita, o escuta com atenção, o aprecia, ele se torna mais capaz de abandonar suas fachadas e se mostrar mais claramente como realmente é. Ao se ouvir, o cliente começa a se entender, muda suas percepções, e o poder que os outros tinham sobre ele começa a diminuir e ele passa a ter mais controle sobre si mesmo. Quanto mais aberta ao próprio crescimento, a pessoa se sente mais segura, menos defensiva, e mais propensa a crescer e mudar em direção ao seu desenvolvimento. Este tem que ser um processo natural na vida do cliente, sem que o terapeuta o direcione, o sugestione. O poder é do cliente e não do terapeuta, esse só deve criar o clima favorável para que esta capacidade interna do cliente se manifeste.(Rogers, 1961)

FREUD, ROGERS E SKINNER

· Pontos divergentes e convergentes entre as três teorias

Rogers surgiu numa época de grandes divergências entre as correntes da Psicologia. Havia uma grande discordância entre os diversos segmentos, mais fortemente em dois deles: a linha psicanalítica e a linha experimentalista. Rogers se contrapõe mais diretamente à teoria skineriana, que parecia reduzir o homem a uma visão mecânica e reducionista. No entanto Rogers no decorrer de seus estudos soube aproveitar muito da teoria de Skinner. (Milhollan e Forisha, 1978)

Um dos pontos mais divergentes entre a teoria psicanalítica, o behaviorismo e a Abordagem Centrada na Pessoa é no que diz respeito à natureza humana, ou seja, a concepção de homem, a visão e a percepção que o terapeuta possui, e com que visão este profissional conduzirá seu trabalho. Outro ponto que deve ser considerado é o processo experiencial e o contexto sociocultural e histórico de cada teórico.

Freud foi o criador da Psicanálise, além de influenciar várias áreas do conhecimento, viveu metade de sua vida durante o século passado e quase quatro décadas deste século, o que proporcionou uma outra visão do mundo, e ainda, sempre foi discriminado e por fim perseguido na Segunda Guerra, devido sua origem judaica. Sua época foi marcada pela austeridade social, onde a mulher era confinada ao seu papel de esposa e mãe, sem direitos políticos e sociais, seu papel era de procriadora e mantenedora do lar. As mulheres que se aventuravam a qualquer coisa que fosse além disso, eram mal vistas pela sociedade castradora e austera vigente.

Skinner foi contemporâneo de Rogers, mas sua visão de homem era basicamente científica, e a partir dos estudos experimentalistas que já existiam, ele estruturou e sistematizou a causalidade entre a formação do comportamento e os estímulos ambientais. Skinner se contrapunha diretamente à escola psicanalítica. Rogers viveu durante este século recebendo uma educação afetiva, apesar de ser rígida, fundamentada na religião cristã, da qual ele se desvinculou mais tarde. Participou dos conflitos sociais nos anos 60, os quais trouxeram muitas mudanças sociais. Ele iniciou seu trabalho como psicólogo no momento em que os profissionais da época se dividiam entre o método psicanalítico e o comportamental, ele se opõe aos dois e inicia uma forma própria e peculiar na sua forma de atendimento, que foi chamada de “não-diretiva” e que se constitui na terceira força da Psicologia.

Freud via a pulsão de vida e a pulsão de morte, como faces da mesma moeda, dando a Eros e Tânatos o mesmo peso (Laplanche, 1998). Para ele, o homem é possuidor de um permanente conflito entre forças antagônicas existentes em seu interior. O Id totalmente inconsciente, faz tudo o que é possível para atingir seus objetivos, ou seja, livrar-se da pressão de energia das quais é o próprio produtor e reservatório. O Ego tenta a todo custo servir de mediador entre as exigências do Id e as exigências da realidade externa. O Superego, o aliado da cultura, na perpetuação das normas e dos valores sociais. Para Freud a natureza humana é determinada, sobretudo, pelas pulsões e forças irracionais, oriundas, do inconsciente; pela busca de um equilíbrio homeostático; e pelas experiências vividas na primeira infância. Em uma de suas conferências, Freud fala da vileza, egoísta da natureza humana e o fato de que o homem não é muito digno de confiança no que se refere à sua sexualidade e seus desejos reprimidos, que vinham à tona de várias formas, uma delas através de atitudes de agressividade. Pontuou ainda sobre a guerra que devastou a Europa, dando a entender que tanta destruição não poderia ser desencadeada por uns poucos homens ambiciosos e sem princípios, se essas tendências destrutivas não existissem na maior parte da humanidade. A sociedade se vale de tanta hostilidade, e ainda precisa fazer uso da coerção, porque o organismo do homem era grandemente dominado pelas pulsões destrutivas, predominando a hostilidade o que facilita a coerção social, como elemento coibidor deste aspecto tão forte de sua natureza.

“Até o início da idade adulta, na maioria das sociedades, o Id terá sido domesticado. Quando não o é, o indivíduo costuma ser considerado muito especial, louco, mal, sagrado, ou qualquer combinação dos quatro.” (Kline, 1988) Toda obra de Freud tem afirmações sobre o pessimismo com relação ao homem, quer quando se refere ao “princípio do prazer” quer quando se refere a repressão necessária para suplantar a marcante hostilidade presente, em cada um de nós. Mas, ao que parece, ao longo de sua história, Freud reformulou alguns dos seus pontos de vista, passando a enfatizar também outros aspectos do homem. “Por fim veio a reflexão de que, afinal de contas, não se tem o direito de desesperar por não ver confirmadas as próprias expectativas; deve-se fazer uma revisão dessas expectativas”[1]

Diferentemente da teoria Psicanalítica, Rogers destaca a grande confiança que sente pelo homem. Essa confiança é baseada, através de experiências clínicas e comunitárias, resultados de pesquisas realizadas por ele e por seus colaboradores, em várias partes do mundo. Ele assinala que: “Acabei por me convencer de que quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior sua tendência para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, maior sua tendência para se mover para a frente”. (Rogers 1961, pg.31). Se o homem não possui lesões ou conflitos estruturais profundos, apresenta essa capacidade, o que é uma característica inerente ao homem que não depende do processo de aprendizagem, mas sim de uma estrutura da qual participou, num clima de calor humano, sem ameaçar ou desafiar a imagem que a pessoa faz de si mesma. Quanto mais livre o homem for, para tornar-se o que ele é no mais fundo do seu ser, para agir conforme sua natureza, como um ser capaz de perceber as coisas que os cercam, então ele, nitidamente, se encaminha para a interação e integração de si mesmo. Somente um ser consciente será capaz de libertar-se, o que chega a um ponto de impasse, dividindo-o. Isso ocorre devido a massificação da nossa cultura, que provoca a total alienação, que “de-forma” perspicaz, recalca os mais nobres dos nossos sentimentos como: o amor, a confiança e a bondade, juntamente com outros impulsos, socialmente proibidos. Desta forma, Rogers não acredita que, uma vez liberada a camada mais profunda da natureza humana, nos depararíamos com um Id incontrolável e destrutivo.

A Abordagem Centrada na Pessoa, considera a Tendência Atualizante como uma motivação polimorfa, ou seja, esta tendência pode trazer várias formas, de acordo, com as necessidades presentes no organismo. Discordando das teorias que tratam de motivação sobre um prisma biológico, do qual o organismo procura reduzir suas tensões e restabelecer um estado de equilíbrio. Rogers acredita que os organismos estão sempre em busca de um “vir a ser”, pois no seu entendimento, somente um organismo doente, mantém-se num equilíbrio passivo. O organismo sempre está em busca de algo, e isso é a fonte de energia que fez parte da função do sistema como um todo para a auto-realização e plenitude, que abrange não só a manutenção, mas também o crescimento.

Para Rogers, o homem preconizado por Freud, não é, socialmente falando, muito digno de confiança, com uma postura negativista. Para ele é exatamente o inverso, pois acredita que é justamente em um contexto coercitivo, onde o homem não pode expandir-se e atualizar seu potencial, que o leva a tornar-se hostil ou anti-social. Caso contrário, nada temos a temer, pois, seu comportamento tenderá a ser construtivo, “…será individualizado, mas também será socializado”

Skinner caracteriza sua epistemologia como Behaviorista Radical, apontando aspectos que distinguem sua versão comportamental em Psicologia do Behaviorismo Metodológico, que não considerava os conteúdos internos do indivíduo, enquanto que para ele os comportamentos privados eram tão importantes quanto os comportamentos públicos, observáveis, e dessa forma sua obra se torna muito mais completa do que a de seus antecessores. Para ele, todo indivíduo tem dois tipos de comportamento: “sob a pele” – que são os comportamentos privados, aos quais, apenas o indivíduo tem acesso e “sobre a pele” – que são os eventos públicos, passíveis de serem observados por qualquer pessoa.

Segundo Milhollan e Forisha (1978), Skinner via a realidade como algo objetivo, dedutível de forma lógica. O homem é um produto do meio, em função das contingências ambientais em que vive, a “comunidade verbal”, é quem dá significado a tudo que vivencia, ou seja, o que é ensinado para a criança desde a mais tenra idade é o que vai direcionar seu comportamento, suas crenças, seus ideais, etc. Para o Behaviorismo Radical, o processo terapêutico se dá mediante a análise de contingências, reforço positivo e conseqüentemente através de “auto regras”, que será a mudança de visão que o homem imporá a si mesmo quando consciente da sua necessidade de mudar seu próprio comportamento. Isso é o que Skinner denominou de “comportamento operante”, que é a capacidade do homem de agir apesar das contingências ambientais, dentro do processo terapêutico. Mas de forma geral, o indivíduo não tem liberdade de escolha, ele age em função dos estímulos ambientais e suas respostas (comportamentos) a estes estímulos, podem gerar conseqüências que serão reforçadores negativos ou positivos, levando a um aumento ou diminuição dessas respostas, ou que podem ser punitivas, o que provocaria a extinção das mesmas. Segundo essa premissa, desde que haja um determinado controle ambiental, obtém-se do indivíduo as respostas (o comportamento) desejadas.

Rogers também se opõe à orientação de Skinner, que defendia a idéia que o homem não é livre, e não aceitava que a vida da sociedade iria constituir-se em controle e manipulação das pessoas, ainda que isso fosse feito para torná-las mais felizes, pois o homem é o arquiteto de si, assim, o papel que desempenha o subjetivo não deve ser minimizado (Millhollan, Forisha, 1978).

Conclusão

Não podemos negar a importância de cada um deles, a Psicanálise trouxe-nos o entendimento do homem a partir do seu passado, dos desejos reprimidos (Id), das regras introjetadas (Superego) e de como o Ego se estrutura na equilibração dessas duas forças antagônicas, além dessas contribuições, descortinou diante de nós a dinâmica do inconsciente com os seus vários mecanismos de defesa. O Behaviorismo contribuiu desde o início, mesmo com seus experimentos mais fugazes até culminar com o Behaviorismo Radical de Skinner, que sistematizou o que já havia sido feito, de forma lógica e coerente explicando a formação do comportamento, a partir dos estímulos ambientais. Sua metodologia terapêutica é de natureza diretiva e intervencionista, e quando aplicada a pacientes com determinados tipos de transtornos, mostra resultados mais rapidamente, como nos casos de autismo, bulimia, aneroxia, auto injúria e outros. Totalmente contrário das duas anteriores é a Abordagem Centrada na Pessoa, primeiramente na sua visão positiva do homem, e depois na sua metodologia que contrariava todos os direcionamentos que até então havia entre os que estudavam Psicologia. Rogers a princípio não se preocupou em sistematizar sua teoria, o que só foi fazer anos mais tarde, quando sua forma de atuar já era amplamente difundida. Sua atuação fundamenta-se na somente na fala do cliente e de como ele elabora essa fala, o papel do terapeuta será o de aceitar essa fala sem efetuar qualquer tipo de julgamento, pressão ou cobrança, e assim, o cliente tenderá por si mesmo ao crescimento saudável. O cliente dirige a sessão, o terapeuta apenas conduz, ou seja, o poder de mudança está no próprio cliente e o terapeuta será apenas um agente facilitador desse processo. A Abordagem Centrada na Pessoa foi uma técnica utilizada além das fronteiras do consultório e se estendeu para diversas áreas do relacionamento humano.

Não resta dúvida de que a história de vida das pessoas e a maneira como a vivenciaram, podem influenciar no modo como se conduzem socialmente. Os próprios autores, em questão, foram influenciados por suas histórias, ao desenvolverem um ponto de vista sobre um mesmo assunto. No entanto, acreditamos que as três teorias trouxeram contribuições significativas não só para o campo da Psicologia, como também para toda a humanidade. Segue abaixo um quadro evidenciando as características dos três teóricos:

FREUD

· Nasceu em 1856 em Freiburg Slováquia.

· Morreu em 1939.

· Filho de pais judeus perseguido pelo nazismo.

· Sofreu discriminação durante as duas guerras mundiais.

· Iniciou seus estudos quando o meio acadêmico buscava consolidar as mais variadas hipóteses sobre o comportamento humano.

· Desvendou os mistérios do inconsciente, e foi o primeiro a relacionar as neuroses à sexualidade infantil.

· Considerado o Pai da Psicanálise, e sua teoria sobre Ego, Id e Superego, permanece imbatível.

PERCEPÇÃO DE HOMEM

Para ele o homem é um ser dividido entre seus desejos de vida e morte.

Obra marcada por um certo ceticismo, sendo a natureza humana determinada por forças irracionais.

Acreditava que a sociedade civilizada estava ameaçada pela desintegração, devido à hostilidade primária dos homens entre si, e a cultura devendo recorrer a todo reforço possível a fim de erigir uma barreira contra o instinto.

Para ele, o homem é possuidor de um conflito permanente e antagônico, existente em seu interior, no qual o Ego tenta ser o mediador para encontrar o equilíbrio.

ROGERS

· Nasceu em 1902 em Oak Park, Illinois, USA.

· Morreu em 1987.

· Filho de pais dedicados porém rígidos na educação dos filhos e na religião.

· Viveu numa época marcada pelas mudanças sociais dos anos 60, como a liberação sexual, o movimento hippye, etc.

· Iniciou seus estudos em plena discussão sobre a Psicanálise e o método experimental, não gostou de nenhum dos dois.

· Inovou na sua forma de atendimento terapêutico quando percebeu que o cliente queria ser ouvido. Passou a usar o método chamado de não-diretivo.

· Criou a ACP – Abordagem Centrada na Pessoa

PERCEPÇÃO DE HOMEM

O homem é um ser subjetivo e experiencía cada acontecimento de forma única e pessoal.

Tem plena confiança na capacidade de desenvolvimento do homem, de seu crescimento, de se compreender, e resolver seus próprios problemas, desde que haja no seu ambiente condições favoráveis para que isso ocorra.

Acredita que o homem tem uma capacidade realizadora que ele chamou de Tendência Atualizante, que o capacita ao crescimento.

O homem é possuidor de uma motivação que pode levá-lo em várias direções, de várias formas. Essa motivação só não deve ser abafada, para não distorcer o seu crescimento.

SKINNER

· Nasceu em 1904 em Susquehanna, USA.

· Morreu em 1990.

· Filho mais velho de Willian Skinner e Madge Burrhus.

· Viveu numa época marcada pelas mudanças sociais dos anos 60, como a liberação sexual, o movimento hippye, etc.

· Iniciou seus estudos científicos fundamentado no método experimental.

· Aperfeiçoou este método, criando a AEC – Análise Experimental do Comportamento, que sistematizou o conhecimento existente sobre estímulo-resposta.

· Sua metodologia que foi chamada de Behaviorismo Radical.

PERCEPÇÃO DE HOMEM

Sua visão de homem é objetiva. Todo ser é produto do meio em que vive.

O homem não tem liberdade de escolha, ele dá significado às coisas de acordo com que lhe é ensinado pela comunidade verbal. As contingências ambientais determinam o comportamento do indivíduo, e se baseiam em três aspectos:

O histórico filogenético

O histórico ontogenético

O ambiente

As alterações no comportamento se dão através do Reforçamento Positivo, Negativo ou da Punição. O comportamento operante significa a alteração das contingências a fim de modificar o homem.

BIBLIOGRAFIA

Gusmão, Sonia M. L., A natureza humana segundo Freud e Rogers, Texto apresentado no Fórum Brasileiro da ACP no Rio de Janeiro; 1996.

Freud, S., O mal estar na civilização in Os grandes pensadores, 1º Ed.São Paulo: Abril, 1994

Kline, P., Psicologia e teoria Freudiana, 1a. ed.; Rio de Janeiro: Imago, 1988

Laplanche, J., Vocabulário da psicanálise , 3º ed. São Paulo:Martins Fontes,1998

Millhollan, F, Forisha, F. A. Skinner X Rogers: Maneiras contrastantes de encarar a educação, 3º ed. São Paulo: Sumus editorial, 1978

Morato, Henriette. Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa: Novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999

Rogers, Carl R.Psicoterapia e Relações Humanas. Vol. I. 1º ed. São Paulo: Interlivros, 1975

Rogers, Carl R. A pessoa como centro. São Paulo: EPU, 1977

Rogers, Carl R. Sobre o poder pessoal. 1º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1978

Rogers, Carl R. Grupos de Encontro. 5º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983

Rogers, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983

Roger, Carl R. Tornar-se Pessoa, 5a. ed.; São Paulo: Martins Fontes, 1997

Freud, Sigmund: A história do Movimento Psicanalítico in Os pensadores(Pg. 47), Ed. Abril Cultural, 1978

As contribuições do serviço de plantão psicológico para a formação do psicoterapeuta.

Jonas Hilleshein, Marcia Acunha Hilleshein e Roberto Leal Ferreira.

* Trabalho apresentado no II Fórum Paulista da ACP realizado em São Pedro/SP de 9 a 13 de julho de 2008.

Este artigo apresenta o Plantão Psicológico como uma nova forma de atendimento psicológico, que contribui, de maneira significativa, para a formação do psicólogo [Mais...] . Trata-se de uma prática inovadora que oferece aos estagiários de psicologia uma perspectiva ampliada da escuta clínica, pois contempla inúmeras possibilidades, como uma maior quantidade de pessoas atendidas e diversidade de demandas e tipos de atendimento (individual, de casal, de família), abrangendo diferentes faixas etárias, o que propicia uma formação acadêmica mais consistente. O Serviço de Plantão Psicológico é aqui apresentado como uma atividade, ou modalidade de estágio que favorece o desenvolvimento de habilidades que são pouco exploradas em um estágio comumente oferecido nos Serviços de Psicologia Aplicada, onde o estagiário atende apenas em psicoterapia.

Palavras-chave: Plantão Psicológico. Formação Acadêmica do Psicólogo. Abordagem Centrada na Pessoa

1. Introdução

O tema Plantão Psicológico pode ser considerado relativamente novo, mas já se apresenta como uma prática inovadora, configurando-se como um campo fértil a ser pesquisado. No Brasil, os primeiros trabalhos de Plantão tiveram início no ano de 1969 “coincidindo com a época em que se tornava necessário o reconhecimento da profissão do psicólogo e também com a introdução, em nosso país, da Psicologia Humanista” (Eisenlohr, in Morato, 1999). Estes trabalhos foram realizados no Serviço de Aconselhamento Psicológico do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), contudo a primeira sistematização do tema ocorreu no fim da década de oitenta (Rosenberg, 1987 apud Tassinari, 1999). Na primeira parte, iniciaremos explicitando melhor este pioneirismo no IPUSP.

Acreditamos que o serviço de Plantão Psicológico pode ser de grande valia para o cliente e o estagiário. Este artigo tem como interesse a perspectiva do estagiário, que tem a rica oportunidade de desenvolver melhor sua escuta clínica em virtude de diversos fatores que pretendemos discutir. Neste sentido, objetivamos esclarecer o quanto à prática no serviço de Plantão Psicológico pode contribuir para a formação do psicoterapeuta.

Em linhas gerais, o Plantão define-se como possibilidade de estar à espera, estar disponível, pronto. Na seção 3, apresentaremos uma definição mais clara e consistente do que vem a ser o Plantão Psicológico. Vale ressaltar que este serviço apresenta características que permite seu desenvolvimento em diversos contextos, como escolas, hospitais gerais, delegacias e comunidades, contudo, nosso foco se dará nos Serviços de Psicologia Aplicada (SPA).

Em virtude de nossa experiência enquanto estagiários plantonistas ter sido norteada pela Psicologia Humanista, mais precisamente pela Abordagem Centrada Pessoa (ACP) desenvolvida por Carl Rogers, nossa proposta de trabalho fundamenta-se nesta abordagem. Nas seções 4 e 5 discutiremos, respectivamente, seus principais conceitos, bem como porque encontramos nesta abordagem a melhor orientação teórica para fundamentar o tema.

Em se tratando de um trabalho com ênfase numa maior qualidade na formação do psicoterapeuta, entendemos que seria relevante refletir sobre as questões relativas à formação profissional do psicólogo, destacando o funcionamento dos Serviços de Psicologia Aplicada. Procuramos, ao longo deste trabalho, reunir informações que corroborassem nossas reflexões acerca da questão suscitada.

2.

Surgimento do Plantão Psicológico no Brasil

Com o reconhecimento da profissão de psicólogo no Brasil, na década de 60, um outro momento importante para história da psicologia no país começava a surgir, a Psicologia Humanista. Esta orientação teórica, que teve como maior referência entre nós, as concepções do psicólogo americano Carl Ramson Rogers, foi abraçada por importantes profissionais da época, entre eles Rachel Rosenberg, que coordenou a criação do Serviço de Aconselhamento Psicológico (SAP) no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP).

A partir deste momento, dava-se início aos primeiros trabalhos de Plantão Psicológico no país. Este serviço, como nos explica Tassinari (1999) “consistia numa recepção diferente aos clientes que procuravam o Serviço de Aconselhamento, o que foi, na época, uma alternativa para dar conta da imensa fila de espera” (p. 45). Tassinari destaca ainda outros importantes profissionais que colaboraram para a criação do serviço, como Iara Iavelberg e Oswaldo de Barros Santos.

Rosenberg contava com um grupo de 17 alunos que se debruçaram neste trabalho pioneiro, visando prestar um melhor atendimento à comunidade, já que considerando uma atitude centrada na pessoa, se fazia necessário uma escuta mais acolhedora dos clientes que procuravam o serviço.

Para melhor atender à demanda dos clientes, os alunos foram preparados para assumir um ‘plantão’ de atendimento. Nesses horários de plantão, eles recebiam, ouviam, inscreviam ou encaminhavam o cliente, ao mesmo tempo buscando aliviar a sua angústia ou ansiedade imediata e provendo um acolhimento respeitoso e empático. (Rosenberg, 1987 apud Tassinari, op. Cit., p. 06).

Com a ampliação e desenvolvimento do serviço, foram surgindo novas propostas de atendimento no SAP e, ao longo de mais de quinze anos, as experiências foram reunidas, sendo publicadas, no final da década de 80, a primeira sistematização acerca do tema Plantão Psicológico (Rosenberg, 1987 apud Tassinari, 1999).

3. Definindo Plantão Psicológico

Para melhor compreensão acerca do tema, é importante uma definição clara do que vem a ser o Plantão Psicológico. Plantão, na própria acepção da palavra, refere-se à disponibilidade de uma pessoa em manter-se à espera de outra, oferecendo-lhe determinado serviço em caráter emergencial. Neste caso, Plantão Psicológico indica a necessidade do estar disponível para outro no momento em que este busca o atendimento psicológico. Tassinari (1999) o define como:

 Read more » tipo de atendimento psicológico, que se completa em si mesmo, realizado em uma ou mais consultas sem duração pré-determinada, objetivando receber qualquer pessoa no momento exato de sua necessidade para ajudá-la a compreender melhor sua emergência e, se necessário, encaminhá-la a outros serviços. Tanto o tempo da consulta, quanto os retornos dependem de decisões conjuntas (plantonista/cliente) no decorrer do atendimento. (p. 41).

Cury (in Mahfoud, 1999) relata como o Plantão é apreendido pelos supervisores, estagiários e funcionários na clínica-escola da PUC-Campinas:

 Read more » Tipo de relação de ajuda imediata, que fornece alívio, orientação e apoio em situações de emergência às pessoas da comunidade que se sentem desesperadas ou com problemas muito sérios.  Read more » Este tipo de atendimento parece ajudá-las no sentido de diminuir a ansiedade, permitindo uma compreensão do problema, oferecendo novas perspectivas e uma visão mais realista do psicólogo como aquele que sabe ouvir e está ali na hora exata da procura (p. 124-125).

Em outras palavras, trata-se de uma possibilidade de encontro urgente ao pedido de ajuda, na tentativa de oferecer a devida escuta o mais próximo possível do surgimento das inquietações que levaram a pessoa a buscar o atendimento psicológico. O oferecimento da escuta diferenciada do psicólogo, na urgência de quem se encontra num momento de aflição, pode minimizar o sofrimento desta pessoa, contribuindo para uma melhor observação de suas reais necessidades.

Nossa experiência no Serviço de Plantão Psicológico teve início no segundo semestre de 2005, no Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Estácio de Sá, Campus Méier, tendo como referencial a Abordagem Centrada na Pessoa. O Serviço funcionava (e ainda funciona, 2008) da seguinte forma: o usuário que procurava o SPA para marcar uma consulta, seja por telefone ou pessoalmente, era informado pela secretaria que havia um estagiário disponível para atendê-lo naquele momento, caso não houvesse plantonista neste instante, era-lhe passado o horário de Plantão mais próximo daquele contato (dentro de uma hora, duas e assim por diante). Marcado o atendimento de Plantão, o passo seguinte era informá-lo do valor deste atendimento e o nome do estagiário que iria atendê-lo. Em caso de atendimentos para crianças, era solicitado aos pais ou responsável que não trouxessem a mesma, para que se ouvisse a queixa trazida por eles, entretanto, se por ventura a criança viesse ao atendimento, também era ouvida pelo plantonista.

Era de incumbência do estagiário o preenchimento da ficha de inscrição do cliente caso fosse dado um encaminhamento para algum dos serviços do SPA, como psicoterapia, orientação vocacional ou avaliação da queixa escolar, conduzindo-o à secretaria para o pagamento do atendimento.

A partir dessa experiência, entendemos o Plantão sob dois pontos de vista: o do cliente que nos procura, muitas vezes aflito e angustiado, e recebe o pronto atendimento, encontrando o acolhimento necessário. O outro, e de interesse maior neste trabalho, é do ponto de vista do estagiário plantonista, que será discutido com mais detalhes na seção 7.

Entendido desta forma fica claro que o Plantão não se trata de um mero trabalho onde, a partir da escuta da queixa do cliente, faz-se um encaminhamento. O encaminhamento é uma das características do Plantão, entretanto não é sua intenção primeira, pois é possível que o cliente se sinta atendido em sua urgência neste único encontro. Cabe ao estagiário plantonista, oferecer o acolhimento necessário e buscar, junto com cliente, compreender esse momento de aflição, clarificando a demanda deste.

4. A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP)

A ACP parte do pressuposto de que há em nós uma força capaz de nos levar ao crescimento, definida por Rogers (1983) como “Tendência Atualizante”:

Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima, passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras. (p. 38).

Este conceito é um dos pilares desta abordagem, o qual implica em três atitudes essenciais ao terapeuta. São elas Autenticidade, Consideração Positiva Incondicional e Compreensão Empática.

A Autenticidade se refere ao estado de acordo interno entre o que a pessoa vivencia, o que percebe e o que expressa, se permitindo ser ela mesmo, íntegra, livre de máscaras que poderiam prejudicar o clima de confiança necessário à relação terapêutica. Rogers (1957 in Wood, 1995) a define como:

O terapeuta deveria ser, nos limites desta relação, uma pessoa integrada, genuína e congruente. Isto significa que, na relação, ele está sendo livre e profundamente ele mesmo, com sua experiência real precisamente representada em sua conscientização de si mesmo. É o oposto de apresentar uma “fachada”, quer ele tenha ou não conhecimento disto. (p. 163).

A Consideração Positiva Incondicional refere-se à atitude de levar em conta a pessoa como ela é, sem julgamentos, aceitando seus sentimentos e a expressão destes de forma que o cliente vivencie esta consideração.

Uma aceitação calorosa de cada aspecto da experiência do cliente como sendo uma parte daquele cliente  Read more » Implica numa forma de apreciar o cliente como uma pessoa individualizada, a quem se permite ter os próprios sentimentos, suas próprias experiências. ( Rogers, op. Cit., p.165).

A Compreensão Empática se refere à capacidade do terapeuta em se colocar no lugar do cliente como se fosse ele, sem nunca esquecer a qualidade do “como se” e mostrar ao cliente o entendimento do significado de suas expressões e sua maneira de perceber o mundo. Rogers (op. Cit.) exemplifica como “sentir a raiva do cliente, seu medo ou confusão, como se fossem seus e ainda assim sem sentir a sua própria raiva, medo, ou confusão sendo envolvidas nisto.”. (p. 167)

 Read more » pode tanto comunicar sua compreensão daquilo que é claramente conhecido pelo cliente, como também pode expressar significados da experiência do cliente, dos quais o cliente está apenas vagamente consciente. (Rogers, op. Cit., p. 167)

Partindo do conceito de Tendência Atualizante, entende-se que, muitas vezes, a pessoa pode se encontrar num momento tal, sendo difícil a plena expressão de seus recursos internos. A relação terapêutica busca a criação de um clima facilitador, se valendo das três atitudes, para que o cliente possa reconstruir a autonomia no desenvolvimento de suas potencialidades.

Rogers (1961) propôs uma teoria do processo de mudança, onde a pessoa parte de um estágio de rigidez para um de fluidez. Considerando este processo num continuum, neste primeiro momento, a pessoa apresenta-se no nível mais próximo da rigidez. À medida que o processo se desenvolve, é possível que esta pessoa siga para o outro ponto do continuum, aproximando-se da fluidez.

Rosenberg (1977) demonstra que a ACP inspira “um envolvimento profundo do terapeuta com o processo de busca e crescimento do cliente, um compromisso autêntico com os indivíduos enquanto seres que buscam uma forma mais completa de serem eles mesmos.”. (p. 63). Com isto é possível observar o valor da relação nesta abordagem.

Rogers (op. Cit.) acredita que somente através de uma relação pautada numa relação empática de grande confiança, a pessoa pode, efetivamente, atingir o crescimento.

Minha hipótese é que nessa relação o indivíduo se organizará tanto no nível consciente quanto naqueles mais profundos de sua personalidade de maneira a enfrentar sua vida de forma mais construtiva, mais inteligente, assim como mais socializada e satisfatória. (p. 41). Em suma, refletindo sobre o que foi explicitado com relação a esta orientação teórica, podemos dizer que a Abordagem Centrada na Pessoa não se trata apenas de conceitos a serem aprendidos, mas também de atitudes que se incorporam. Isto exige do terapeuta que se identifica com esta abordagem, um exercício constante do estar “centrado no cliente”, visto que, como nos mostra Buys (1996) “dizer-se ‘terapeuta centrado’ não implica agir-se terapeuticamente de maneira centrada, já que entre ‘dizer’ e ‘fazer’ existe relação de referência e não de determinação”. [1] Por tanto, segundo Buys, um terapeuta só é, de fato “centrado”, no momento em que, na relação terapêutica, oferece as condições necessárias e suficientes para a mobilização do crescimento do cliente.

5. Porque Plantão na Abordagem Centrada na Pessoa?

É comum, nos dias atuais, encontrarmos pessoas que se encontram em momentos de extrema angústia ou conflito diante de situações adversas. Pensarmos em encaminhamentos diretos para psicoterapia, sem considerar o momento e a singularidade de cada situação nos parece demasiadamente simplório e pouco atento ao instante em que a pessoa se encontra. Já vimos a perspectiva do Serviço de Plantão Psicológico como modalidade de atendimento que atenda a essa demanda. Ao oferecer este serviço, acreditamos na necessidade de um olhar mais ao nível da experiência da pessoa, focando não o problema em si que a trás ao consultório e sim sua vivência, bem como sua visão diante deste problema e de sua maneira de lidar com a situação a qual se encontra. Assim sendo, vislumbramos na Abordagem Centrada na Pessoa a orientação mais convergente com essa proposta, pela forma como aborda a relação de ajuda, mantendo uma postura não-diretiva, o que permite que o cliente se aproprie de seu potencial. Mahfoud (1999) aponta a relevância da Abordagem na prática do Plantão:

A Abordagem Centrada na Pessoa, enfatizando as qualidades da relação (aceitação incondicional, empatia e congruência) como fator mobilizador do crescimento (tendência atualizante) se confirma como perfeito referencial para o “Plantão Psicológico”, modalidade de atendimento que vem abrir também novas perspectivas de contribuição social para o psicólogo (p. 28).

Não é nossa intenção destacar a ACP como única orientação teórica com potencial para oferecer o serviço de Plantão, no entanto, alguns pressupostos básicos das demais abordagens, encontram-se um tanto quanto distantes da proposta do Plantão. Podemos citar como exemplo a abordagem Comportamental, na qual o terapeuta assume uma postura mais diretiva. No que tange a orientação psicanalítica, Belas (1998) já comentara sobre esta questão: “A meu ver, a psicanálise não oferece subsídios objetivos para a atuação do plantonista nas situações de emergência até porque sua preocupação primeira, e da qual sempre se orgulhou, foi a de ‘trabalhar profundamente’ as questões de seus pacientes”. [2]

6. A formação do Psicólogo e os Serviços de Psicologia Aplicada (SPA)

No tocante à formação profissional, em particular do psicólogo, devemos sempre nos atentar ao contexto histórico, pois toda a produção acadêmica está intimamente ligada às transformações e aspirações da sociedade em dado momento. Desta forma, toda a gama de políticas públicas educacionais é atravessada por esta circunstância, interferindo na maneira de se estabelecer as metas e objetivos para a preparação do profissional. Um bom exemplo disto, como nos mostra Campos (1996), seria o fato da Psicologia nas décadas de 60 e 70 estar muito distante da realidade de nosso País, o que atendia aos interesses políticos vigentes, com isso recebendo o rótulo de uma profissão elitizada.

Pfrom Netto (1991 apud Noronha, 2003) aponta para os seguintes objetivos para a formação do psicólogo no Brasil: a) atender às necessidades da preparação do profissional para a atuação; b) proporcionar ao aluno um conjunto amplo e diversificado de conhecimentos, habilidades, atitudes e procedimentos, de modo que caracterize a psicologia como ciência e profissão; c) contribuir para o progresso científico; e d) estimular o florescimento de um saber e de um fazer originais brasileiros.

Visando a regulamentação dos currículos oferecidos pelos cursos de graduação, oferecendo “orientação sobre princípios, fundamentos, condições de oferecimento e procedimentos para o planejamento, a implementação e a avaliação deste curso” [3] foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Psicologia. Após inúmeras discussões e propostas dos conselhos da profissão, a resolução CNE/CES 0062/2004 foi aprovada em 19 de fevereiro de 2004. Estas Diretrizes propõem uma formação ampla do psicólogo, considerando a multiplicidade de concepções teóricas e metodológicas, assim como os vários contextos possíveis para sua atuação. Regulamentando “o núcleo comum da formação em psicologia, estabelece uma base homogênea para a formação no país e uma capacitação básica para lidar com os conteúdos da psicologia, enquanto campo de conhecimento e atuação” [4].

Assim sendo, cabe às universidades estruturar os cursos oferecidos de acordo com as Diretrizes, oferecendo uma grade curricular generalista, onde o estudante tenha a possibilidade de entrar em contato com as diversas áreas de atuação, bem como as diferentes orientações teóricas. Deve-se buscar compreender a realidade social onde este futuro profissional estará inserido, destacando a relevância de se desenvolver práticas interdisciplinares, buscando o diálogo com outras profissões na construção de um saber que atenda a demanda da população e que esteja em consonância com o novo conceito de saúde.[5] . Contudo vale ressaltar que as discussões em torno da análise dos parâmetros curriculares não se esgotam, ou seja, não devem ser consideradas definitivas, pois à medida que se desenvolvem novos saberes e as demandas populacionais apontam para novas configurações, devemos retomar o debate sobre qual a melhor estruturação curricular para a formação deste profissional, de maneira que este possa desenvolver um processo de amadurecimento pessoal e significativo aprendizado acadêmico.

Para a devida articulação do conhecimento teórico com a atuação prática, é obrigatório que a universidade ofereça o Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), espaços onde diversos serviços de psicologia como orientação vocacional, psicologia escolar e a psicoterapia, foco principal deste artigo, são oferecidos à comunidade, realizado pelos estagiários que se encontram nos últimos períodos da graduação com a supervisão de um profissional experiente.

No que se refere à formação do psicoterapeuta, especificamente o estágio supervisionado, o relatório da Resolução CNE/CES 0062/2004 estabelece que este visa “assegurar o contato do formando com situações, contextos e instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em ações profissionais”.

Acreditamos que o Plantão Psicológico nos possibilita um alcance pleno dessas propostas, pois com a necessidade de estar disponível semanalmente para receber os usuários do serviço, o plantonista tem a oportunidade de entrar em contato com um número considerável de pessoas e as diferentes realidades de cada uma. Entendemos que o estagiário que cumpre suas horas de estágio obrigatórias, realizando apenas o atendimento psicoterápico, tem um contato com um número menor de pessoas, podendo o desenvolvimento de suas habilidades, enquanto psicoterapeuta, estar sendo pouco explorada.

Partindo deste princípio, procuramos levantar com mais detalhes, a partir de nossas próprias experiências, as habilidades que o serviço de Plantão Psicológico oferece para a contribuição de uma formação mais satisfatória de psicoterapeutas, destacando as demais variáveis envolvidas que consideramos importantes na preparação deste novo profissional.

7. As habilidades propiciadas pelo Plantão

A especificidade do tema ainda foi pouco explorada por outros estudiosos. Encontramos em Cury (in Mahfoud, 1999) uma pesquisa sobre a vivência do Plantão pelos membros envolvidos neste trabalho. A análise levantada na referida pesquisa se aproxima significativamente de nossa experiência e do objetivo que nos propomos a desenvolver.

Em pesquisa apresentada no VI Fórum Brasileiro da Abordagem Centrada na Pessoa, a partir da análise das Versões de Sentido[6], Tassinari et. al. (2005) mostra seu interesse no preparo dos alunos para o mercado de trabalho: “a idéia inspiradora foi procurar compreender o desenvolvimento do plantonista a partir de suas próprias reflexões esboçadas imediatamente após cada consulta no Plantão”. (p. 08).

As Versões de Sentido também serviram de instrumento para o trabalho desenvolvido por Alves (1999) para analisar o amadurecimento dos psicoterapeutas/alunos do Curso de Psicologia da Universidade de Mogi das Cruzes. Embora ela não aborde este amadurecimento a partir da perspectiva do Plantão Psicológico, alguns aspectos importantes, do ponto de vista vivencial, para a formação do psicoterapeuta, são levantados neste trabalho, mostrando como o estagiário percebe seu crescimento enquanto psicoterapeuta, bem como a “separação” entre terapeuta e cliente. A esta separação Alves (op. Cit.) chama de distanciamento, onde “o mal estar do cliente agora não é percebido como ‘falha’ sua, não o deixa mais tão angustiado, embora o mobilize a continuar disponível para o cliente.” (p. 07). Consideramos que esta percepção do crescimento por parte do estagiário pode ser intensificada a partir do trabalho no Plantão Psicológico.

A partir de nossa experiência no Plantão, pudemos constatar que, ao dedicarmos um horário específico toda semana para oferecer o pronto atendimento aos usuários que procuravam o nosso SPA, percebemos que o número de atendimento que realizávamos era consideravelmente maior do que o dos estagiários das demais equipes que seguiam somente com os atendimentos em psicoterapia. A confirmação de nossa percepção veio com um levantamento feito pela coordenação do SPA, onde ficou demonstrado que a média dos casos de psicoterapia por semestre, para cada aluno, é de um a três para todas as equipes, incluindo a equipe de plantonistas, somando-se a estes a média de oito casos de plantão por semestre para cada aluno.

Ao atender um número maior de pessoas, tivemos a oportunidade de entrar em contato com múltiplas realidades, observando com maior grau os diferentes níveis sociais, bem como as experiências singulares de cada sujeito. Cury (op. Cit.) analisando os resultados de sua pesquisa demonstra o valor da diversidade:

Possibilita o acesso a uma diversidade de pessoas e problemas, levando a um contato direto com o inesperado, criando impacto emocional, desenvolvendo uma escuta diferenciada e promovendo um raciocínio clínico mais rápido e preciso. (p. 122-123)

Certamente esta possibilidade contribui de maneira significativa para nosso amadurecimento, tanto acadêmico quanto pessoal. O que estamos querendo dizer é que através desse contato com diferentes pessoas e realidades, pudemos ampliar nossas reflexões acerca de como cada sujeito tem seu modo singular de vivenciar sua experiência e como esta é atravessada pelos fatores externos (sociais, econômicos, culturais, etc.).

Ainda no que se refere à diversidade de casos, gostaríamos de destacar que, no Plantão existe o fato de recebermos clientes de diferentes faixas etárias, desde crianças até a terceira idade e, em função do Plantão ser caracterizado pelo inesperado, é possível que se realize atendimento com casais ou famílias que, de certa forma, só se realizaria numa equipe específica para estes tipos de casos.

Uma das características peculiares ao Plantão é que muitos atendimentos são previamente marcados e, devido à dificuldade que algumas pessoas enfrentam em buscar o atendimento psicoterápico, o plantonista vivencia a experiência de aguardar um cliente que acaba não comparecendo ao encontro. Acreditamos que esta experiência permita ao estagiário ir, aos poucos, trabalhando sua tolerância à frustração, a ansiedade gerada pela espera e a internalização do estar disponível para o cliente, que são vitais para que este se torne um profissional mais seguro e habilidoso.

Até aqui enfatizamos o aspecto vivencial das potencialidades do estagiário, que podem ser exploradas por este enquanto plantonista, entretanto existem alguns fatores de ordem mais técnica que podem ser desenvolvidos ao longo do período de estágio e que encontram no serviço de Plantão, mais uma oportunidade de ampliar este aprendizado. Cada Plantão gera, no mínimo, um relatório de atendimento. Isto significa que o estagiário passa a confeccionar relatórios com maior freqüência, o que representa um bom exercício prático dos informes sobre cada cliente e incrementar seu conhecimento teórico para produzir o relatório. No cotidiano profissional do psicólogo, faz parte de suas atribuições desenvolver laudos e pareceres de seus atendimentos, assim sendo, consideramos importante que o estagiário esteja bem preparado para confeccionar este tipo de documento.

Uma outra questão relevante que gostaríamos de retratar, refere-se à cobrança das sessões. Não raro ouvimos relatos de estagiários e até de alguns profissionais sobre a dificuldade de se fazer a devida cobrança do atendimento. Esta se faz necessária não só pela devida remuneração do trabalho desenvolvido pelo profissional, bem como para o estabelecimento do compromisso entre cliente e psicoterapeuta. Cada consulta de Plantão tem seu valor pré-estabelecido e, geralmente, informado ao cliente, porém, cabe ao estagiário estar reforçando o informe desta cobrança, conduzindo o cliente até o local determinado para efetuar o pagamento. Somando-se ao que foi apresentado no início desta sessão, sobre o número de atendimentos realizados no serviço de Plantão, compreende-se que o estagiário plantonista vai, de maneira gradual, trabalhando essa dificuldade em relação à cobrança do atendimento.

Há ainda um outro aspecto relevante a ser considerado no Serviço de Plantão Psicológico, enquanto estagiário. Trata-se do aspecto cognitivo relativo à assimilação da teoria. Observamos em alguns casos, a partir da escuta oferecida pelo estagiário, como o cliente vai desenvolvendo uma autocompreensão acerca de sua problemática, ressignificando seus conceitos, possibilitando um contato mais próximo com suas vivências. Metaforicamente falando, podemos dizer que o cliente, em “companhia” do estagiário, consegue “sair do canto escuro em que se encontra, caminhando em direção à claridade.” O estagiário que vivencia esta experiência tem a oportunidade de compreender melhor o principal conceito da Abordagem Centrada na Pessoa que é a Tendência Atualizante.

Como foi explicitado na seção 4, para que o cliente caminhe em direção ao crescimento, cabe ao estagiário oferecer o clima facilitador, o que implica apropriar-se das três atitudes essenciais ao terapeuta. A compreensão de maneira cognitiva dos conceitos de Autenticidade, Consideração Positiva Incondicional e Compreensão Empática, a partir das leituras e das orientações em supervisão, é bem assimilada pelos estagiários, contudo, sua aplicação prática nos atendimentos ou mesmo num exemplo de intervenção solicitado pela supervisão, mostra aos estagiários a grande dificuldade e maior exigência desta abordagem, que evidencia uma relação intensa entre cliente e terapeuta, o que implica não somente uma compreensão cognitiva dos conceitos, mas também, e, como o próprio nome diz, a assunção dessas atitudes na relação com o cliente. Devido a isso, Rogers destaca que não é somente na relação terapêutica que estas atitudes devem estar presentes e sim que sejam características inerentes à pessoa do terapeuta.

À medida que o estagiário assimila cognitivamente e passa a assumir uma postura em consonância com esses conceitos, é comum desenvolva uma auto-supervisão e, de maneira gradual, consegue pontuar suas dificuldades e reconhecer onde poderia agir de forma diferente.

Outro ponto importante, no que se refere à assimilação cognitiva dos conceitos, reside no fato de que é possível, neste atendimento único de Plantão, a observância do processo de mudança do cliente, que muitas vezes chega explicitando sua urgência com certa rigidez, distante de sua experiência imediata, e, ao longo do atendimento, com o clima facilitador oferecido pelo estagiário, já apresenta uma fluidez e melhor compreensão de si e de sua situação.

Em resumo, partindo das reflexões suscitadas acerca das contribuições do serviço de Plantão, entendemos que o estagiário, se valendo também das orientações nas supervisões, consegue a cada consulta, obter um amadurecimento acadêmico, maior domínio dos pressupostos teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa, promovendo inclusive seu crescimento pessoal, sentindo-se mais seguro e preparado, apurando melhor sua escuta clínica e ainda “promove um senso de responsabilidade ampliado, ao retirar o aluno de uma situação de aprendizagem mais protegida.” (Cury, op. Cit.). Podemos reputar também o fato de que aproxima o estagiário da realidade social onde está inserido, dando maior amplitude às reflexões em torno do papel profissional a ser desempenhado pelo psicólogo atual.

8. Considerações finais

Atualmente é possível observar a dificuldade que as pessoas enfrentam para encontrar tempo para um processo mais longo de psicoterapia. Vivemos em uma sociedade cada vez mais sufocante e conturbada, onde os valores que outrora faziam parte do nosso cotidiano, hoje se encontram dissolvidos na vida moderna. Isso leva as pessoas a se ouvirem cada vez menos aumentando o individualismo e muitas vezes o sentimento de solidão. Parece-nos bastante animador pensarmos em uma proposta de atendimento que se aproxima dessa realidade atual. O Serviço de Plantão Psicológico surge como modalidade de atendimento que oferece essa escuta momentânea e que pode representar um forte ponto de referência para a melhora da qualidade de vida e bem-estar dessas pessoas.

Com a ampliação dessa nova perspectiva de atendimento, os estudantes de psicologia mais identificados com a área clínica, têm, no desenvolvimento de seu estágio supervisionado acadêmico grande contribuição para atender às demandas exigidas no aprendizado para a formação do novo psicoterapeuta.

É comum que, ao iniciar o estágio supervisionado, um forte sentimento de insegurança e até certo temor sejam vivenciados pelo estagiário. Reunindo todos os fatores discutidos aqui, concluímos que a partir da experiência no Serviço de Plantão Psicológico, o estagiário possa alcançar um bom nível de maturidade acadêmica e pessoal. Percebem-se um aumento crescente da segurança e da apropriação dos conceitos teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa, sobretudo na incorporação das atitudes essenciais ao terapeuta, necessários para a criação de um clima facilitador de crescimento.

Quando levantamos o interesse pelo tema deste artigo, ainda não havíamos tido contato com trabalhos semelhantes e nos surpreendemos ao longo da pesquisa, ao encontrarmos idéias e sentimentos convergentes com nossas observações e impressões nas fontes pesquisadas. Não nos referimos apenas à fatos e pesquisas, mas à vivências e sentimentos que constatamos serem peculiares a todos que se propõem a dedicar-se a esta proposta de atendimento.

Durante o longo período acadêmico, acompanhando todas as disciplinas exigidas no curso de psicologia, vivenciamos todo o sentimento gerado pela expectativa do início dos atendimentos no estágio. Havia um misto de medo e insegurança com a alegria e satisfação devido à iminência da conclusão do ensino superior. Sentimos todas as alterações fisiológicas, como taquicardia e sudorese quando pensávamos que em poucos instantes estaríamos diante de pessoas que dividiriam conosco questões relativas às suas vidas pessoais, ansiosos por respostas de como “salvar suas vidas”, ou seja, de como oferecer subsídios para que consigam lidar com suas questões, já que na nossa sociedade esta ainda é a visão do profissional “psi”, que gera fantasias e deposita em nós a imagem do profissional fantástico, sabedor de todas as coisas.

É com esta imagem criada pelo imaginário social, que entramos no estágio supervisionado e que, de certa forma, pode explicar um pouco todo o sentimento vivenciado pelo psicoterapeuta iniciante. A experiência vivida no Serviço de Plantão Psicológico, conforme mostrada ao longo deste trabalho, nos mostrou como os sentimentos de insegurança, temor e aflição podem ser amenizados quando se desenvolve um trabalho onde o contato com as pessoas se dá de maneira gradual, num encontro único, permitindo focarmos naquele momento, sem preocupações a longo prazo, enriquecendo a relação terapêutica e nos mostrando, a cada atendimento de plantão, nossa evolução enquanto psicoterapeutas e o amadurecimento prático-teórico e pessoal.

Falamos da Abordagem Centrada na Pessoa como uma orientação teórica que implica uma postura nas relações pessoais, diferente das que costumamos ver no nosso dia-a-dia. Uma postura que nos direcione a ter um contato verdadeiro e intenso com o outro, refazendo nossa maneira de ver o homem e a humanidade, daí a importância de se buscar nas atitudes preconizadas por Rogers, essa postura em todas as nossas relações. Postura essa que vai se desenhando a cada atendimento de Plantão, oferecendo ao estagiário a devida preparação para se tornar um bom psicoterapeuta.

A possibilidade de um aprofundamento acerca da temática nos deixa muito entusiasmados e com um desejo cada vez maior de nos dedicarmos as questões relativas ao Plantão Psicológico e seus diferentes modos de observação, tendo em vista que o Plantão conforme mostrado neste trabalho, representa um recorte diante das possibilidades deste serviço.

Enfatizamos aqui sua aplicabilidade no contexto acadêmico, mais precisamente nas clínicas-escola de psicologia como instrumento de capacitação para uma formação mais consistente de psicoterapeutas. A implementação do serviço em outros contextos como instituições que atendem mulheres em situação de violência doméstica, delegacias, hospitais gerais, entre outros, também tem sido bastante difundida.

Propomos a reflexão a respeito de algumas questões: Como pensar o Plantão Psicológico hoje? Como este serviço pode ser articulado com outras formas de promoção de saúde, em comprometimento com um trabalho interdisciplinar? Para responder a essas questões teremos que nos debruçar de maneira mais sistematizada acerca das potencialidades que o Serviço de Plantão Psicológico pode oferecer. O fato é que existe uma variada gama de modalidades de Plantão oferecida em várias partes do país, mas, ainda assim, não se esgotam as possibilidades de novas perspectivas para esta modalidade de atendimento.

Acreditamos na necessidade de se desenvolver pesquisas que corroborem de maneira quantitativa o tema apresentado aqui, visto que, procuramos ampliar esta discussão, de maneira empírica, refletindo a partir de nossas vivências e dos trabalhos realizados até então.

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[1] Disponível em http://www.cpp-online.com.br/brasil/artigos/rogerio/terapeuta.htm

[2] Disponível em http://www.jlbelas.psc.br/texto13.htm

[3] Artigo 2º, Parecer CNE/CES 0062/2004.

[4] Artigo 7º, Idem.

[5] “Estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade.” (Organização Mundial de Saúde).

[6] Versão de Sentido: “É uma versão que procura captar a experiência imediata após cada evento (consulta, entrevista, sessão, supervisão, aula, etc.). Significa então escrever livremente como você está imediatamente após o evento, qual o sentido que este evento teve para você.” (Tassinari, 2005)